Por quê estou vendo anúncios no DCO?

Bolsonaro e a Polícia Federal

Uma esquerda que idolatra a Papuda

Se a Papuda, eventualmente, receber Bolsonaro hoje, amanhã receberá centenas de dirigentes e militantes da esquerda

Para setores majoritários da esquerda atualmente, a queda da Bastilha, marco fundamental da Revolução Francesa de 1789 e um símbolo da tradição revolucionária universal, pertence a um passado longínquo, digno unicamente de ser esquecido. A luta contra a repressão, contra o arbítrio do aparato estatal das classes dominantes, contra as perseguições criminais, contra a censura e os ataques aos direitos democráticos não faz mais parte do programa de reivindicações a ser defendido.

É o que se vê como resultado da recém deflagrada operação da Polícia Federal, intitulada Tempus Veritatis (a hora da verdade), que mirou o ex-presidente Jair Bolsonaro, o presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto, bem como militares e oficiais que desempenharam cargos políticos no governo de Bolsonaro. Amplos setores da esquerda soltaram fogos com a operação.

Luis Felipe Miguel, professor da UnB, em artigo publicado originalmente no portal GGN, qualificou o dia da operação como “histórico”. Segundo ele, “o Brasil está traçando uma importante linha divisória – mostrando que sua limitada democracia aguenta muita coisa, mas a partir de certo ponto sabe se defender”.

Ressuscitando a ilusória e ridícula tese da “democracia consolidada” no Brasil, que só trouxe frutos negativos quando do golpe de Estado de 2016, Miguel atribui à iniciativa do Supremo Tribunal Federal (STF) em geral, e do ministro Alexandre de Moraes em particular, em conjunto com a ação da Polícia Federal, a qualidade de baluartes da defesa da “democracia” brasileira. Para que serve a classe operária e os trabalhadores em geral, os sindicatos e organizações populares, os partidos políticos da esquerda, quando temos Xandão e a Polícia Federal para nos defender?!

O professor de Ciência Política da UnB se apoia na ideia segundo a qual o bolsonarismo será derrotado por meio de ações judiciais e criminais. Para ele, a operação da PF, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, atingiu alguns dos pilares fundamentais do bolsonarismo. Em primeiro lugar, a operação teria atingido integrantes do alto escalão militar, como os generais Augusto Heleno e Braga Netto. Em segundo, teria alcançado o partido político de Bolsonaro, em especial na figura de seu presidente, Costa Neto, preso em flagrante não por alguns dos crimes investigados, mas por porte ilegal de armas. E em terceiro, a operação teria laçado, sem possibilidades de escapatória, o próprio Bolsonaro: “ele não tem mais como dizer que não estava envolvido na preparação do golpe”, diz Miguel. “Os elementos para a prisão de Bolsonaro e de seus cúmplices estão postos. Se o curso dos acontecimentos mantiver lógica, é uma questão de tempo”, conclui.

O artigo de Miguel se intitula Bolsonaro está se aproximando da Papuda – e isso é muito bom. “Muito bom”, aqui, é o equivalente a algo decisivo, determinante. O Complexo Penitenciário da Papuda, segundo Luis Felipe Miguel, poderia ser considerado, nessa visão, como uma espécie de símbolo da “democracia”. Se os revolucionários franceses do século XVIII derrubaram a Bastilha, a prisão que representava a opressão feudal contra as forças progressistas, a esquerda, hoje, segue um caminho oposto e coloca no sistema penitenciário boa parte de suas esperanças para resolver seus problemas ― no caso, derrotar o bolsonarismo. É como se seu lema fosse: “viva a Papuda! É a Papuda quem porá limites ao golpismo bolsonarista!”.

Essa concepção não só é falsa, como também perigosa e reacionária.

O caso Donald Trump nos EUA invalida decisivamente essa ideia. Trump está atolado até o pescoço em processos judiciais. Sua popularidade, no entanto, só cresce. A maioria da população norte-americana não vê essa situação senão como um caso de perseguição política, uma manobra para tirá-lo das eleições. E nisso tem toda razão. Com Bolsonaro ocorre o mesmo. Os processos judiciais de que é alvo são parte de uma operação do imperialismo e da burguesia ligada a ele para tirar ou enfraquecer o bolsonarismo nas eleições de 2024. A tendência é que o efeito seja o mesmo verificado nos EUA: ao invés de sair enfraquecido, o bolsonarismo pode sair ainda mais fortalecido e com mais popularidade.

O bolsonarismo é um fenômeno político real, apoiado numa base social real. Nenhum processo criminal ou ordem de prisão do poder Judiciário tem o poder de afetar na essência tal fenômeno. O mais provável é que ocorra justamente o efeito inverso. A perseguição contra Bolsonaro mobilizará suas bases, atrairá outros setores da população para o seu raio e fará, ao final, o movimento da extrema direita crescer.

Àqueles que nutrem suas esperanças nos poderes mágicos da Papuda, é preciso dizer que, sem recorrer aos métodos próprios da classe operária e dos trabalhadores (a mobilização de rua, as greves, a organização de suas próprias forças, a ação direta), não é possível derrotar a extrema direita. Em sua maioria, a esquerda, porém, aderiu aos métodos tradicionais da direita (a repressão policial e o arbítrio judicial) para superar seus adversários. Essa esquerda aposta em Alexandre de Moraes e na Polícia Federal, e não na mobilização dos trabalhadores, para conter o bolsonarismo. Não é preciso muita perspicácia para prever o resultado disso.

Para além desse fato, o apoio às medidas persecutórias contra Bolsonaro é um tiro no pé da própria esquerda. Para investigar, condenar e prender Bolsonaro, a direita que conduz o processo vai jogando na lata do lixo os parcos direitos democráticos que ainda restaram do regime. A presunção de inocência, o direito de defesa, a necessidade de provas ― tudo isso vai sendo posto de lado em nome do combate ao bolsonarismo. No curso da suposta luta contra o bolsonarismo, um monstruoso regime ditatorial vai sendo edificado.

Miguel, assim como as principais organizações da esquerda, bate palmas para a ação do aparato repressivo estatal. Os mandos e desmandos da operação contam com o seu apoio. Para configurar um crime, segundo Miguel, já não é mais necessário a consecução de atos tipificados como criminosos, mas basta a intenção e o “planejamento”. “Sua [de Bolsonaro] linha de defesa, imagino, vai ser lembrar que o golpe não ocorreu. Afinal (alguns de seus defensores têm dito isso desde o começo do ano passado), planejar um crime não é crime”, diz o professor.

Miguel, para prender Bolsonaro, está disposto a passar por cima dos mais elementares direitos democráticos. Bolsonaro, o próprio autor reconhece, não executou nenhuma medida golpista real, mas teria planejado, manifestado a opinião ou intenção de realizar um golpe. É o que basta para o crime, aponta o colunista. Sem ato, mas com a mera intenção ou opinião, o crime estaria configurado.

Miguel não entende que essa visão abre uma avenida para o arbítrio estatal. Basta pensar no que pode acontecer, por exemplo, com um partido que registra em seu programa a superação do capitalismo, se tal concepção esposada por Miguel virasse a norma. Pelo simples fato de registrar no seu documento programático o objetivo de superar o regime político burguês, esse partido e seus militantes poderiam ser perseguidos e acusados dos mais diversos crimes, tal como os bolsonaristas o são agora. Ao seguir esse caminho, a esquerda cava a sua própria cova.

Baseando-se em larga experiência histórica, os marxistas já apontaram que toda supressão de direitos democráticos no regime burguês, mesmo que inicialmente dirigida contra a extrema direita, acaba, por fim, se voltando contra os trabalhadores e suas organizações. Trata-se de uma lei da história, confirmada e reconfirmada por milhares de episódios da luta de classes. Se a Papuda, eventualmente, receber Bolsonaro hoje, amanhã receberá centenas de dirigentes e militantes da esquerda.

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.