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Coluna

Transferência de renda e riqueza para os donos da dívida pública

O Banco Central e o tesouro nacional a serviço da burguesia nacional e estrangeira especulativa

O Plano Real passa a ser a versão melhor elaborada na teoria e na prática que procura atender tanto aos interesses do fluxo do comércio mundial quanto do mercado financeiro na globalização neoliberal, onde a periferia cumpre as suas funções de servir aos interesses do imperialismo transnacional.

Cabe relembrar que a explosão da dívida externa ocorreu praticamente na entrada em vigor do último presidente general do regime autoritário devido as estratégias de financiamento do próprio desenvolvimento atrasado das forças produtivas pela via de vultosos empréstimos internacionais obviamente em moeda estrangeira, no caso o dólar.

O resultado da dívida externa gerou um grande surto inflacionário na América Latina levando o México e o Brasil a moratórias e acordos econômicos com o Fundo Monetário Internacional bastante desvantajoso e subserviente aos ditames do mercado financeiro em âmbito geral. O legado dos 21 anos do regime autoritário conduziu o Brasil a patamares de pobreza e desigualdades sociais ainda mais severos quando comparados em termos absolutos e proporcionais em relação a períodos históricos anteriores ao endurecimento do regime político ainda na década de 1960.

O descontrole inflacionário atravessou a década de 1980 e adentrou nos governos Collor e Itamar Franco nos primeiros anos da década de 1990, assim como as demais mazelas socioeconômicas. Em 1986, 1987 e 1989 três planos econômicos se preocuparam em procurar resolver as discrepâncias inflacionárias como os Planos Cruzado, Bresser I e II respectivamente, ainda no governo de José Sarney primeiro presidente da redemocratização.

Essas tentativas foram fracassadas e o tema retornou com vigor durante o governo de Fernando Collor assim como a sua urgente necessidade de buscar soluções para a resolução da estabilização monetária e inflacionária. Os planos Collor I e II por razões distintas também fracassaram enquanto política de estabilização econômica e que somados a uma série de problemas e conflitos políticos aglutinaram-se na direção da derrubada do governo em meados do ano de 1992. Durante a sua curta passagem à presidência da República Collor e sua gestão econômica corroboraram a tese de que era necessário um plano de estabilização articulado com os pilares dos mecanismos financeiros internacionais de conjunto.

O capitalismo monopolista de Estado global impõe ações aos países periféricos dependentes como o Brasil; e para esse fim, costura politicamente práticas em conjunto; entre a burguesia nacional e internacional na organização das estruturas político-institucionais que conduzam a obtenção dos resultados do capitalismo. A década de 1990 marca esse período de expansão da financeirização internacional onde o Brasil assume papel crucial na interação geopolítica entre a periferia e o centro do capitalismo global.

Cabe considerar a esse respeito às considerações de Araújo (2005; p. 29): “Escrever sobre a crise no Brasil significa partir do princípio de que se trata de uma economia capitalista e, por isso, deve-se recorrer ao instrumental teórico capaz de dar conta do ciclo econômico capitalista. Mas, não é apenas isso. Trata-se também de uma economia capitalista dependente. Por isso, temos que incorporar aos elementos teóricos gerais aqueles que nos ajudem a compreender a dinâmica de uma economia dependente”.

Diante dessa consideração os objetos de investigação e abordagem teórica merecem esse enquadramento da dimensão macroestrutural do sistema capitalista como forma de relacionar as estruturas de dominação próprias de determinados campos econômicos e políticos, onde o capitalismo hegemônico e dependente atuam dialeticamente reproduzindo riqueza e proporcionalmente mais pobreza entre o centro e a periferia do grande capital. No campo financeiro no Brasil o Banco Central ocupa lugar estratégico nas instituições de dominação econômica e financeira e tem a finalidade de executar políticas econômicas como forma de organizar o processo de intermediação da acumulação e reprodução de capital onde a burguesia nacional e transnacional se posiciona estrategicamente e age em conluio no sentido de viabilizar seus rendimentos em grande escala.

Desta maneira, precisamos tecer algumas abordagens que buscam explicar como o Banco Central age no sentido de viabilizar o processo de financeirização do capital concentrando renda e riqueza para a classe dominante rentista nacional e estrangeira e ao mesmo tempo dilapidando o orçamento público que garante no mínimo a manutenção das políticas públicas de infraestrutura de cunho social. Cabe entrarmos especificamente nesse debate a partir de algumas considerações importantes no que diz respeito as características estruturais do plano Real.

De acordo com Marcolino e Carneiro (2010; p. 131):
O Plano Real marcou o início de importantes transformações no sistema bancário brasileiro, várias das quais tiveram continuidade ao longo do ciclo de crédito recente. Um conjunto de fatores condicionou essas transformações, quais sejam: (i) em âmbito macroeconômico, a estabilização dos preços (e a consequente redução da fonte de rentabilidade por excelência dos bancos no período precedente, as receitas de floating e inflacionárias) e a gestão das políticas monetária e cambial, com destaque para a manutenção da taxa de juros básica num patamar elevado, mesmo após a adoção do regime de câmbio flutuante, em janeiro de 1999; (ii) em âmbito estrutural, a ampliação da abertura financeira, o aumento da internacionalização do sistema bancário e a privatização dos bancos estaduais; (iii) em âmbito regulatório, a convergência da regulamentação prudencial interna aos padrões fixados pelo Bank of International Settlements (BIS), com a adoção das regras do acordo da Basiléia (Freitas, 2007 a; Cintra, 2006).

A política da globalização econômica e financeira iniciada com maior vigor na década de 1990 no mundo capitalista desenvolvido e periférico possui um receituário neoliberal que continha uma série de medidas exigidas pelo projeto de expansão dos Estados imperialistas no que tange a expansão do processo de acumulação e reprodução do capital em escala planetária.

No caso brasileiro algumas dessas políticas elencadas acima propiciaram uma enorme concentração de capital por parte dos monopólios financeiros e grandes conglomerados nacionais e estrangeiros. Ao mesmo tempo, a permanência da continuidade dos padrões de desigualdade econômica e social seguiu sua marcha durante e depois desse período de construção das bases de consolidação do Plano Real na sua primeira década de existência (1994-2004) com uma série de conflitos do próprio plano econômico e das disparidades que causou em termos sociais.

Os fracassos dos planos econômicos do capitalismo são ao mesmo tempo partes integrantes e inerentes a própria gênese do capitalismo, assim como a produção de severas desigualdades socioeconômicas no interior dos países e entre as nações durante o processo histórico da formação do capitalismo desde principalmente o mercantilismo expansionista ultramarino das conquistas.

Mas, no que concerne especificamente ao tratamento do objeto a ser precisado, no caso o Plano Real, a abordagem justifica devido a relevância que o plano ainda tem em termos de finalidade da condução das políticas econômicas e financeiras do capitalismo com suas conexões entre o centro e a periferia do capital.

Para que o Plano Real funcionasse a contento na condução desse processo de acumulação e reprodução do capital as instituições que levaram a cabo já haviam sido criadas desde a ditadura civil-militar-empresarial, apesar da sua grandeza ter atingido uma enorme força política e econômica na entrada da década de 1990 com o avanço do neoliberalismo.

O Banco Central em consonância com o Tesouro Nacional estabelece cada vez mais conexões e atribuições com o objetivo de propiciar que os recursos do orçamento estatal fossem drenados para a iniciativa privada, principalmente para o mercado financeiro através das operações com os títulos da dívida pública a partir dessas instituições de intermediação financeira. O Plano Real teve a capacidade não apenas tecnoburocrática, mas ideológica e política de ter construído a narrativa que balizasse as ações dessas instituições.

Essa comunicação de massa passa ser articulada a partir da ideologia neoliberal que conectava os interesses dos grupos transnacionais capitalistas nos monopólios da mídia, banqueiros, grande comércio global e das elites acadêmicas e tecnocráticas do mainstream. O convencimento da necessidade do controle inflacionário a qualquer custo nos círculos empresariais mais diversos e na sociedade ocorreu pela via da política econômica centralizada nas estratégias do Plano Real e realizada pelo Banco Central e seus economistas “célebres”.

Para efeito dessa discussão cabe ressaltar os aspectos que compreendem as relações existentes entre as ações do Banco Central em consonância com o Tesouro Nacional a partir dessa breve digressão sobre alguns dos aspectos que propiciaram o Plano Real a entrar em vigor e convencer a necessidade de manter as suas ações de transferir renda e riqueza através dos mecanismos de intermediação da financeirização aproveitando a retórica do controle inflacionário a qualquer custo e a estabilização monetária como o principal objetivo da política monetária aplicada pelo Banco Central.

Os três principais pilares da política econômica são a política monetária cambial e a fiscal e estão nas mãos dos atores diretamente responsáveis pela condução das políticas do Banco Central. Essa engrenagem funciona através da emissão de títulos da dívida pública como forma de enxugar liquidez da economia acreditando propositalmente que essa política trará a exigida estabilidade monetária e poder controlar a hiperinflação histórica; principalmente nesse período de aproximadamente quinze anos desde o último governo autoritário do presidente João Figueiredo até a transição entre o presidente que inaugura o Plano Real Itamar Franco e o então presidente eleito Fernando Henrique Cardoso (1979-1994).

Antes de continuarmos a explicar os mecanismos que conduzem a expropriação dos recursos orçamentários da união e dos entes federados e que pertencem a toda sociedade, principalmente aos mais necessitados e carentes das políticas públicas sociais. Nessa sociedade tão desigual cabe tecer algumas considerações importantes no que tange aos processos de convencimento da população como forma de balizar as ações do Estado capitalista dependente brasileiro.

A necessidade real do controle inflacionário que deteriora os salários reais, e, por conseguinte, o poder de compra e da manutenção da própria vida contribui para garantir a narrativa que justificava a implementação de medidas de estabilização monetária a qualquer custo, mesmo que em detrimento da geração de emprego e renda da população, além claro de todas as demais políticas públicas de desenvolvimento econômico e social com um mínimo projeto de soberania.

Outra abordagem bastante importante no que diz respeito à construção das narrativas passa pela garantia do cumprimento das obrigações do Banco Central em emitir títulos da dívida como estratégia de controle monetário necessário no combate a hiperinflação que “assolava” a sociedade há muito. Como a emissão contínua de títulos gera uma necessidade cada vez maior de remunerar o capital financeiro a uma taxa de juros exorbitante a dívida pública tende a ser explosiva em curtos espaços de tempo como aconteceu com a crise cambial de 1999 e a urgência de uma máxima desvalorização monetária seguida de uma conta negativa na balança comercial com impactos profundos na própria dívida interna e externa.

Ao mesmo tempo o discurso da necessidade de cumprimento com as obrigações financeiras com a dívida pública também pautou moralmente o discurso das narrativas midiáticas empresariais como instrumento ideológico de convencimento de grande parte da sociedade para que as medidas econômicas adotadas para bancar o Plano Real levadas a cabo pelo Banco Central fossem legitimadas com aval político e social da sociedade brasileira.

De acordo com Fatorelli (2018; p. 61):
O setor financeiro foi muito esperto ao escolher a “dívida pública” para ser o veículo do roubo de recursos públicos, pois o termo “dívida” está ligado a valores morais, como honra e responsabilidade.
Ao contrário de representar ingresso de recursos para investimentos de interesse da sociedade que irá pagar a conta, a dívida pública tem sido gerada por diversos mecanismos que aumentam o seu estoque, mas os recursos vazam para o setor financeiro nacional e internacional. A isso denominamos “sistema da Dívida”.

Todos os anos, o pagamento dos gastos com a chamada dívida pública consome cerca de metade do orçamento federal e sequer sabermos para quem estamos pagando, pois, a identificação dos credores é informação sigilosa!

Você paga essa conta de várias formas, pois os tributos arrecadados da população correspondem à principal fonte de alimentação do orçamento federal, que também recebe a receita das privatizações de patrimônio público, o qual pertencia inclusive a você. Outra fonte relevante de recursos orçamentários decorre da emissão de mais títulos da dívida pública, que também é você que terá que pagar!

Como ressaltado pela Fatorelli os custos da dívida pública em grande medida são decorrentes da política monetária praticada pelo Banco Central a partir da emissão de títulos da dívida pública como forma de garantir a estabilidade monetária de qualquer maneira como objetivo central e incondicional da política econômica centralizada no Banco Central.

Esse processo se intensifica ao longo dos mais de 25 anos desde o começo do Plano Real que se inicia a partir do seu presidente fundador Itamar Franco elegendo ainda no seu mandato o vencedor das eleições de 1994 Fernando Henrique Cardoso e ainda continuando sua gestão consecutiva da mesma política econômica por intermédio da instituição do estatuto “constitucional” da reeleição às vésperas das eleições de 1998.

A crise da sobrevalorização cambial não atinge apenas a balança comercial na deterioração das relações de troca entre as importações e as exportações, mas principalmente o lastro da produtividade em termos gerais. A queda da produtividade nacional, o aumento do processo de desindustrialização e da perda da soberania nacional são o resultado dos desdobramentos das políticas econômicas do capitalismo neoliberal imperialista.

O Plano Real serviu de alicerce as bases de expansão do processo de acumulação e reprodução de capital comandado pelo setor financeiro através dos mecanismos de política monetária praticados pelo Banco Central. Durante todo o governo de Fernando Henrique Cardoso uma gama enorme de legislações e programas foram criados para satisfazer as necessidades do processo de financeirização e da abertura comercial desenfreada. Essas leis e normatizações deram suporte às práticas das instituições financeiras quanto as realizações conjugadas no sentido de impulsionar o capitalismo neoliberal.

O resultado dessas políticas econômicas, principalmente as centradas nas ações do Banco Central produziram uma enorme concentração de rendas e riquezas em favor de vários setores da burguesia nacional e estrangeira, e por outro lado, gerou um enorme contingente de desempregados, empresas falidas, pobreza extrema e uma colossal desigualdade econômica e social.

A extrema fragilidade econômica brasileira refletiu no resultado nas urnas em 2002 permitindo que Luís Inácio Lula da Silva numa enorme coalizão burguesa momentânea acordada vencesse as eleições em 2002 e assumisse a condição de administrar o Plano Real sempre coagido pelo capitalismo financeiro e o imperialismo transnacional no seu conjunto.

De acordo com Souza (2008; p. 292):
Em clara contradição com a política externa independente e com essas mudanças na área econômica, prevaleceu na esfera interna, durante a administração Palocci na Fazenda, a manutenção de uma gestão financeira subordinada ao FMI, além de dar-se continuidade às “reformas microeconômicas” programadas no governo anterior.
O Ministério da Fazenda e o Banco Central mantiveram e renovaram por cerca de dois anos o acordo firmado anteriormente com o FMI, preservando, em consequência, a subordinação ao seu receituário econômico.

Nesse terreno, o governo, em lugar de romper com o que chamou de “herança maldita”, optou por subordinar-se a ela e, dentro dela, procurar fazer alguma coisa, como veremos, para amenizar seus efeitos econômicos e sociais – as chamadas “medidas compensatórias”.

Segundo o autor a raiz das políticas econômicas no sentido financeiro, em particular, permaneceu basicamente a mesma, a partir do seu pilar de sustentação basilar. Nesse sentido, cabe salientar a política monetária como aquela que conduz as práticas do Banco Central através das decisões do Comitê de Política Monetária (COPOM) nas suas consultas e atas definidoras da taxa referencial básica de juros (SELIC). A manutenção das elevadas taxas de juros em consonância com a política de sobrevalorização cambial foram as políticas econômicas centrais praticadas durante todas as duas gestões do presidente Lula entre 2003 e 2010, apesar dos patamares dos juros terem caído bastante se comparados ao auge dos juros praticados na gestão do governo FHC.

As similaridades entre os dois governos distintos politicamente chamam a atenção no que tange a política econômica, já que nesse aspecto o processo de financeirização perdura e perpassa governos mesmo após o golpe de Estado de 2016. Aliás, o golpe de Estado no Brasil reforça a política econômica e financeira do Imperialismo e ainda impulsiona de forma acelerada as políticas ultraliberais. Ao mesmo tempo, principalmente nos dois governos Lula as políticas compensatórias e outras de investimentos em infraestrutura e programas sociais reabilitaram setores econômicos importantes para a retomada do crescimento econômico e de uma melhora, mesmo que incipiente na renda dos trabalhadores.

Ainda de acordo com Souza (2008; p. 314):
O aquecimento do mercado interno se deveu, também, ao retorno do consumidor ao crediário. Para isso, contribuiu a ampliação significativa do crédito consignado em folha para aposentados, pensionistas e trabalhadores sindicalizados, que, em face da maior garantia de adimplência, cobram uma taxa de juros que corresponde a cerca da metade do crédito direto ao consumidor.

Um crescimento econômico puxado pelas exportações, no qual até a dinamização do mercado interno foi em parte movida pela massa salarial gerada no setor exportador, tem limites muito estreitos, além de deixar nossa economia vulnerável às evoluções da economia mundial.

Cabe ainda ressaltar que no segundo mandato do presidente Lula uma série de obras públicas a partir do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), investimentos vultosos na Petrobrás, programas de renda mínima e valorização do salário mínimo e outras tantas políticas de geração de emprego e renda permitiram que a despeito da recessão gerada pela crise financeira de 2008 de epicentro no setor financeiro nos EUA a economia continuasse a crescer até o final do seu mandato adentrando até o próximo governo Dilma Rousseff.

Toda essa série de abordagens e considerações são utilizadas no sentido de explicar contextualmente o cenário econômico e político geral sem evidentemente aprofundar os processos imbricados nas especificidades da luta de classes no âmbito interno e das coerções geopolíticas do imperialismo. O foco permanece na gênese do inabalável “Sistema da Dívida” denominado por Fatorelli que continua subtraindo trilhões de reais dos cofres públicos administrados pela Secretaria do Tesouro Nacional por intermédio do pagamento dos juros da dívida pública realizados pelo Banco Central do Brasil, mesmo em governos considerados mais populares como os administrados pelo Partido dos Trabalhadores (PT) sob supervisão e a anuência da coalizão de parte dos partidos burgueses a serviço dos interesses da classe dominante nacional e estrangeira do consórcio imperialista.

O capitalismo rentista articulado pelo consórcio imperialista das grandes nações e corporações transnacionais dominantes encontrou no Banco Central do Brasil seu apêndice mais bem sucedido em termos de instituição estatal legitimada na forma político-institucional do setor financeiro. As maiores taxas de juros do planeta praticadas na média desses quase trinta anos desde a gênese do Plano Real ainda na sua fase embrionária de antes mesmo da criação da Unidade Referencial de Valor (URV) que dava o suporte transitório de conversibilidade monetária permitiu ganhos rentistas espetaculares se comparados as taxas de juros praticados no mundo afora.

A política econômica em termos gerais no sentido de propiciar o crescimento econômico geral passa ao longo dessas décadas, mesmo em governos progressistas a uma condição secundária perante as exigências da política monetária contracionista e de sobrevalorização cambial intensa. Mas como no capitalismo as prioridades não são as do desenvolvimento econômico e social e da distribuição da renda de forma equânime, a não ser que interesse ao processo de acumulação e reprodução do capital as desigualdades se acentuam tanto em países periféricos quanto no interior dos próprios países centrais.

No caso brasileiro ocorre uma intensa mobilidade de capital na direção do mercado financeiro permitindo uma forte concentração de poder econômico em poder dos banqueiros e rentistas de grande porte nacionais e estrangeiros. O chamado custo de oportunidade favorável a essas decisões de investimento de capital na aplicação dos títulos da dívida pública combina três fatores preponderantes no que tange a permanência e a reprodução dessas práticas por parte dos detentores do capital. Com baixos riscos e custos nessa opção na aquisição dos títulos públicos federais e ao mesmo tempo altas remunerações pagas pelos juros do Banco Central. A partir disso o setor financeiro atingiu um nível de poder econômico e político bastante elevado e jamais antes visto no Brasil.

A abordagem moral no capitalismo apenas serve como retórica ideológica da farsa para manipular e ludibriar a sociedade com intuito de favorecer a burguesia de conjunto, mas sem, evidentemente assumir compromisso real e efetivo com a grande maioria da população; mas ao contrário; as políticas econômicas servem em grande medida aos interesses dos capitalistas e do próprio sistema estrutural de dominação social, econômico e político. Os donos da dívida pública brasileira são ao mesmo tempo os construtores e reprodutores desse sistema perverso de concentração econômica, onde a insuficiência e a ausência das políticas públicas são em grande medida geradas pelas políticas econômicas centralizadas nas decisões e ações do Banco Central a serviço do capital financeiro no imperialismo.

Nesse sentido cabe a consideração de Lima a esse respeito (2002; p. 59):
Além disso, a política monetária de criar dinheiro sob o argumento de que é preciso pagar juros causa uma tal concentração de poder financeiro que há um volume expressivo de recursos para serem usados no financiamento de campanhas eleitorais daqueles que estejam dispostos a trabalhar para manter essa situação. Aliás, qualquer forma de concentração de riqueza concede a algumas famílias um certo poder de influenciar as decisões do governo em seu favor. Melhor seria, entretanto, se não fosse necessário provocar a miséria do povo e do país para viabilizar este poder de influência.

A partir das considerações de Lima encontramos elementos que conectam alguns aspectos importantes para considerar o poder do rentismo no processo de concentração de capitais não apenas no sentido econômico, como também social e principalmente político. Os poderes econômicos nas mãos das famílias históricas da classe dominante no Brasil se mesclam com outras famílias mais recentes pertencentes às frações de classe burguesa da imigração e do tecnocratismo estatal principalmente após a revolução burguesa de 1930.

Mas essa simbiose ocorre também entre a burguesia tradicional e a mais recente com a classe dominante internacional em diversos segmentos econômicos e políticos dentro e fora dos aparelhos estatais historicamente no Brasil. Os interesses em manter e reproduzir a política econômica atual nasce da percepção de que o capital financeiro tornou-se o veículo de acumulação e reprodução do capital por parte dos grandes monopólios bancários e demais conglomerados transnacionais do poder econômico em nível mundial onde o Estado nessa fase do imperialismo está organizado em torno dos interesses desse processo onde a classe dominante através das famílias poderosas detém o poder em instâncias múltiplas e diversificadas dos vários governos.

As políticas monetárias praticadas pelo Banco Central do Brasil – hoje a mais importante instituição estratégica estatal no capitalismo brasileiro – conduziram a captura de grande parte do orçamento público federal administrado pelo Tesouro Nacional. A definição do orçamento de cada ano do governo federal depende do nível de endividamento público do Estado brasileiro e este permanece a décadas refém das políticas econômicas decididas e praticadas pelo Banco Central desde o início do Plano Real com maior vigor.

As políticas de emissão de títulos da dívida pública com remunerações elevadas pela via dos juros recordes conduziram o país a absorver uma dívida explosiva crescente ao longo da história recente. Com uma dívida explosiva que provoca uma série de crises sucessivas, e, portanto, exigências de ajustes dentro da ordem capitalista ainda mais severos, a política torna-se decisiva em quaisquer polos de tensão. Um rearranjo dentro da ordem estrutural do capitalismo econômico e financeiro conduz a um novo e subserviente ajuste fiscal para forjar um superávit primário em favor do capital financeiro.

Desta forma, um ajuste fiscal mais severo permite aumentar o superávit primário necessário a remuneração do capital financeiro e assim cumprir as exigências do setor financeiro. Os detentores da dívida pública que são na sua maioria os grandes bancos e corporações nacionais e transnacionais recebem bilhões de reais todos os anos na forma de juros pagos pelos títulos públicos adquiridos e negociados ao longo do tempo.

Ao remunerar o capital rentista o Estado brasileiro transfere os recursos do orçamento público para os potentados detentores do capital de diversos setores da economia em vários níveis. Para continuar remunerando o capital financeiro especulativo o ajuste fiscal se traduz no corte de gastos e aumento de impostos ou a criação de novas contribuições, assim como também um grande projeto de desmanche dos serviços públicos a partir de uma gama enorme de terceirizações e venda de ativos e empresas estatais ao setor privado, ou também conhecido em alguns casos através de vastos programas de desestatização com entrega do patrimônio público e dos recursos naturais.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) de 2000 e a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos do final de 2016 são a expressão mais bem clara e definida do ajuste fiscal em favor do capital financeiro e que ainda reproduz a permanência e o aumento da concentração de renda em grande escala.

A desvinculação das receitas da união (DRU) também faz parte das medidas severas de ajuste fiscal necessárias para a política de transferência dos recursos públicos para a remuneração dos títulos públicos federais que conduzem a dívida pública a sucessivos aumentos. A DRU que entra em vigor ainda no governo FHC subtrai 10% das receitas de parte do aparato estatal e sobe para 20% durante as gestões governamentais petistas chegando aos atuais 30% a partir do governo Temer. As criações de novas leis, emendas constitucionais, desvinculações múltiplas durante governos de inclinações distintas corrobora com a tese de que a financeirização no Brasil perpassa posições políticas partidárias e institucionais que assumiram os governos em períodos distintos.

A chave do cofre das políticas públicas em investimentos na infraestrutura e no desenvolvimento tecnológico estão nas mãos dos presidentes do Banco Central e dos seus parceiros do setor privado ao longo do tempo que atuam em conluio para manter os interesses do rentismo em grande escala. As vinculações institucionais estreitas entre o Tesouro Nacional e o Banco Central no processo de intermediação do capital financeiro com o orçamento público permitiram a transferência de recursos do erário para o setor privado.

As políticas públicas essenciais e os programas sociais mais diversos também estão reféns das decisões da política econômica adotada pelo Banco Central em conluio com os organismos financeiros internacionais e o setor privado nacional, em especial o capital financeiro. Cabe considerar que essa política neoliberal global capitaneada pelo sistema financeiro internacional avança cada vez mais sobre as fatias dos recursos destinados a sociedade mesmo em países desenvolvidos de longa tradição de Estados de Bem Estar Social (Wellfare Estate). No caso brasileiro essa situação ainda é mais grave devido a forma como se organizou ao longo do tempo.

Toda a engenharia estratégica de dominação do capital financeiro passou pelas conformidades político-institucionais criadas na ditadura militar pela pressão e com o suporte do imperialismo. Esse processo de longa duração se aperfeiçoou no bojo das especificidades dos arranjos políticos e econômicos brasileiros com suas dinâmicas acopladas a acumulação de capita em nível global. Atualmente o Plano Haddad segue a mesma linha de transferência de renda e riqueza do povo brasileiro para os já muito ricos de dentro e fora do país. A dança dos vampiros ultraliberais continua em 2025.

Bibliografia:
CHESNAY, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.
CORAZZA, Gentil. Os bancos centrais e sua ambivalência público-privada. Belo Horizonte: Nova Economia, v. 11, n. 1, julho de 2001.
COSTA, Edmilson. A globalização e o capitalismo contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses: Estado e industrialização no Brasil 1930-1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
DOWBOR, Ladislau. A formação do capitalismo dependente no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982.
FATORELLI, Maria Lúcia. Auditoria cidadã da dívida pública: experiências e métodos. Brasília: Inove, 2013.
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HARVEY, David. O enigma do capital. Rio de Janeiro: Boitempo, 2009.
HEIBRONER, Robert L. A construção da sociedade econômica. Porto Alegre: 12 ed, Bookman, 2008.
LEISTER, Maurício Dias. O Banco central deveria emitir títulos públicos. Brasília: Cadernos do Banco Central, n. 26, 2016.
LIMA, Gerson Pereira. Povo rico país rico. Curitiba: Netpar, 2002.
MARCOLINO, Luiz Cláudio; CARNEIRO, Ricardo. Sistema financeiro e desenvolvimento no Brasil: do Plano Real à crise financeira. São Paulo: Publischer Brasil e Editora Gráfica Atitude, 2010.
ROUBINI, Nouriel. A economia das crises. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.
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SOUZA, Nilson Araújo. Economia brasileira contemporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Atlas, 2008.
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