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Carla Dórea Bartz

Jornalista, com 30 anos de experiência (boa parte deles em comunicação corporativa). Graduada em Letras e doutora pela USP. Filiou-se ao PCO em 2022.

Coluna

Veneno para as Fadas, de Carlos Henrique Taboada

"Com essa interessante discussão, Veneno para as Fadas pode até ser um filme pequeno, mas aborda seu tema de maneira gigante"

Veneno para as Fadas (Veneno para Las Hadas, 1986) é um filme de produção mexicana dirigido por Carlos Henrique Taboada, cineasta conhecido por filmes do gênero terror.

A película ganhou alcance internacional pelo enredo que conta a história de duas meninas, colegas de classe, que constroem uma relação doentia, na qual uma submete a outra a partir de ameaças e de chantagens.

Verônica (Ana Patrícia Rojo) é uma órfã, criada pela avó idosa e doente, mas de imaginação viva e rebelde, aguçada pelas histórias sobre bruxas contadas pela empregada da família. Flávia (Elza María Gutierrez) é a mimada e ingênua filha única de um rico empresário.

As duas se encontram na escola. Verônica conta a Flávia que é uma bruxa má, capaz de fazer feitiços que matam pessoas. Circunstâncias da narrativa fazem Flávia acreditar e temer Verônica. Percebendo que consegue sugestioná-la, Verônica aumenta suas exigências, fazendo com que Flávia entre em uma espiral de terror.

Na busca por críticas sobre o filme, encontrei textos que se concentram em uma análise psicológica da relação entre as meninas, sugerindo que Verônica é psicopata.

Aqui, buscarei fazer um exercício de análise pelo ângulo da crítica materialista.  Trata-se de um filme pequeno muito bom que se apoia no desempenho das duas atrizes crianças, com resultados notáveis.

É sem dúvida um filme político que usa elementos épicos com primor e que consegue, como resultado, uma narrativa ambígua, focada na audiência e em sua capacidade entender como o diretor utiliza o recurso do ponto de vista.

A princípio, parece que estamos diante de uma história em que se estabelece um vilão e uma vítima, como em uma novela mexicana ou em um filme hollywoodiano. De fato, após uma hora e meia de filme, ficamos a nos perguntar como Flávia consegue ser tão medrosa.

Se, no início, sua ingenuidade cativa e podemos até sentir pena de sua situação, no final do filme já a classificamos de burra e estúpida. Ao mesmo tempo, não deixa de ser surpreendente a vilania de Verônica e sua incapacidade de sentir empatia pela amiga.

E é aí que mora o perigo da análise superficial deste filme: focar na polarização entre as duas meninas e deixar-se identificar por uma ou outra, sem estabelecer uma distância mínima que permita uma interpretação mais concreta do conflito ali apresentado.

Esse é o segredo que Taboada nos convida a decifrar. Há várias maneiras com as quais ele trabalha e nos obriga a desconfiar da “polarização” entre as meninas. Uma delas é a representação dos adultos no filme. Eles nunca aparecem como personagens, mas como tipos: a mãe, o pai, a avó, a professora, a empregada.

Taboada evita mostrar seus rostos e só os conhecemos pelos diálogos que têm com as meninas. Isso faz com que o mundo delas esteja à parte, desvinculado da realidade concreta.

Fora isso, o diretor nos dá inúmeras pistas de que Verônica está criando histórias para assustar Flávia. Tudo que acontece é esclarecido para quem assiste ao filme, apesar de Flávia não ter as mesmas informações.

A câmera de Taboada acompanha as meninas, mostrando que há um observador, ou narrador, da história que elas não percebem. Sua função e nos mostrar o que elas ignoram.

Esse narrador, que não está em voice over, mas nos elementos cinematográficos do filme, nos convida a não tomar o partido nem de uma, nem da outra, mas a manter certa distância do narrado. Há algo de brechtiano nessas escolhas formais, que fazem o filme crescer em termos de complexidade.

Outro ponto a ressaltar é a escolha de crianças para dar vida às personagens. A análise que prefere usar psicanálise rasa para entender as meninas passa longe do que realmente está em jogo.

O uso das crianças é simbólico. Faz com que a história de Verônica – a bruxa má – e de Flávia – a crente – ganhe um significado muito interessante.

A questão que se coloca é: somente crianças acreditam em situações como essa apresentada no filme? A resposta é não. Sabemos que há inúmeras formas de se criar polarizações falsas entre adultos que caem o tempo todo, à direita e à esquerda igualmente.

As polarizações entre indivíduos disfarçam a natureza dialética dos conflitos e a luta de classes. Desloca a contradição para trivialidades.

Usar as crianças para representar esse jogo mostra apenas o quão infantil é essa polarização irracional que perpassa todos os níveis da subjetividade adulta dentro do sistema capitalista, construída incessantemente pelos meios de comunicação de massa, pelas igrejas e até mesmo pela academia.

Faz parte da fórmula de dominação das burguesias. Vemos isso no identitarismo, nas religiões e crenças cooptadas, no jornalismo anticorrupção ou antiterrorismo. Ah, o terror!

O problema é que essas fantasias acabam por gerar violências e injustiças inomináveis. Aí, sim, adultos verdadeiramente psicopatas convencem adultos infantis, que não conseguem fazer distinção entre imaginação e a realidade concreta.

Com as crianças e o narrador implícito em Veneno para as Fadas, há uma denúncia da irracionalidade do comportamento de adultos infantilizados, que retroagiram a um estado anti-iluminista, próprio da barbárie, motivados por medos infundados e por ressentimento.

Com essa interessante discussão, Veneno para as Fadas pode até ser um filme pequeno, mas aborda seu tema de maneira gigante.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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