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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Em um país de doutores...

O que é ser doutor no Brasil? 

O hábito faz o monge - quanto mais hábito, menos monge

Vez ou outra, lendo as polêmicas do PCO nas redes sociais, encontro contestações assim aos nossos companheiros: “sou doutor, nem todos podem discutir comigo… você é doutor? … pois eu sou”. Ora, isso não é argumento; da própria competência não se fala, gabando-se infantilmente; quem é competente numa discussão não precisa enumerar seus títulos, mas deve, isso sim, argumentar. Em suas posições, o debatedor se faz entender, mas também deixa entender muita coisa, pois ele se expõe; quem se coloca afirmando “sou doutor” deixa entender, antes de tudo, sua vã filosofia. Mas afinal, o que é ser doutor no Brasil?

De modo geral, doutor é um pronome de tratamento, semelhantemente a senhor, vossa excelência, sua santidade etc. Em linhas gerais, doutor refere-se a qualquer pessoa com conhecimentos específicos de alguma coisa; quem leu as obras completas de Marx, Engels, Lenin e Trotsky, mesmo sem haver defendido teses, pode muito bem ser chamado doutor. Dessa feita, doutor não é apenas o médico, o advogado, o professor; há, inclusive, o costume de se chamar doutor aos delegados e demais funcionários públicos em posições de comando.

Já na universidade, quem opta por fazer carreira acadêmica depara-se com a progressão vertical, escalonada em títulos acadêmicos, parecidos com as patentes militares ou hierarquias eclesiásticas. Assim, se na igreja há diáconos, bispos, cardeais e o papa, e no exército há cabos, sargentos, capitães, tenentes, coronéis e generais, na academia há bacharéis, mestres e doutores. Na academia, quem faz a graduação é bacharel; quem decide aprofundar seus estudos, pode iniciar-se na pós-graduação fazendo a dissertação de mestrado e, caso queira prosseguir, fazer a tese de doutorado. O bacharel conhece uma área específica; o mestre estudou um determinado tema e, sob a orientação de um doutor, escreveu dissertação sobre tais conhecimentos sem, no entanto, gerar conhecimentos novos; o doutorando, também sob orientação de um doutor, aprofundando-se ainda mais em seus estudos, propõe novos saberes, escrevendo, assim, sua tese. Ao que tudo indica, um doutor sabe bastante sobre pouca coisa; na área de Letras, por exemplo, um doutor especialista em Gregório de Matos, embora conheça literatura de modo geral, pode saber quase nada sobre Carlos Drummond de Andrade.

Dito isso, se um senhor qualquer, para ganhar vantagens em suas polêmicas e debates, exclama “sou doutor” para quaisquer temas, ele parece não saber muito bem o que é ser doutor; isso sequer chega a ser uma tradicional “carteirada”, já que no diploma de doutor, sua “carteirinha”, vem discriminada a especialidade, evitando, assim, os costumeiros “doutores em tudo”. Além do mais, gabar-se de ser doutor revela presunção com e superestimação da carreira acadêmica, uma vez que tal carreira começa no grau de doutor. O doutor não é o final da carreira, como se poderia erroneamente supor; depois do grau de doutor há, em algumas universidades, a livre-docência, e, por fim, o grau de titular. Fazendo novamente aproximações com a carreira militar, o doutor seria como um sargento, a ele é permitido por lei orientar mestrandos e doutorandos, mas para se firmar na carreira, ele deve fazer uma tese sem orientador, quer dizer, ser livre-docente, ou seja, orientador de si mesmo. Por fim, ele se faz titular mediante concurso, em que se apresenta o memorial de sua vida acadêmica. Diante disso tudo, gabar-se de ser doutor é ser, no mínimo, pueril; valer-se do título de doutor para se firmar em quaisquer discussões só mostra o quanto o debatedor é menos doutor do que se julga pensar.

*A opinião dos colunistas não representam, necessariamente, a posição deste Diário

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