A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão adotada pela Convenção Nacional francesa em 1793 e afixada em seus locais de reunião, proclama direito do cidadão de manifestar seu pensamento e suas opiniões, quer seja pela imprensa ou de qualquer outro modo e lembra que a necessidade de enunciar tal direito, dentre outros, supõem a presença ou a lembrança recente do despotismo, naquele momento derrotado no país.
A liberdade de expressão, o direito do cidadão ou mais de dizer, de criticar, de expressar o pensamento, independente do conteúdo, sem ser perseguido pelo poder estatal existente é, por assim dizer, índice do grau de democracia de um regime. Quanto mais se cerceia a liberdade de expressão, mais despótico o regime político se torna, assim como fora aqueles na França imediatamente anteriores a 1789.
O Brasil de hoje, verdade seja dita, nunca foi democrático, parece progredir para algo próximo daquele em que o Rei com uma lettres de cachet condenava sem apelação ou processo qualquer crítico, metendo-o na masmorra, como foi vítima o filósofo enciclopedista Denis Diderot e muito outros. Para tirar a prova, basta ver como se comporta o Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte brasileira, e seus ministros individualmente, que mandam direto para cadeia, antes mesmo de qualquer condenação, seus críticos para o arrepio dos direitos democráticos. A última vítima dos déspotas de toga foi Roberto Jefferson, um verdadeiro lixo humano, que, no entanto, foi preso por falar e todos sabemos que quando os direitos destes são suprimidos, o são também para os demais.
O momento crítico do país acelerou ainda mais a rota autoritária que o Estado nacional percorre, a liberdade de expressão, direito democrático básico, está sob fogo cruzado. A luta que se trava no interior da burguesia entre a direita tradicional, isto é, a terceira via que procura ganhar espaço político diminuindo o de Bolsonaro como parte do projeto de “vencer” as eleições em 2022 e a extrema-direita bolsonarista, que busca manter-se firme e apresentar-se como única solução para toda a burguesia contra a esquerda, notadamente o ex-presidente Lula. Uma das principais vítimas dessa disputa, excetuando o povo brasileiro, castigados por ambos setores da burguesia, é a tão frágil, mas tão importante, liberdade de expressão.
O Tribunal Superior Eleitoral agora ataca a imprensa independente, sob o argumento de combate às notícias falsas, em reunião com representantes das principais plataformas de redes sociais, pretende desmonetizar os canais e contas de veículos que difundirem as tais “Fake News”. O TSE já bloqueou a monetização via plataformas, como YouTube, Instagram etc., de canais Bolsonarismo que estão sendo investigados. O TSE estuda ainda publicar uma resolução para obrigar as plataformas a desmonetizar canais de imprensa independente ou não monopolista que falarem de política nas eleições. Para a instituição estatal política e ideologia não podem ser comercializadas.
Deixando a enrolação de lado, que pode até enganar os incautos, trata-se de uma política em favor da terceira via que procura se consolidar. Assim, os candidatos que polarizam a situação política, o ex-presidente Lula e o atual presidente Jair Bolsonaro perderam naturalmente espaço uma vez que sua audiência se dá principalmente fora do espaço da imprensa monopolista, isto é, via principais redes sociais. Assim se proíbe a imprensa alternativa e não-monopolista de se colocar politicamente, ameaçando-as com sanções econômicas, uma forma de censura tal como se ameaçasse de prisão. E quem decidirá o que ou não será investigado são as próprias instituições do regime, quer dizer, a burguesia.
Passasse assim da liberdade de expressão para a liberdade de imprensa, profundamente atacada, caso se venha a realizar tal resolução. Os órgãos da imprensa independente e não monopolista terão de calar-se ou falar apenas o que o TSE permitir, caso contrário irão à bancarrota.
Por outro lado, os monopólios da imprensa capitalista, como a Rede Globo, a Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo não serão afetados, esses veículos que apoiam a terceira via, na opinião do TSE de maneira alguma recebem para defender seu candidato. A campanha de 2022 cada vez mais vai sendo afunilada para que se dê apenas nos veículos da imprensa capitalista monopolista, para que façam bastante campanha de seu candidato.
Bolsonaro, não é menos inimigo da liberdade de expressão, a não ser quando se trata de uma opinião favorável a si mesmo. Uma ONG ligada, naturalmente a terceira via, Human Rights Watch, apurou que Bolsonaro teria bloqueado nas redes sociais pelo menos 176 perfis, impedindo que tais perfis acessassem o conteúdo de suas redes, como não se trata de um perfil pessoal, mas por meio do qual Bolsonaro pública decisões do governo, ou seja, de interesse público. Esses perfis, incluindo de veículos do jornalismo monopolistas, ficam sem possibilidades de acessar tais decisões no momento de sua publicação, cerceando o debate público, bem como de perfis que comentem desfavoravelmente a política do governo são bloqueados.
Curiosamente, muitos (a esquerda) que deveriam ser legatários dos que lutaram contra o despotismo para fazer nascer a democracia no mundo, ainda que a burguesia faça de tudo para empurrá-la de volta à barriga da mãe, se juntem na mesma trincheira com a burguesia contra as liberdades democráticas, em particular a de expressão, crendo, o que é ainda mais curioso, que o fazem para combater o autoritarismo. Na verdade se juntam com o bloco político da burguesia contra as liberdades democráticas, são arrastado, essa esquerda pequeno-burguesa, pelos laços que a unem a burguesia e ao regime político burguês, tanto mais autoritário se torna o regime político, mais a esquerda pequeno-burguesa se torna conservadora e direitista.
A defesa da liberdade de expressão e das liberdades democráticas não devem de maneira nenhuma ser abandonadas pela esquerda, ao contrário devemos defendê-las com toda a radicalidade contra o autoritarismo e o despotismo que se torna cada vez mais real.
