No quinto artigo da série Kamala Harris e a esquerda, apresentamos a “bússola de Bluecher”, um conceito elaborado pelo revolucionário alemão Wilhelm Liebknecht para esclarecer que política deve ter a classe operária em sua luta contra seus inimigos. A explicação está contida na obra Nenhum compromisso, nenhum acordo eleitoral.
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Liebknecht inicia sua explicação afirmando, de maneira categórica, que o proletariado está em oposição política e social ao Estado capitalista e que, portanto, “deve combatê-lo em todas as áreas e questões”. Essa sempre foi a consideração dos marxistas, que, ao longo de sua luta pela organização do movimento operário, se debruçaram sobre os mais variados temas, que vão desde a economia e a geografia até a religião, a cultura e o costumes.
Vê-se hoje, com frequência, o desprezo que setores da esquerda apresentam em relação a temas como o futebol e mesmo o carnaval. Abrem mão de travar a luta de classes em questões que movem dezenas de milhões de pessoas. Ao mesmo tempo, fazem crer que os laboratórios onde se produz ciência são isolados de qualquer interferência política. Ao fazê-lo, deixam o caminho livre para que os inimigos de classe confundam os trabalhadores naquilo que é fundamental: a luta de classes.
“Claro que nem sempre é fácil acertar”, afirma o revolucionário alemão. “Onde os interesses não são visíveis, os sentimentos podem facilmente enganar”. Quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) falou, em discurso, que iria “metralhar a petralhada”, não havia margem para dúvidas. Era uma declaração de guerra à esquerda, ao movimento operário. Era uma ameaça de perseguição contra todos os que fossem identificados como inimigos do governo. Mas e quando a Rede Globo falava, em 2014, que era preciso acabar com a corrupção no Brasil? Não seriam os trabalhadores afetados pela corrupção? Os mesmos militares nacionalistas que depuseram o presidente Mohamed Bazoum, no Níger, não o acusaram de corrupção? Como, então, estabelecer a política correta, mesmo quando os interesses dos capitalistas não aparecem de maneira tão clara?
Liebknecht afirmava ter encontrado “uma bússola infalível” para orientar a classe operária frente a seus inimigos. Trata-se da “regra de Bluecher”: “siga sempre o som dos canhões e se lance ao ataque contra o inimigo”. O marechal-de-campo prussiano Gebhard Leberecht von Bluecher, homenageado por Liebknecht ao formular a sua “bússola infalível”, foi um dos mais importantes militares europeus durante a era napoleônica. Nascido em 1742, teve um importante papel na Batalha de Waterloo.
A “regra de Bluecher” estabelece um critério muito claro. Não importa aquilo que você veja: basta ouvir o som dos canhões inimigos, que você saberá para onde deve mirar o seu arsenal. Da mesma forma, Liebknecht explica que, “embora existam questões em que podemos concordar temporariamente com eles, é impensável que algo que nossos inimigos considerem importante ou vital possa ser uma causa do proletariado”. E assim, conclui: “nunca erraremos se fizermos o que é contrário aos interesses de nossos inimigos e, por outro lado, quase nunca acertaremos se fizermos o que agrada os nossos inimigos”.
A “bússola infalível”, assim, ajuda a esclarecer absolutamente todos os aspectos nos quais a luta de classes está envolvida. Que posição a esquerda deveria tomar diante das eleições norte-americanas, aliar-se ou declarar guerra à candidatura apoiada pela indústria armamentista, pela grande imprensa imperialista e pelas petroleiras? Que posição a esquerda deveria tomar diante da Venezuela, aliar-se ou declarar guerra à tentativa de golpe orquestrada pelos mesmos setores? Que posição tomar diante do futebol brasileiro, aliar-se ou declarar guerra à campanha contra o futebol nacional, encomendada pelos banqueiros que controlam os grandes monopólios do esporte?
Não há que se ter dúvida. A política correta é se lançar ao ataque, com todas as forças, contra a política do inimigo.