Na última semana, a imprensa burguesa anunciou, com muitas pompas, a formação de um bloco de onze partidos em apoio à candidatura indicada por Rodrigo Maia (DEM) na Câmara dos Deputados. Entre os integrantes do bloco, estão o PT e o PCdoB, dois dos três partidos da esquerda parlamentar, além do PDT e do PSB, partidos da burguesia que se apresentam como progressistas, embora não o sejam. Segundo matéria publicada pelo portal UOL no dia 18 de dezembro, o PSOL, único partido da esquerda a lançar candidato próprio, já deu como certo o apoio de Rodrigo Maia no segundo turno.
Na carta assinada pelos representantes do bloco, os partidos, que vão desde as legendas de esquerda citadas até partidos como o DEM, o PSDB e o PSL, se apresentam como “a fortaleza da democracia no Brasil“. Em carta compartilhada pelo próprio Rodrigo Maia nas redes, os partidos declaram que:
“Porquanto alguns buscam corroer e lutam para fechar nossas instituições, nós estamos aqui para valorizá-las. Enquanto uns cultivam o sonho torpe do autoritarismo, nós fazemos a vigília da liberdade. Enquanto uns se encontram nas trevas, nós celebramos a luz“.
E, depois de toda a enrolação com retoques poéticos de péssima qualidade, concluem:
“Esta não é uma eleição entre candidato A ou candidato B. Esta é a eleição entre ser livre ou subserviente; ser fiel à democracia ou ser aliado do autoritarismo; ser parceiro da ciência ou ser conivente com o negacionismo; ser fiel aos fatos ou ser devoto de fake news“.
É ridículo. Uma verdadeira piada. Não existe, afinal, uma eleição que não seja entre A ou B. Embora a esquerda pequeno-burguesa tenha desenvolvido o costume recente de anunciar que um candidato foi derrotado, mas sem anunciar que um determinado outro candidato tenha saído vencedor, não existe disputa em que apenas um lado perde. A eleição, como qualquer outra, é entre o candidato do presidente ilegítimo Bolsonaro, Arthur Lira (PP), e o candidato apoiado por Rodrigo Maia (DEM). Isto é: a disputa entre o bolsonarismo e o grupo político controlado por Rodrigo Maia, o PSDB e o MDB.
O “bloco dos 11”, embora tente disfarçar, está apoiando deliberadamente a política de Rodrigo Maia. E é justamente por isso que a carta se mostra ridícula: Maia, o PSDB e o MDB não são inimigos do autoritarismo, do negacionismo ou das “fake news”. A direita nacional aprovou uma quantidade absurda de ataques contra os direitos democráticos da população no último período. Somente em São Paulo, a Polícia Militar matou mais que qualquer outra organização criminosa. Tampouco é a direita inimiga do “negacionismo”: o PSDB, o DEM e o MDB, por meio de seus governadores, “negaram” a gravidade da pandemia a todo momento, de tal modo que abriram a economia no pior momento da epidemia. Recentemente, João Doria declarou que iria abrir as escolas independentemente de o número de casos aumentar. Por fim, falar em notícias falsas é um verdadeiro deboche: essa mesma direita é apoiada e financia toda a imprensa golpista, que é a maior fábrica de mentiras do País.
Se o apoio à direita nacional já é ridículo em si, para qualquer um que acompanhe a política nacional, esse apoio se revela como uma contradição total com a própria política recente da esquerda nacional, quando lembrados alguns discursos. Há menos de quatro meses, a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) criticou corretamente Rodrigo Maia:
“Não surpreendem as declarações do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) reiterando sua posição favorável ao meu impeachment e descartando a possibilidade de abrir um processo de afastamento de Jair Bolsonaro da Presidência da República. O deputado não tem compromisso com a democracia ou com o povo brasileiro. Seu compromisso é com a manutenção da atual política econômica, responsável pelo aumento da desigualdade social e com a agenda neoliberal nefasta imposta pelo ministro Paulo Guedes“.
Por que essa mudança tão repentina? Teria a esquerda revisto os seus princípios? Estaria a esquerda, na época em que criticou Rodrigo Maia, expondo-o como parte central do regime político golpista, equivocada? Evidentemente, não é essa a questão.
A mudança na política está diretamente relacionada com o avanço do golpe de Estado. Na medida em que os ataques se aprofundam e a polarização aumenta, o regime político pressiona os setores mais pequeno-burgueses da esquerda nacional a acompanharem sua evolução à direita. Afinal, se o regime político vai cada vez mais para a direita, a única maneira de a esquerda pequeno-burguesa manterem os seus privilégios é por meio de uma política cada vez mais direitista.
Essa política cada vez mais direitista, contudo, não leva a qualquer benefício para a classe operária. O caso da Câmara dos Deputados deixa isso muito evidente: a esquerda acabou se anulando completamente como força política, deixando todo o protagonismo da luta contra o governo Bolsonaro nas mãos da direita nacional. E isso não se dá apenas porque a Câmara dos Deputados é composta majoritariamente por direitistas: nas eleições, a esquerda teve a mesma política. Em vez de lutar em defesa de seu programa, de denunciar o regime, que é uma verdadeira ditadura, dedicou-se a defender o programa da direita — como o caso da repressão —, apoiar abertamente a direita — como no caso de Eduardo Paes (DEM) — e lançar candidatos de direita — como no caso do latifundiário do PSOL no Mato Grosso.
O papel da esquerda deve ser o exato oposto: o de mostrar aos trabalhadores quem são os seus inimigos para, por meio de suas próprias forças, derrubarem o regime político vigente. Na contramão da adaptação ao regime, é preciso mobilizar os trabalhadores pelo Fora Bolsonaro e pela candidatura do ex-presidente Lula.