Em um dos maiores escândalos da história recente da esquerda brasileira, a direção do PSOL, em conjunto com a ala direita do Partido dos Trabalhadores e a cúpula do PCdoB, saiu comemorando a “unificação” dos atos Fora Bolsonaro, comandados pelas organizações populares, com o comício eleitoral do PSDB, comandado por João Doria, pelo MBL e pelo Vem pra Rua. Nas redes sociais, Juliano Medeiros, dirigente máximo do PSOL, fazendo alusão a um célebre cântico do movimento estudantil — “unificou, unificou, é estudante junto com o trabalhador” —, escancarou sua alegria: “UNIFICOU! Os partidos de oposição na Câmara – PSOL, PT, PCdoB, PDT, PSB, PV, Rede, Solidariedade, Cidadania – aprovaram agora os dias 2/10 e 15/11 para a realização de grandes mobilizações contra do governo. Agora é ampliar com todos que querem o impeachment!”.
O que de fato foi unificado — se de fato houve alguma “unificação”? Ora, segundo a própria publicação de Juliano Medeiros, trata-se da união do conjunto da esquerda parlamentar — PSOL, PCdoB e PT — com os partidos mais importantes daquilo que é chamado de “direita golpista” — isto é, o núcleo fundamental de partidos envolvidos na derrubada do governo do PT em 2016. Trata-se da unidade, portanto, entre os partidos, dentro do escopo legislativo, que mais foram perseguidos pelo golpe, com os partidos que organizaram o golpe.
O PT, por ser o partido com a maior base operária do País, foi, de longe, o mais atacado. Teve uma presidenta derrubada, vários dirigentes presos, incluindo sua principal liderança, e foi roubado nas eleições presidenciais de 2018. Nesse embalo, o partido perdeu centenas de prefeituras e milhões e milhões de reais. O PCdoB, por sua vez, correu sérios riscos de cair na famigerada cláusula de barreira, precisando se fundir ao PPL para continuar tendo acesso ao fundo partidário. A UNE, entidade sob sua direção, sofreu inúmeros ataques, como a ameaça constante de uma CPI contra seus integrantes e a implementação da carteira de estudante virtual, que causou um prejuízo gigantesco a seus cofres.
O PSOL, embora não seja um partido de longa tradição de esquerda, também foi afetado pelo golpe — ou, pelo menos, seus integrantes que são de fato de esquerda. O partido também escapou por pouco da cláusula de barreira, teve uma vereadora assassinada e está assistindo a um regime que se fecha a cada dia que se passa. Se houver um único militante do PSOL que esteja preocupado em lutar pelos direitos democráticos do povo, em atuar no movimento popular ou mesmo na luta sindical, ele vai se ver confrontado com uma série de obstáculos plantados justamente por essa direita golpista.
Por que essa “unificação” teria de ser comemorada? Por acaso a direita golpista tornou-se menos golpista? Estaria a direita disposta a se “unificar” com a esquerda para reverter o golpe de Estado? Não, e bastam dois exemplos bem recentes para provar isso: a mesma direita golpista aprovou a privatização dos Correios e a PEC da grilagem. Neste sentido, a publicação de Juliano Medeiros deveria ser corrigida para “unificou, unificou, é o PSOL junto com privatizador”. É a esquerda, cujos militante estão comendo o pão que o diabo amassou, de mãos dadas com o diabo.
E não há nada que ver com “remoer” o passado. A privatização dos Correios e a PEC da grilagem são fatos do presente. A direita não quer o apoio da esquerda para que Lula seja presidente, ela tem o seu próprio candidato: o candidato da “terceira via”, que seria alguém mais competente que o próprio Jair Bolsonaro na política de terra arrasada.
Felizmente, a “unificação” não é uma “unificação” real. Quem decidiu apertar a mão de João Doria e seus seguidores foi Juliano Medeiros e meia dúzia de dirigentes que estão completamente desorientados pelo assédio da Folha de S.Paulo. Não há qualquer acordo dos trabalhadores, da base do PT e da CUT, com os picaretas do PSDB.
Por isso, é hora de todos os milhões que compõem o movimento Fora Bolsonaro e não têm compromisso algum estabelecido com a direita golpista erguerem-se contra essa sabotagem criminosa à luta do povo. É preciso repudiar a tentativa de aliança com a direita, exigir que o movimento discuta essa política abertamente e tomar medidas para que a direita não se infiltre nos atos do povo.