Henrique Áreas de Araujo

Militante do PCO, é membro do Comitê Central do partido. É coordenador do GARI (Grupo por Uma Arte Revolucionária e Independente) e vocalista da banda Revolução Permanente. Formado em Política pela Unicamp, participou do movimento estudantil. É trabalhador demitido político dos Correios e foi diretor da Fentect (Federação Nacional dos Trabalhadores dos Correios)

Coluna

Vai um cafezinho do almoço?

Quem fala que São Paulo não é cortês e simpático, não conhece essa instituição paulistana que é pura simpatia

Andam dizendo por aí que São Paulo é uma cidade fria, não por causa do clima, embora não sejam raros os momentos de baixa temperatura, mas porque os paulistanos – e também os paulistas em geral – seriam pessoas arrogantes, pouco dadas a sociabilidade. Difícil saber exatamente o que pensam os que acusam a população da maior cidade da América Latina, o estado mais rico do País. Fato é que tal ideia ganhou certa força recentemente quando inventaram a besteira de que haveria uma oposição entre São Paulo e o Nordeste. Um divisionismo que, obviamente só serve aos que odeiam o Brasil e sua riqueza e diversidade.

Estes ignoram que São Paulo é a cidade mais nordestina fora do Nordeste. Só fala mal dos paulistanos quem vive nos bairros de classe média e nunca pegaram um ônibus ou trem na cidade. Para quem ainda não fez isso, ou por viver enclausurado nos apartamentos da Vila Madalena, ou porque não são de São Paulo, convido a uma experiência: entre no ônibus, feche os olhos e preste atenção na diversidade de sotaques do povo.

Mas não estamos aqui para discutir uma falsa rixa regional artificialmente plantada para dividir o País. Estou aqui para discutir uma verdadeira instituição paulistana.

Vá em qualquer restaurante, padaria, boteco ou bar desses que venda refeições para os trabalhadores, desses que na cidade de São Paulo existem de esquina em esquina, dois ou três por quadra, dependendo da região. Desses que servem um belo PF ou executivo para alimentar o cidadão que está na labuta, mas que não tem como voltar para casa só para almoçar.

Essa instituição paulistana chama-se cafezinho do almoço. Vejam só, detratores de São Paulo, não há instituição mais simpática do que o café do almoço. Não há bar que recuse ao trabalhador paulista – ou vindo de qualquer outro lugar do mundo – um café do almoço. Pode ser um dedinho ou três, alguns mais generosos até, a depender da amizade que se abre entre o balconista, muitas vezes o próprio dono do estabelecimento, e o freguês, sempre fiel.

Sim, o café do almoço é uma instituição paulistana. Não se nega café do almoço a um freguês. Mas não é só isso. Como verdadeira instituição, ele pode ser oferecido pelo atendente. O melhor atendente, aliás, é aquele que toma a iniciativa e já vem chegando com o café. É mais do que uma cortesia, é uma obrigação feita com muito gosto pelo estabelecimento e uma desfeita do freguês que não aceita a oferta. Pode ser adoçado ou não, no copo americano ou na xícara, pingado ou puro, isso não importa.

Companheiros de outros estados e cidades talvez protestem dizendo que na sua cidade também tem café do almoço. Pode ser; o Brasil é muito vasto. Porém, esse humilde viajante que vos escreve, que ama o Brasil e todos os estados que já conheceu, não encontrou ainda nada que se compare ao nível institucional que é o cafezinho do almoço em São Paulo. Pode ser que você vá a um bar no Rio de Janeiro e ganhe um café se pedir. É provável que você encontre uma garrafa térmica de café na saída de um boteco de Belo Horizonte. Tudo isso é muito provável e possível em qualquer cidade do País. Aliás, cada uma com sua simpatia, sua peculiaridade. Mas o café do almoço não é uma mera garrafa térmica ali parada para ser apalpada.

Notem bem, não estou falando de um ou outro restaurante. Estou falando do café do almoço como instituição, como norma, como regra, como contrato social, quase como dogma religioso. Esse, de tudo que conheço, só vi em São Paulo.

Mas atenção! O café do almoço é instituição de bares, botecos, padocas e restaurantes que servem aquelas refeições do dia-a-dia, aquele Prato Feito, Comercial ou Executivo. Não adianta querer café do almoço em restaurante chique, em cantina de grife ou pizzaria. Ali não há cafezinho do almoço, não de graça.

Se São Paulo é a cidade que não para, é a cidade do trabalho, nada melhor do que um cafezinho do almoço como símbolo de sua simpatia. E o estado de São Paulo sempre foi a terra do café. E é a terra do café do almoço também.

Tal é o nível de institucionalidade do cafezinho do almoço que o cabra que vai na padoca de manhãzinha tomar um café, pede um café preto quente, talvez um pão na chapa, engole tudo, levanta para pagar a conta e, enquanto espera sua vez no caixa, quase diz ao balconista: um cafezinho do almoço, por favor!

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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