No artigo “Referendo sobre Essequibo foi erro diplomático e Guiana não é vilã”, o sociólogo Marcelo Zero se coloca contra o referendo consultivo do presidente venezuelano Nicolás Maduro sobre a questão de Essequibo. O referendo teve cinco perguntas, que foram todas respondidas de acordo com os interesses do mandatário e apontam no sentido da anexação do que hoje é formalmente considerado como mais de 70% território da Guiana.
Marcelo apresenta dois argumentos em sua defesa. O primeiro é de que a premissa dos venezuelanos para defender que Essequibo lhes pertence vem de demarcações do “colonialismo espanhol”, que seria “igualmente opressivo” ao “colonialismo inglês ou ao colonialismo holandês”. Portanto, a tese de que defender Essequibo como parte da Venezuela seria uma luta contra o colonialismo não se sustentaria.
Acontece, no entanto, que, em primeiro lugar, o território espanhol na América do Sul foi parte de uma conquista de fato do território. Os espanhóis vieram ao subcontinente quando nenhum país havia ainda se estabelecido. Quando a Capitania Geral da Venezuela, em 1777, os espanhóis já atuavam havia muito tempo na região. O colonialismo inglês na América do Sul, por sua vez, foi uma operação de roubo flagrante de território. Os ingleses chegaram à região da Guiana somente em 1814, como resultado da decadência do colonialismo neerlandês.
O colonialismo britânico, assim, já atuava no sentido de entrar em conflito não com um povo bárbaro, sem Estado, mas sim contra um país que estava se desenvolvendo. Tanto é assim que o ano da independência da Venezuela é 1811, três anos antes da investida britânica.
Por fim, o que outrora era o “colonialismo britânico” agora é a fase reacionária do capitalismo, o imperialismo. A Venezuela é confrontada não mais com uma política de desenvolvimento capitalista, mas de ditaduras reacionárias em toda linha dos grandes monopólios internacionais.
Isso, então, nos leva ao segundo argumento de Marcelo Zero. Segundo ele:
“Com efeito, há aqueles que identificam os legítimos interesses da Guiana como se fossem meramente os interesses da ExxonMobil e do ‘imperialismo’. Como se a população da Guiana, que, como a população venezuelana, considera que Essequibo lhe pertence, não merecesse nenhuma consideração. Sequer existisse”.
O sociólogo ainda apresenta a Guiana como um país com “uma bela história anticolonialista e de governos progressistas”, citando até as boas relações do país sul-americano com Cuba.
O problema, no entanto, não pode ser considerado desse ponto de vista. A Ucrânia, por exemplo, também foi sede de importantíssimos acontecimentos para o Império Russo e para a União Soviética – isso, no entanto, não impediu de seu povo hoje estar servindo de bucha de canhão para uma guerra contra os russos. Assim é a situação do povo guianês.
A Guiana é um país fraco, com uma população rala, situado na Região Amazônica. Independentemente do que pensa o seu povo, o fato é que um país nessas condições facilmente se torna presa do imperialismo, como é o caso de praticamente todos os países da América Central e do Caribe. E a prova de que o país não é capaz de reagir às investidas do imperialismo é que o seu petróleo, que permitiria que o país se desenvolvesse profundamente, está sendo explorado por uma petroleira norte-americana, a ExxonMobil. E no seu próprio território, os Estados Unidos, assim como a OTAN quis fazer na Ucrânia, está instalando bases militares, que, tenhamos claro, serve não apenas para um enfrentamento futuro com a Venezuela, mas para aumentar a espionagem sobre a região amazônica brasileira.
Os interesses do povo guianês não são o elemento fundamental, neste momento, da defesa de Essequibo como território da Guiana. Essa defesa é a defesa do Estado guianês, que, por sua vez, se encontra sob total controle dos norte-americanos. O próprio Nicolás Maduro já afirmou ter interesse em discutir a questão de Essequibo com os guianeses, mas tem sido mal recebido pelo presidente do país. É a ExxonMobil quem está empurrando a Venezuela e a Guiana para o conflito.