No último domingo, o portal de esquerda Brasil 247 publicou uma coluna do jornalista Moisés Mendes, intitulada “Calma que os generais estão em estado letárgico”. De acordo com Mendes, não há hoje ameaça golpista por parte dos militares, e o que ele utiliza para afirmar tal ponto se dá em torno da figura do general e ex-vice-presidente Hamilton Mourão.
“Por que o senador Hamilton Mourão revisou, um dia depois, o discurso que havia feito na tribuna, incitando uma rebelião dos militares contra o Supremo?
“Porque o general sabe que hoje, nas complicadas circunstâncias políticas vividas por seus colegas golpistas, não conseguiria liderar nem mesmo a organização de um torneio de peteca no Clube Militar.”
“Os generais entraram em estado letárgico. Mourão e qualquer outro general brasileiro, da ativa ou da reserva, não têm condições de afrontar, com algum efeito, nenhuma instituição da República. Hoje, nenhuma.”
O colunista confunde a si e aos leitores ao utilizar um pronunciamento no parlamento como forma de avaliar a totalidade da situação política e da ala militar do regime político. Não há outro fato utilizado pelo autor para demonstrar sua hipótese.
O golpe, em primeiro lugar, não é a chanchada utilizada pela direita tradicional e pela esquerda a seu reboque para buscar travar um tipo de perseguição política contra a extrema direita bolsonarista. O golpe ocorreu em 2016, e seguiu com a farsa eleitoral em 2018, quando Lula foi impedido de concorrer ilegalmente. É fundamental estabelecer que o golpe de verdade, que aconteceu e não foi uma farsa meramente, teve participação central da cúpula das Forças Armadas, que não se resumem a Mourão e aos seus.
A cúpula que deu e sustentou o regime golpista, que ainda sustenta em parte, atando as mãos de Lula, não sofreu expurgo, perseguição, ou mesmo uma exposição duradoura. Garantiram a prisão de Lula, a manutenção de sua prisão quando do julgamento do habeas corpus, puseram um general como “assessor” do então presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli. Ou seja, um enfraquecimento de Mourão, individualmente, pouco significa em termos de tutela do regime político pela alta cúpula militar, e do golpismo deste mesmo setor.
O processo golpista se desenvolveu ainda com uma crescente presença militar em todas as esferas do Estado nacional brasileiro. Demonstração disso foi a discussão a respeito da adoção ou não da GLO pelo presidente Lula — a Garantia da Lei e da Ordem confere poderes de polícia ao Exército. Ou seja, o Exército, principal das Forças Armadas, não estava (e não está) sob controle do presidente para ser empregado numa crise, quer se julgasse necessário ou não naquele momento.
Contudo, ainda é preciso caracterizar a posição de Mourão, que não é um bolsonarista propriamente, mas uma figura mais política, próxima do imperialismo. Por isso mesmo foi colocado como vice de Bolsonaro, o que gerou algumas crises durante seu governo. Portanto, o que expressou o general no Senado foi uma revolta dos militares, em especial das baixas patentes, maior base de Bolsonaro, com a perseguição ao ex-presidente e a figuras do setor militar. Em outras palavras, Hamilton Mourão não incitou um golpe — o que joga por terra a colocação de Moisés Mendes — mas fez um alerta, chamando os militares a impedir que essa perseguição avance.
Ainda, a perseguição não visa “neutralizar o golpismo” ou algo do gênero, pelo contrário. Ela se dá pelas mãos da direita dita democrática, que levou a cabo o golpe de 2016 e sua continuidade em 2018. O objetivo desta operação, na realidade, é colocar a cúpula das Forças Armadas sob um controle mais rígido da direita dita civilizada, democrática, e de fato golpista. E esse controle mais rígido pelo setor fundamental da burguesia, o imperialismo, é o que aumentaria significativamente a possibilidade de um golpe de Estado no Brasil.
A fantasia do combate ao golpismo bolsonarista desde seu início e até o momento permanece como uma política de tipo golpista da direita “civilizada”. A esquerda que a segue dá cada vez mais corda para se enforcar conforme aumenta a necessidade do imperialismo de solidificar seu controle sob o regime político brasileiro. O único combate ao golpismo pode se dar por quem de fato se opõe aos interesses da burguesia, a classe operária, que apenas organizada pode dar o combate necessário para garantir um governo dos trabalhadores.