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Coluna

Os indicadores econômicos do Brasil requerem muita atenção

As dificuldades econômicas do Brasil, para serem compreendidas plenamente, devem ser analisadas no contexto mais geral da conjuntura internacional

Ao contrário do que algumas interpretações nos dão a entender, a situação conjuntural atual é muito precária, o governo Lula conseguiu poucos avanços em termos de política econômica. O que ainda torna a situação, por enquanto, relativamente tranquila, é que a inflação está sob controle, e a economia obteve um certo crescimento do PIB no ano passado (estimado em torno de 3%). O crescimento, modesto para as necessidades do Brasil, possibilitou uma certa redução da taxa de desocupação, que, no entanto, ainda permanece alta. Ademais o câmbio se manteve estável e o Brasil terminou o ano com o maior superávit comercial das últimas décadas, o que foi fundamental para o equilíbrio no balanço de pagamentos (ainda que a indústria de transformação tenha apresentado déficit de US$ 41 bi no ano passado).
As ações econômicas que o governo conseguiu desenvolver, com destaque para o estabelecimento do Novo Marco Fiscal, interessa também à burguesia, ou seja, o governo Lula não entrou em choque com os setores principais da classe dominantes. Isso revela, por um lado, a própria natureza da coalização ampla, mas também um governo que está extremamente pressionado, que não conseguiu encaminhar medidas que realmente fariam a diferença para a maioria da população. Por exemplo, não foram desenvolvidas ações para reestatização da Eletrobrás, fundamentais do ponto de vista dos interesses dos brasileiros: oferta de energia a preços compatíveis, reindustrialização do país etc.

Outra questão crucial que o governo não consegue enfrentar adequadamente é a dos gastos com juros da dívida pública, que representa um verdadeiro “saco sem fundos” de gastos públicos. No acumulado de doze meses, os juros nominais alcançaram R$720,1 bilhões, uma verdadeira fortuna, que come o equivalente a 6,80% do PIB, destinados a um punhado de especuladores. Como consequência destes gastos, o resultado nominal do setor público consolidado, que inclui o resultado primário e os juros nominais pagos, foi deficitário em R$834,3 bilhões, no acumulado em doze meses, até outubro de 2023. Esse acumulado corresponde a 7,88% do PIB.

Apesar dos pagamentos destes valores estratosféricos, o estoque da dívida vem aumentando: a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) – que inclui Governo Federal, INSS e governos estaduais e municipais – atingiu 74,7% do PIB (R$7,9 trilhões). Os gastos com juros até outubro (R$ 720,1 bilhões), correspondem a 4,11 vezes os gastos com o Programa Bolsa Família no ano passado. A diferença, é que os gastos com o Bolsa Família, que representam 24% do que se gasta com os banqueiros, tiram 55 milhões de brasileiros da fome.

Conforme a Lei Orçamentária Anual da União para 2024, das despesas totais previstas de R$ 5,4 trilhões para 2024, R$ 2,7 trilhões são gastos financeiros, incluindo os pagamentos de juros e o refinanciamento da dívida pública vincenda. É que uma parte dos títulos, aos invés de serem liquidados, são “rolados”, ou seja, são substituídos com novos prazos, ação de exige que a operação seja “atrativa” para os credores, ou seja, dependem de taxas de juros elevadas. Dos R$ 2,7 trilhões restantes no orçamento, as despesas de Assistência, Trabalho e Previdência Social e os precatórios somam R$ 1,45 trilhão. Os orçamentos da Saúde e da Educação chegam a R$ 370 bilhões, e Defesa Nacional, Relações Exteriores e Segurança Pública somam cerca de R$ 100 bilhões. As transferências para Estados e municípios e os recursos aportados pela União no Fundeb, além de outros encargos especiais, estão previstos para algo em torno de R$ 600 bilhões. As funções das atividade legislativa e judiciária totalizam algo como R$ 65 bilhões. Para a Agricultura, Gestão Ambiental, Ciência e Tecnologia e Transportes. estão previstos R$ 70 bilhões. Para a Cultura, Urbanismo, Habitação, Saneamento, Energia e Esportes, estão previstos R$ 85 bilhões no orçamento federal deste ano.

Conforme os números mostram, os gastos do governo federal estão concentrados em custos com a dívida pública, despesas com a previdência social, programas socias e transferência para os entes subnacionais. As despesas com folha de pagamentos, que estão previstas em cerca de R$ 400 bilhões para este ano, fundamentais para o funcionamento da máquina pública, equivalem a 14,8% dos gastos previstos com juros e rolamento da dívida pública.

As dificuldades econômicas do Brasil, para serem compreendidas plenamente, devem ser analisadas no contexto mais geral da conjuntura internacional. A previsão de crescimento para a América Latina, segundo a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), é de apenas 1,9% para 2024, um crescimento inferior ao de 2023, que foi de 2,4% (estimados). Para a América do Sul, segundo a Cepal, o crescimento será ainda mais baixo que a média da Região: 1,4%. América Central e México devem crescer 2,7% (contra 3,5% em 2023) e Caribe (sem Guiana), 2,6% (contra 3,4% em 2023).

O problema do Brasil e da América Latina em geral não é meramente técnico, que possa não estar relacionado à economia política de uma forma geral. Nos países subdesenvolvidos o próprio desafio do desenvolvimento, pressuposto fundamental para garantir qualidade de vida para suas populações, depende de decisões políticas cruciais e de correlação de forças política. O problema atual do Brasil, assim como dos países atrasados em geral, não é um mero problema no ciclo de crescimento, de baixa na atividade econômica. Na realidade, esses países enfrentam uma verdadeira guerra econômica, extremamente feroz, com origem nos países imperialistas.

É uma guerra econômica, uma política deliberada de liquidação da economia de alguns países, visando inclusive, reduzir parte das forças produtivas e o “excesso” de mercadorias ao nível internacional. Excesso, bem entendido, em relação àquilo que as pessoas podem comprar, que é o que interessa ao funcionamento da engrenagem capitalista. É o conhecido problema de sobre produção de mercadorias. Estamos nos referindo aqui a uma sobre produção relativa, decorrente do fato de que uma parte da produção não é absorvida, porque a população não consegue comprar, seja por renda insuficiente, seja por falta de renda, mesmo.

O Brasil tem uma população muito pobre, com quase 10 milhões de desempregados, e quase 4 milhões de desalentados, que nem mesmo entram nas estatísticas de desemprego, porque desistiram de procurar emprego. Esses brasileiros conseguem consumir apenas o mínimo para sobreviver, gerando o gargalo do subconsumo na sociedade. Como esse problema é antigo, as empresas adotam algumas técnicas de compensação, como a produção just in time e outras, evitando estoques de mercadorias. Mas tais medidas apenas aliviam o problema, sem resolvê-lo em definitivo.

Como o Brasil, entre os países atrasados, é um dos mais industrializados ainda, apesar de todo o processo de recuo da indústria nos últimos anos, ele é atacado com muita ferocidade. Esse processo de desmonte da economia brasileira vem de longe. Por exemplo, o sonho dos grupos que promoveram as privatizações na década de 1990 no Brasil foi, basicamente, o mesmo dos existentes hoje: transformar o país em definitivo em um exportador de matérias primas e em um local onde as companhias estrangeiras possam explorar seus negócios, aproveitando a abundância de recursos naturais, como petróleo e água, e uma população super explorada, acostumada a baixos salários, na qual uma parcela significativa depende de auxílio público para poder se alimentar.

A estimada redução do crescimento na América Latina, conforme demonstram os dados da Cepal, vem no interior de um quadro de crise mundial, bastante acentuado. A crise do centro imperialista explica, inclusive, a política colocada em marcha na Argentina, país que está sendo literalmente “depenado” por políticas que nunca deram certo em canto nenhum do mundo. Seria muita ingenuidade supor que política semelhante não possa ser tentada no Brasil, assim que a oportunidade se apresentar.

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