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Carla Dórea Bartz

Jornalista, com 30 anos de experiência (boa parte deles em comunicação corporativa). Graduada em Letras e doutora pela USP. Filiou-se ao PCO em 2022.

Coluna

Noite sobre o Chile, de Sebastián Alarcón e Aleksandr Kosarev

O povo refém de seu exército: triste sina latino-americana

Noite sobre o Chile (Noch nad Chili, 1977) é um filme de produção russa do estúdio Mosfilm, dirigido por Sebastián Alarcón (chileno) e Aleksandr Kosarev (russo) no auge dos acontecimentos da ditadura nesse país.

É um filme excepcional e tão atual hoje como no período de sua realização. Notável saber que a Mosfilm produziu filmes sobre a situação latino-americana para a audiência soviética no momento dos acontecimentos, como o também excelente Sou Cuba (Soy Cuba, Mikhail Kalatozov, 1964), uma visão sobre a revolução, que cheguei a comentar nesse link.

Noite sobre o Chile foca no golpe de estado de Pinochet. A história é contada do ponto de vista do personagem principal, Manuel Valdivia (o ótimo Grigori Grigoriu), um arquiteto que vive em Santiago. 

Ele tem uma vida de classe média e, politicamente, é alinhado com a esquerda. Na verdade, representa o pequeno-burguês esquerdista que conhecemos aos montes. Ele não faz parte de partido político e nunca foi militante, mas é simpatizante. Podemos dizer que até votou em Allende.

O filme começa com o golpe. Valdivia é acordado por amigos: “acorde, está acontecendo um golpe”. É um despertar metafórico também. Na sequência, ele é preso com outras pessoas, acusado, claro, de ser comunista. Nesse momento, começa sua saga até a soltura.

O objetivo dos cineastas é usar a figura de Valdivia para denunciar o golpe e mostrar a gravidade da situação. O personagem ocupa o lugar da audiência, que está distante dos acontecimentos, seja por alienação política, seja pela distância geográfica e pouco conhecimento sobre a América Latina.

Eles sabem que essa audiência é parecida com o personagem: classe média universitária, com bom emprego e que até tem um pôster de Che Guevara na parede, como parte da decoração. Hoje, forma os círculos pseudo-intelectuais dos identitários.

Os diretores querem que essas pessoas se identifiquem com a trajetória de Valdivia e façam com ele a jornada ao inferno no campo de concentração que se tornou o Estádio Nacional do Chile, onde mais de 40 mil pessoas foram presas e torturadas entre 12 de setembro e 9 de novembro de 1973, período que o filme cobre. Estima-se que mais de 400 pessoas foram assassinadas ali.

Um dos mortos foi o americano Charles Horman que inspirou um ótimo filme chamado Missing, o desparecido (Missing, Costa Gravas, 1982), que foca especialmente na participação da CIA e do imperialismo no golpe.

Mais do que um agente, Valdivia é testemunha dos horrores e das arbitrariedades. Ele vê. Uma das cenas mais contundentes é a de um camponês analfabeto, também prisioneiro, que pede a ele que escreva seu nome em uma tabuleta de metal. 

Tudo é mostrado: as torturas, as arbitrariedades do exército, os líderes políticos de esquerda, as dificuldades da resistência desarmada, os desaparecimentos e as mortes.

É um filme que merece ser visto como uma ótima reflexão sobre o período e sobre os golpes que aconteceram e ainda acontecem na América Latina.

Em 2007, a ensaísta canadense Naomi Klein se debruçou sobre a ditadura chilena para lançar o livro A Doutrina do Choque, que mostra como o país serviu de laboratório para a ascensão da forma neoliberal do capitalismo e a consolidação da cultura relativista pós-moderna. Escrevi, há algum tempo, um texto sobre o documentário baseado nesse livro, que pode ser assistido gratuitamente no youtube.

Os tempos sombrios que vivemos são resultado daqueles anos. Mais do que isso, nos fazem pensar sobre a fragilidade das nossas sociedades eternamente ameaçadas por exércitos e forças armadas que ainda jogam na mesma cartilha fascista. São milhares de homens e mulheres que existem com o único propósito de manter uma arma permanentemente apontada para a cabeça de seus concidadãos civis desarmados e pobres em nome de interesses estrangeiros.

É um sentimento profundo de frustração e de desolação. Afinal, depois de matar e torturar seus compatriotas, de elevar o fascismo às últimas consequências e de entregar as riquezas do Chile aos piores parasitas do planeta, o que restou de Augusto Pinochet? Ser lembrado, eternamente, como a cadelinha de Margareth Thatcher.

(Em 2018, o cineasta italiano Nanni Moretti confrontou alguns militares chilenos no ótimo documentário Santiago, Itália).

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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