Hélio Rocha

Possui graduação em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2013). Atualmente é repórter de meio ambiente e direitos sociais em Plurale em Revista e correspondente em Pequim.

Coluna

Barbie, Ken e o tiro que sai pela culatra

“‘Todas e todos’ é uma ótima forma de concluir, um dos jargões do feminismo contemporâneo’

Um bom filme, como entretenimento. Um tiro pela culatra, quando se trata de mensagem. Assim se pode definir Barbie (2023), dirigido por Greta Gerdwig, de “Lady Bird” (2017), “Adoráveis mulheres” (2019) e do famigerado “Branca de Neve” (2025), e estrelado por Margot Robbie e Ryan Gosling. Apesar de operar no mesmo discurso de “Branca de Neve”, Barbie jamais foi um mau filme, problemático na sua origem e arrastado para as telas do cinema por razões comerciais e ideológicas da Disney. Entretanto, causou dissonância no próprio debate que propôs e, no longo prazo, deixou legado no sentido oposto ao desejado.

Ken e a Barbilândia (sem spoilers)

Logo no início, percebe-se que o ponto focal da história, e aí já reside um problema, será o Ken, muito mais que a Barbie. Isso porque o roteiro tenta construir no boneco criado para namorado da Barbie, interpretado por Ryan Gosling, o lugar que a sociedade dita “patriarcal” projeta na mulher. Ken vive à mercê das escolhas da boneca rosa, ou melhor, os garotões vivem conforme o desejo das muitas Barbies politicamente corretas e plurais, tais como eles próprios. Emulando as brincadeiras das meninas, não dormem na casa, só entram na história quando as mulheres desejam, e como apêndices delas, quase como se fossem biblicamente nascidos da costela de Eva.

Um belo dia, a “Barbie estereotipada”, isto é, a de verdade, que não é produto das políticas de inclusão da Mattel, empresa que produz a boneca, resolve partir da Barbilândia para conhecer o mundo dos humanos. Interpretada por Margot Robbie, ela leva consigo seu Ken, Gosling, e encontra aqui o mundo “patriarcal”, em que recebe os olhares e cantadas dos homens.

Basicamente, também, é o que o filme consegue retratar, porque não há tempo nem profundidade para discutir políticas públicas, diferenças salariais, lares monoparentais, ausência de creches para mulheres pobres no mercado de trabalho etc. Tenta fazer uma incursão nessas pautas através de discursos cansativos e aborrecentes de feministas universitárias, na figura de uma menina de 13 anos que é filha da diretora da Mattel, na ficção. O discurso fica preso à também dita “objetificação”, ao passo que Ken percebe um mundo mais vantajoso para si.

O oprimido em movimento (com spoilers)

Contudo, um problema reside na superficialidade como o filme retrata os problemas da mulher, e na forma complementar com que busca estender seu argumento. O filme projeta na opressão do Ken o sofrimento da mulher, o que é uma estratégia viável. O problema é que, sem o foco nos desafios mais profundos das mulheres, ele passa à figura do oprimido que, em luta, resolve estudar, aprimorar-se, entender as relações que o marginalizam na Barbilândia e aprender sobre suas origens como homem no mundo dos humanos.

Isso opera de duas maneiras, como mensagem. Uma: o homem de hoje pode ser a mulher de amanhã, se o feminismo alcançar o ideal projetado pela Barbilândia – o que não há o menor indício de ser verdade. Outra: Ken se torna uma personagem mais complexa e desafiadora para o próprio espectador, galvanizando a simpatia de boa parte das pessoas que se incomoda com a mensagem proposta por “Barbie”, além daquelas que não se importa, e vê o filme apenas com simpatia nostálgica pela marca. Moral da história, hoje a personagem de Ryan Gosling é cheia de memes e referências divertidas nas redes sociais, ao passo que o filme “Barbie” e a personagem de Margot Robbin já se apagaram.

Ao fim, Ken retorna à Barbilândia antes da Barbie, consegue mudar a ordem das coisas e levar um mundo “patriarcal” para sua terra, para o pesadelo de sua namorada e de suas pares politicamente corretas.

E, para piorar, as bonecas usam do estereótipo do poder feminino da sedução para enganar os homens e retomar seu espaço naquela microssociedade, o que cria uma dicotomia curiosa: os homens conquistam o que querem com política, com articulação, com inteligência prática e concreta; as mulheres o fazem com manipulação emocional e, ainda que disfarçadamente ou insinuadamente, com sexo. Ou seja, todo o padrão conformado na nossa sociedade, que opera contra as mulheres, na medida que as afasta do poder e desrracionaliza.

Desastroso para todas e todos

“Todas e todos” é uma ótima forma de concluir, um dos jargões do feminismo contemporâneo. O fato é que o filme, embora busque um discurso feminista desgastado, bem à esquerda liberal norte-americana anti-Trump, joga água no moinho “red pill”, movimento dos homens que se sentem oprimidos pelas mulheres – um tema que é exacerbado de má-fé por seus líderes, mas que sutilmente pode ser discutido. – Sem falar de problemas reais, como estaria impedido pelo próprio tema infantil, retrata relações de gênero caricatas e, quando se opera no senso comum, o lado dominante sempre leva a melhor.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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