O livro mais conhecido do escritor José Ferreira Condé (1917/1971) chama-se “Terra de Caruaru” (1960) com o qual venceu o prêmio “Coelho Neto” da Academia Brasileira de Letras. É uma história de sua cidade natal, onde o escritor passou a sua infância e para quem dedicou a sua literatura, incluindo as novelas reunidas sob o título “Pensão Riso da Noite” (1966).
A novela enquanto gênero literário está a meio caminho entre conto e o romance. Consiste em histórias não tão curtas como os contos e nem não extensas quanto o romance. A variedade de personagens e a dinâmica do espaço e tempo dentro do enredo, na novela, também ficam a meio termo entre o conto e o romance. No Brasil não foram muitos os escritores que se dedicaram a essa forma de literatura. Alguns exemplos mais conhecidos são “O Alienista” de Machado de Assis e “A Hora da Estrela” de Clarice Lispector.
“Pensão Riso da Noite: Rua das Mágoas (cerveja, sanfona e amor” é uma reunião de novelas que gravitam em torno de uma casa de meretrizes situada em Caruaru/PE. Todas as histórias se passam no ano de 1927 naquela cidade, situada no interior do Estado de Pernambuco. E há um baralhamento dos personagens entre cada uma das novelas – um protagonista de uma novela, surge como um coadjuvante na história subsequente. Os mesmos personagens se confundem nas diferentes histórias. E todas elas têm o tom da comédia.
Neste sentido, pode-se dizer que o livro revela a pretensão do artista contar histórias de sua terra. A cidade de Caruaru, conhecida como a “Princesa do Agreste”, é a verdadeira protagonista do livro, de forma semelhante com que Aluísio Azevedo atribuiu o protagonista do espaço em relação aos próprios personagens no seu livro “O Cortiço”. Nas novelas de José Condé, o leitor entra em contato com toda variedade dos tipos populares que compõem uma cidade do agreste nordestinos no início do século XX: ex escravos, recém libertos do cativeiro, caixeiros viajantes, juízes, advogados, delegados de polícia, prostitutas, beatas, padres e até um líder religioso missionário ao estilo de Antônio Conselheiro.
Esse elogio de sua terra natal realça uma dimensão heroica de alguns personagens. É o caso Ezequias Vanderlei Lins, mais conhecido como seu Quequé, um caixeiro viajante dotado de carisma especial para conquistar o amor feminino.
Como a sua profissão obriga-o a estar sempre em viajem, fazendo comércio, Quequé termina constituindo três famílias em três cidades diferentes. Ele é casado com Eleuzina em Caruaru, com Santinha na cidade de Penedo em Alagoas e com Nicinha na cidade de Estância em Sergipe. Nenhuma das mulheres, e seus respectivos filhos, sabe da existência das outras com que o herói contraiu matrimônio. Não existe por parte de Quequé maiores escrúpulos em torno da mentira. Não se julgava imoral, mas, pelo contrário, buscava o amor através de suas múltiplas faces. Adaptava-se a cada situação, a cada relacionamento amoroso com as suas particularidades, procurando tirar de cada uma delas o melhor proveito que o amor feminino pode oferecer. Em determinada passagem da novela, o caixeiro viajante menciona uns versos que escrevera na mocidade:
“Não amo mulher nenhuma,
Amo a mulher, sim senhor.
Pois amando a espécie em suma,
Vou amando o próprio amor.”
Essa forma variável com que o protagonista experimentou o amor se revela nas cartas que escreve para cada uma das suas companheiras.
O estilo com que escreve revela os diferentes traços de personalidade de cada mulher e as particularidades em torno de cada casamento, evidenciando as tais possibilidades infinitas do amor.
Eleuzina de Caruaru tem um perfil boêmio e acompanha Quequé nos saraus do Major Sindô, regados à cachaça, música e aos elogios do Major à figura de D. Pedro II. Santinha, como o nome sugere, é uma mulher cândida, viúva muito jovem, e que, depois do luto pela morte do marido, adotou uma vida beata, trancada dentro de casa. Até conhecer Quequé, por quem se apaixonou e travou um casamento convencional. E por último Nicinha, uma jovem e belíssima sergipana, desmiolada, e a única que despertara ciúmes mortal do caixeiro viajante.
Ao fim da história, o protagonista é dedurado por um invejoso e levado às barras dos Tribunais pelo crime de poligamia, ao constituir três casamentos em três estados diferentes. No dia do julgamento, as três esposas comparecem no Tribunal e, curiosamente, ficam ao lado de Quequé, dizendo que elas eram as maiores interessadas em torno do crime de trigamia, conquanto não tinham o menor desejo de punir o Réu. A defesa inusitada das vítimas em favor do seu algoz levou o público que assistia ao julgamento às gargalhadas. De nada adiantou: Quequé pegou três meses de prisão.
José Condé faleceu em 1971 no Rio de Janeiro, cidade onde morou a maior parte de sua vida, a despeito do foco de sua obra estar voltado à sua cidade natal. As suas novelas retratam de forma realista a vida urbana de uma cidade do interior nordestino, com ênfase especial aos extratos sociais mais baixos. A descrição daquelas cidades é comovente àqueles que conhecem o Brasil profundo: são as igrejinhas situadas no centro da cidade, as zonas de meretrício, as feiras barulhentas e agitadas, as festas religiosas, aos bares onde se bebe cachaça e se toca sanfona. Trata-se de fonte preciosa aos interessados em conhecer a cultura popular nordestina.



