Em declaração cedida ao jornal Folha de S.Paulo — que o PSOL acha que é dele, quando é ele que pertence ao jornal — a deputada federal Sâmia Bonfim disse estar redondamente segura de que sua legenda não apoiará o ex-presidente Lula em 2022:
“Na minha opinião, não há um apelo real para que desde o primeiro turno o PSOL abra mão de ter uma candidatura própria para apoiar a de Lula”.
Opinião cada um tem a sua. Mas a “opinião” de Sâmia Bomfim, aqui, não é a mera predileção entre um prato ou outro, tampouco uma análise sobre a situação do próprio partido, mas sim uma espécie de profecia autorrealizável: para a deputada, o PSOL não apoiará a candidatura de Lula porque ela própria não está disposta a travar uma luta para que isso aconteça. Afinal de contas, Sâmia Bonfim não é qualquer militante do partido, mas, ora bolas, uma deputada federal. Se, para ela, a candidatura de Lula é algo tão insosso, com a qual ela deveria ser indiferente, é porque, portanto, não tem importância.
Mas de onde viria tamanha indiferença? Por que, ao invés de ter uma atitude firme e mover o aparato partidário para garantir que Lula seja candidato, a psolista prefere digerir lentamente os acontecimentos e aguardar que o STF lhe sirva a política que lhe for mais conveniente? Seria, ainda, Sâmia Bonfim muito radical para apoiar Lula? Teria o PSOL uma grande divergência com o programa do PT? Vejamos.
Não há grandes divergências entre o programa de um e de outro. Tanto o PSOL como o PT são partidos extremamente moderados. Seu conteúdo é basicamente o mesmo, uma espécie de senso comum da esquerda reformista no que diz respeito ao trabalho, à saúde, à educação etc. No que diz respeito à estrutura do Estado e à organização dos trabalhadores, PSOL e PT não têm divergências. Se há alguma diferença entre um e outro não é que Sâmia Bonfim seria mais radical: na verdade, o fato de que o PT tem uma ampla base operária, enquanto o PSOL está fincado sobre uma classe média muito conservadora, torna, na prática, Sâmia Bonfim muito mais incapaz de levar adiante um programa de esquerda.
Sâmia Bomfim não está preocupada com a candidatura de Lula, finalmente, porque defende uma política que está em contradição com a candidatura petista: a frente ampla. Isto é, a política de colaboração de um setor da esquerda nacional com a direita golpista. Essa política, que tem como objetivo fazer com que um setor impopular e desmoralizado da burguesia consiga retomar o espaço perdido para a extrema direita, é inviável de ser levada adiante com Lula como candidato, pois Lula, que é o maior líder popular do País, polarizaria a eleição. Para a “frente ampla” ter sucesso, é preciso o contrário: o maior grau possível de dispersão e confusão entre os trabalhadores.
Não é preciso grande pesquisa para encontrar Sâmia Bomfim apoiando a frente ampla. Segundo matéria do jornal O Globo — que Marcelo Freixo acha que é dele, mas é ele que pertence ao jornal — Sâmia Bomfim estava lambendo os beiços para apoiar seu colega Baleia Rossi nas eleições da Câmara dos Deputados:
“Acho que é ruim o PSOL não ser identificado pela sociedade como o partido que atuou diretamente para a derrota do Lira. E pode ser que esse cenário se expresse já no primeiro turno. Não quero correr esse risco, portanto eu defendo internamente apoio ao Baleia”.
Sâmia Bomfim foi tão vorazmente atrás de Baleia Rossi que teria, segundo as fofocas d’O Globo, provocado um mal estar com seu marido, o que rendeu vários cliques para o periódico golpista: “Divisão na bancada do PSOL põe em lados opostos até casal de deputados”. Naquele momento, o apoio a Baleia Rossi era, na verdade, o apoio ao candidato de todo um setor golpista e inimigo do povo, incluindo partidos como o DEM e o PSDB. Sob o pretexto intragável da “luz contra as trevas”, juntaram-se Sâmia Bomfim, Baleia Rossi e Rodrigo ‘Nhonho’ Maia para uma mesma medida: fazer o povo de trouxa e vender a direita que prendeu Lula e derrubou Dilma Rousseff como salvadora da pátria. Não custa lembrar que isso levou a uma vitória de peso do governo Bolsonaro no Congresso, bem como a uma desmoralização ainda maior da esquerda parlamentar…
A mais nova declaração de Sâmia Bomfim, neste sentido, é apenas a repetição da iguaria vista em janeiro. É a unidade entre a direita nacional e aqueles que, para não perderem seus privilégios, calculam que vale a pena trair a sua base em um acordo escuso com seus inimigos.