No mundo da publicidade, as universidades privadas são o suprassumo da ciência e da tecnologia. No mundo real, quem dá as caras quando a situação complica são as públicas. Enquanto as privadas deram um show de horrores na pandemia, demitindo profissionais, intensificando a precarização com salas virtuais para mais de cem estudantes e pressionando pela reabertura, as universidades públicas se colocaram na dianteira da pesquisa e desenvolvimento científico para combater a crise sanitária.
Um dos alvos da sanha neoliberal no Brasil certamente são as nossas universidades públicas. O subfinanciamento é uma das estratégias para sucatear e finalmente privatizar completamente o ensino superior. A mais importante do país, a USP, segue com salários congelados há alguns anos, por exemplo. A situação geral das universidades públicas brasileiras está muito longe do ideal. Mesmo assim, estão anos-luz à frente das privadas quando se trata de pesquisa e extensão universitária.
O respirador Inspire, desenvolvido por pesquisadores da Escola Politécnica da USP, é um exemplo de desenvolvimento de tecnologia nacional para enfrentar a pandemia de COVID-19. Por ser fruto da universidade pública, o equipamento foi pensado não como um produto rentável, mas como algo de interesse público. Isso explica alguns dos diferenciais do Inspire, como o baixo custo de produção e a preocupação em oferecer autonomia para situações de falta de energia elétrica e funcionar sem a necessidade de uma linha de ar comprimido, bastando um cilindro de oxigênio.
Esse tipo de produto dificilmente seria desenvolvido por alguma indústria capitalista, pois seu público-alvo principal apresenta pequeno ou nenhum poder aquisitivo. O respirador desenvolvido na USP, por exemplo, pode ser facilmente transportado e utilizado nos locais de mais difícil acesso do país, chegando até as populações ribeirinhas da Amazônia. Todas as peças da sua composição são encontradas no mercado nacional e utiliza o mesmo tipo de bateria de veículos já fabricadas aqui. Mesmo sendo barato para produzir, trata-se de um equipamento com tecnologia atual, permitindo a programação de diferentes modos de ventilação. O funcionamento a partir de energia solar ainda está em desenvolvimento.
Outro aspecto muito importante tem a ver com as patentes, esse mecanismo tão caro ao capitalismo parasitário dos monopólios. Durante a pandemia, os pesquisadores disponibilizaram uma autorização especial para a produção, doação e venda dos respiradores Inspire. Uma atitude normal, mas que contrasta com o pudemos observar desde o início da pandemia ao redor do planeta, onde as disputas comerciais dificultam o acesso a medicamentos, equipamentos médicos e, mais recentemente, às vacinas. O desenvolvimento de um respirador “do zero” foi importante justamente para que os pesquisadores pudessem liberar a sua produção. Se tivessem feito uso de um programa ou equipamento patenteado, estariam limitados pelo controle internacional do imperialismo.
O interesse público não só passa longe como muitas vezes bate de frente com as prioridades do capital. Por isso, para os países atrasados, como o Brasil, a universidade pública ocupa um papel estratégico e insubstituível. A educação pública é essencial para instrumentalizar a população e as universidades são essenciais para o desenvolvimento de tecnologia. Além de contribuir para o desenvolvimento econômico, o avanço tecnológico também permite melhorar as condições de vida da população, como fica explícito nesse caso do respirador.
Vale comentar aqui que a direita que ataca religiosamente as universidades públicas, seja com o subfinanciamento, com discursos ou com as tentativas de privatização, também busca capitalizar os sucessos obtidos a duras penas pelos profissionais e estudantes dessas instituições. No caso do respirador desenvolvido na USP, o governador de São Paulo, o pseudo-científico João Doria, não perdeu a chance de se autopromover. Diante do caos instaurado em Manaus, o governador do estado mais rico do país enviou 40 unidades do Inspire. Sim, apenas 40 respiradores. Fosse de fato científico, Doria já poderia ter impulsionado a produção e distribuição de centenas de unidades, pois o equipamento ficou pronto no final de março de 2020 e foi liberado pela Anvisa em agosto.
Doria também vem tentando vincular seu nome aos resultados obtidos pelos profissionais do Instituto Butantan na questão da vacina, mas cadê a produção massiva? Alguns otimistas anunciam que a pandemia mostrou a importância das pesquisas realizadas na universidade pública, como se isso bastasse para de repente garantir um financiamento estatal adequado. Para além da autopromoção oportunista, não é sábio esperar por nada dos políticos da direita, que na primeira oportunidade vão entregar USP, Butantan, Fiocruz, tudo o que for possível, para os especuladores internacionais.
A universidade pública precisa ser defendida e reivindicada pelo povo, que deve encontrar portas abertas onde ainda reina a exclusão social. Pública e com acesso universal, assim a universidade pode ser o motor de um desenvolvimento nacional expressivo. O exemplo cubano não consegue ser ocultado nem pela imprensa burguesa. Um país pobre, uma ilha no caribe, está desenvolvendo pelo menos quatro vacinas contra a covid, duas delas em fase final de testes. Está aí a lição: o interesse público só fica em primeiro plano quando o povo controla o estado.