O grande acontecimento da semana foi a tomada do poder pelo Talibã no Afeganistão. Em cerca de 20 dias após a retirada das tropas dos Estados Unidos, o movimento guerrilheiro tomou as cidades mais importantes, as capitais provinciais e entrou na capital Cabul por todos os lados.
O Exército e a polícia afegãos não esboçaram resistência e abandonaram as armas. A maneira como se deu o fim da ocupação imperialista abriu uma crise nos Estados Unidos. O ex-presidente Donald Trump (Partido Republicano) acusou Biden e afirmou que ele deveria renunciar. Os principais órgãos de imprensa que expressam a posição do imperialismo compararam a derrota no Afeganistão com as revoluções cubana, vietnamita e iraniana. Ficou evidente que a dominação imperialista está debilitada.
A expulsão das forças americanas no Afeganistão pelos guerrilheiros, após 20 anos de ocupação militar na qual os Estados Unidos gastaram mais de US$ 1 trilhão, deveria ser motivo de comemoração por parte de toda a esquerda nacional e internacional. Contudo, não foi o que se viu. Diversos setores da esquerda brasileira se apressaram em condenar o Talibã, portanto defendendo o imperialismo.
A esquerda pequeno-burguesa identitária, apêndice da burguesia internacional, embarcou na campanha de acusações contra o Talibã como o grande responsável pelos males das mulheres. Parece até que as mulheres não são oprimidas em nenhum lugar do mundo, exceto no Afeganistão e, particularmente, no regime do Talibã. Outros se apressaram em falar do perigo da “perda de direitos das mulheres conquistados nos últimos vinte anos”, isto é, durante a ocupação militar estrangeira, quando um inúmero inestimável de mulheres foi simplesmente estuprado pelos soldados dos EUA, tiveram suas casas bombardeadas, seus filhos executados e, isso, quando elas mesmas não foram assassinadas.
Determinados partidos da esquerda centrista repetiram o tradicional mantra “nem-nem”. Não são favoráveis à ocupação imperialista, mas também não são favoráveis àqueles que, no decorrer de vinte anos, combateram de armas na mão o mais poderoso Exército do mundo. O problema do Talibã seria sua ideologia religiosa.
O fato de colocar em dúvida a derrota do imperialismo no Afeganistão revela o caráter da esquerda, adaptada ao imperialismo e domesticada pela ideologia burguesa e reacionária do identitarismo. A expulsão das tropas dos Estados Unidos e da OTAN significa uma revolução no Afeganistão, uma libertação nacional de um País atrasado em relação a uma potência imperialista invasora e opressora.
Para apoiar uma revolução popular, a expulsão do imperialismo de um país asiático atrasado, a esquerda exige credenciais quanto às questões das mulheres, negros, LGBTs. Se o grupo que derrotou o imperialismo de armas na mão expressar alguma opinião atrasada ou direitista, esta revolução não pode ser apoiada. Afinal, quem mais pode defender os direitos das mulheres do que o imperialismo mundial e particularmente os norte-americanos?
Uma revolução precisa acontecer no mundo da fantasia, na Disney World, para ser apoiada pela esquerda pequeno-burguesa brasileira. A guerrilha Talibã, expressão política, cultural e ideológica de um dos países mais atrasados e pobres do mundo, não serve para esta esquerda. Afinal de contas, agora as mulheres vão perder os “direitos” conquistados “nos últimos vinte anos”. A ocupação militar americana era tão boa para as mulheres e para o povo afegão em geral, que bastou os americanos se retirarem que em 20 dias um movimento insurrecional tomou conta do País.
Se a esquerda acha que a revolução russa, chinesa, cubana ou qualquer outra revolução no mundo algum dia foi feita com flores por ursos panda carinhosos, então é bom estudar um pouco de história. E se ela acha que, no Brasil, a revolução será feita por cirandeiros que entregam rosas à PM e usam pronome neutro, é melhor cair na realidade. A revolução será feita pelo povo oprimido, explorado, humilhado, e será a libertação violenta de todo o rancor acumulado por séculos de opressão. Será feita por um povo que em nada se assemelha aos bem-pensantes da Vila Madalena ou do Leblon, eleitores de Boulos e Marcelo Freixo. Será feita por aqueles que falam todo o tipo de palavrão (e eles não são “machistas”?), mal-educados, feios, sujos e fedidos ─ mais parecidos com os talibãs do que com qualquer militante da esquerda pequeno-burguesa.
Mas por isso a esquerda vai deixar de comemorar a revolução? Se depender da nossa esquerda atual, irá condenar o povo brasileiro insurreto e chorar novamente pelos seus amos imperialistas ─ afinal, a burguesia é limpinha e cheirosa e sabe falar bonito.