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"Pintou um clima"

A incrível capacidade da esquerda de dar importância a babaquices

Em vez de lutar nas ruas, classe média prefere se escandalizar com falas de Bolsonaro

A esquerda nacional inteira, à exceção do PCO, demorou quase dois anos para sair às ruas durante a pandemia. Parte dessa esquerda esperou até o fim do primeiro turno para declarar — e de forma muito tímida — o apoio à candidatura de Lula. No entanto, essa mesma esquerda, tão preguiçosa quando se trata de uma luta real, não demorou nem um dia para fazer um verdadeiro escândalo por causa de uma frase vociferada pelo presidente ilegítimo Jair Bolsonaro em uma entrevista.

A frase em questão se deu no dia 14 de outubro quando Bolsonaro narrou o que teria acontecido durante um passeio de moto em Brasília:
“Elas estavam arrumadinhas. Vi que eram parecidas. Pintou um clima, entrei em casa e vi que todas eram venezuelanas. E estavam todas se arrumando. E aí eu pergunto: meninas que têm entre 14 e 15 anos se arrumando num sábado? Pra quê? Você quer isso para sua filha? Escolhas erradas”, afirmou.

Para Bolsonaro, não passava de uma anedota para criticar a situação dos venezuelanos no Brasil e, por tabela, criticar o governo de Nicolás Maduro, aliado de seu candidato adversário, Lula. Para essa esquerda que só faz política do sofá, seria a confissão de um crime (!). Uma vez que a expressão “pintou um clima” pode ter uma conotação sexual, Bolsonaro seria, portanto, um “pedófilo”, pois teria demonstrado interesse sexual em menores de idade.

Se o objetivo da esquerda é fazer intriga para a primeira-dama, Michele Bolsonaro, a campanha do presidente pedófilo pode até ter algum êxito. No entanto, do ponto de vista da luta política contra o governo Bolsonaro, a campanha é uma cretinice absoluta.

As acusações contra Bolsonaro são essencialmente moralistas. Não procuram encurralar o adversário em função de seu programa direitista e reacionário, mas sim por infringir aquilo que é considerado moralmente adequado pela sociedade. É um apelo, portanto, aos setores mais atrasados da sociedade e que, no final das contas, só serve para tornar o clima político ainda mais direitista.

A questão que a esquerda deveria se perguntar é: quantas pessoas serão mobilizadas por causa das críticas morais a Bolsonaro? Que movimento de trabalhadores é gerado através dessa campanha? Absolutamente nenhum!

O movimento operário tem séculos de tradição de greves, piquetes, ocupações, atividade de imprensa e manifestações — enfim, uma experiência prática na luta política. Toda essa experiência, contudo, só foi possível porque os trabalhadores tinham motivos concretos para se mobilizar — salário, emprego, moradia etc. A “luta” contra a moral alheia nunca mobilizou ninguém.

Ou melhor, mobilizou: a direita. Toda vez em que a direita precisou mobilizar algum setor da população, apelando sempre à classe média e aos setores mais conservadores e atrasados da classe operária, utilizou o moralismo para impulsionar suas campanhas. E por um motivo óbvio: a direita não é capaz de uma luta honesta. Seu programa é o esmagamento do povo trabalhador, é sua transformação em pó. Como não pode defender isso abertamente, apela para os ataques mais rasteiros contra seus adversários.

E é pelo fato de a campanha moralista ser uma necessidade da direita que é a direita quem domina a “arte” de atacar moralmente seus adversários. Essa “arte”, no entanto, não corresponde ao conhecimento profundo de uma determinada técnica, mas sim o uso de uma verdadeira máquina de difamação que somente o capital é capaz de produzir: a imprensa burguesa, os recursos na internet, a conivência do Judiciário etc.

Esse tipo de campanha deve ser denunciada, assim, como uma infiltração dos métodos da direita nas fileiras da esquerda. Infiltração essa que adquire um caráter ainda mais reacionário neste momento em que há uma tendência à radicalização da campanha de Lula. Incentivar esse tipo de campanha acaba por desmobilizar os setores mais conscientes da classe operária, que estão prontos para uma mobilização revolucionária contra o golpe de Estado, e levantar a cabeça dos setores que não estão dispostos a defender um programa classista para a candidatura de Lula: Geraldo Alckmin, Guilherme Boulos, Marina Silva, Paulinho da Força, André Janones e tantos outros.

A prova disso está em um artigo publicado no portal Brasil 247, intitulado “Pintou um clima de derrota: fonte governista diz que caso das meninas venezuelanas pode ser a pá de cal para Bolsonaro”. A matéria é um antijornalismo. Não apresenta prova alguma do que fala e procura conduzir o leitor para a seguinte conclusão: agora que Bolsonaro cometeu esse “deslize”, seus apoiadores passarão a votar em Lula. É uma clara tentativa de esfriar a campanha. Afinal, publicações desse tipo, só servem para que a esquerda conclusa que não é necessário sair às ruas e lutar para eleger Lula, mas simplesmente esperar Bolsonaro derrotar a si próprio.

Esse, afinal, é o objetivo oculto da campanha moralista que os setores mais direitistas da campanha de Lula estão fazendo: retirar a campanha das ruas e transferir para uma arena desprovida de qualquer controle popular, que seria a “opinião pública”. Isto é, os institutos de pesquisa, a imprensa, as redes sociais etc.

O Partido Comunista Brasileiro (PCB), que é dirigido por alguns velhos stalinistas e sindicalistas pelegos da ditadura militar, sabe que a campanha moralista acaba muito mal para a esquerda e, certamente por isso, tentou dar um verniz mais esquerdista à questão. Contudo, sua posição termina sendo a mesma.

Em nota do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, publicado pelo portal do PCB na internet, o partido afirma que “a violência contra crianças e adolescentes é parte dessa sociedade patriarcal e machista” e que “a afirmação de Bolsonaro reforça essa violência e apresenta como normal o assédio e a violação sexual de crianças e adolescentes, reforçando a permissividade para essas situações”. Ou seja, o problema da declaração de Bolsonaro não seria a perversão sexual, mas sim o incentivo a práticas de violência contra crianças e adolescentes. O PCB ainda destaca que, no mundo, “cerca de 45.000 crianças e adolescentes sofrem com o abuso sexual por ano (dados da UNICEF)”, sendo que o Brasil “ocupa o segundo lugar no ranking mundial de exploração sexual de crianças”.

A preocupação com as crianças e adolescentes pode até ser um gesto nobre do coletivo de mulheres do PCB. Mas a questão é: o que a declaração de Bolsonaro tem exatamente a ver com isso?

A única explicação possível seriam as teses identitárias e subjetivas, nas quais o PCB se encontra plenamente imerso. Para os identitários, o tráfico de mulheres, o abuso sexual infantil e o turismo sexual com menores seria o produto único da má consciência de alguns indivíduos. Pessoas como Bolsonaro, que têm um pensamento considerado misógino, machista ou seja lá qual for, seriam os responsáveis pela ocorrência de tais crimes.

É uma concepção, obviamente, antimarxista, uma vez que põe as ideias como determinantes para a ação do homem. Mas ela é mais que isso: é absolutamente ridícula. Para que fosse verdade, teríamos de admitir que a maneira correta de combater os problemas que afligem os setores oprimidos na sociedade seria mudando os pensamentos das pessoas. A política, portanto, seria totalmente dispensável.

As mulheres do PCB, desse ponto de vista, não estão interessadas em saber se quem governará o País são os bancos, os empresários da FIESP e os latifundiários ou se os trabalhadores, os sem terra e os movimentos populares. Tanto faz, pois a situação da criança, da mulher, do negro, do homossexual e do índio nada teria a ver com interesses econômicos. Não foram os bancos que obrigaram as mulheres a se aposentar com mais idade na reforma da Previdência, não são os latifundiários que trucidam os sem terra, não são os empresários que montam esquemas de prostituição infantil: foram pessoas de má formação moral — isto é, que não têm a mesma moral que o PCB.

Não há uma única menção ao Estado, as classes sociais ou qualquer aspecto da política na nota do Coletivo. O que só pode causar o mesmo efeito que a campanha despolitizada da ala direita do PT: vamos ficar em casa e esperar que as pessoas acordem e percebam como Bolsonaro é “mau”.

Há ainda uma outra consequência da campanha moralista que é desenvolvida na nota do PCB. Uma vez que a campanha moralista é inútil para a mobilização de classe, quando ela tem algum êxito, ela só serve para uma coisa: pressionar as “instituições” para intervir contra o infrator. Dito de outro modo: para chamar a polícia. É o que as mulheres do PCB fazem sem titubear: “é inaceitável que Bolsonaro não responda legalmente por todos os crimes que já cometeu”, “a fala do presidente foi nítida e deve ser punida”, “Bolsonaro deve ser responsabilizado pelos seus crimes” etc. Uma frase chama ainda mais atenção pelo seu apelo direto às cortes imperialistas: “[a gravação com as falas de Bolsonaro] precisa ser levada para os tribunais nacionais e internacionais”.

O caso grotesco mostra que uma fala descuidada de Bolsonaro em uma entrevista e uma pitada de desespero eleitoral já constituem uma receita para que a esquerda passe por cima, um a um, os princípios que deveria defender. A babaquice falada por Bolsonaro, que sequer pode ser seriamente considerada uma confissão, não tem valor algum em si. Deveria, no máximo, receber uma interjeição de nojo de quem ouvisse. No entanto, acabou ganhando importância pela importância que a esquerda deu ao caso: transformou-se em um passaporte para uma guinada ao reacionarismo.

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