Artigo publicado no último dia 18 por Tales Ab`Sáber chamado Não existem fake-news: só mentira em massa, é muito revelador da ilusão que setores da esquerda nutrem sobre a situação política do País. Tal ilusão, pudemos ver nas análises estapafúrdias sobre manifestação bolsonarista ocorrida na avenida Paulista que muitos analistas da esquerda esforçaram-se para diminuir, ignorando o fato de que quase 200 mil pessoas estiveram no ato.
O artigo de Ab’ Sáber mostra outro ângulo dessa ilusão. Sua tese central é a de que tudo o que acontece no Brasil que não seja favorável a Lula é produto das “fake news” e da manipulação da opinião pelos bolsonaristas.
“A queda de popularidade do governo registrada em pesquisa recente pode ser pensada, entre outras coisas, como sinal, quase evidente, de que a máquina de propaganda e sedução bolso-conspiratória-evangélico-fascista continua funcionando a todo vapor. De fato, ela continua amplamente livre, leve e solta, trabalhando da mesma forma que possibilitou a chegada ao poder do governo do terror e da destruição nacional, em 2018.”
O autor acredita ainda hoje que a eleição de 2018 foi vencida graças às “fake news”, um conto da carochinha contado pela burguesia que prendeu Lula, tirando-o da eleição. A burguesia, que acabou sendo surpreendida pela vitória de Bolsonaro, já que seu objetivo era eleger um representante da chamada terceira via, inventou a história das “fake news” para não ter de admitir que foi sua política golpista a principal responsável pela vitória de Bolsonaro. Melhor ainda, tal história servia como uma luva para colocar em marcha a máquina de censura nas redes sociais.
Pois bem, seis anos depois, Ab’ Sáber acredita que as “fake news” explicam a política nacional. É como se no Brasil, nunca tivesse existido a mentira. Mais à frente, em seu artigo, Ab’ Sáber nos mostra porque acredita tanto nisso
“No mundo deste povo, como já devemos saber, não se lê um jornal, não se considera a história, e o dispositivo geral de controle ideológico liberal, a Rede Globo, por exemplo, se tornou proibido, e deve ser descartado, como a ideia de ‘globolixo’ criada por eles explicita, todos os dias.”
O autor acredita que a Globo seria um “controle liberal” da opinião. Descobrimos que esse monopólio horroroso, que mente sobre tudo, que manipula a sociedade brasileira desde a ditadura militar, seria “liberal”, ao menos se comparada à terríveis “fake news” bolsonaristas.
E de fato, alguém que acredita que a Globo seja minimamente “liberal”, pode acreditar também que nunca houve mentira no Brasil.
Seria necessário falar aqui que foi o “controle ideológico” da Globo, o principal responsável pelo golpe militar e pela sustentação daquele regime, assim como o golpe de 2016 e sua perpetuação, incluindo a prisão de Lula, que resultou na eleição de Bolsonaro.
Seria, então, essa Rede Globo o antídoto contra as “fake news”? Seria nela que o povo brasileiro e a esquerda deveriam confiar?
Voltando ao início do artigo, se a propaganda negativa pode ser considerada responsável pela queda de popularidade do governo, a Rede Globo e os grandes jornais têm certamente uma participação importante nisso. Basta passar o olho no Globo, no Estado de S. Paulo, na Folha de S. Paulo, na televisão e fica fácil notar a quantidade de propaganda contra o governo.
Mas o problema da popularidade não deve ser reduzido à propaganda. Fato é que o governo tem enormes dificuldades de colocar em prática políticas que realmente modifiquem a vida do povo. As poucas mudanças – e elas ocorreram – não são suficientes. Não é fato que o país vai visivelmente bem.
“qualquer pessoa minimamente informada sabe que a economia da vida, depois de um ano de governo de frente ampla de Lula III, vai razoavelmente bem: o PIB 200% maior do que a julgamento original do ‘mercado’ é um número expressivo. A inflação está controlada e houve aumento real do emprego formal. Há estabilidade e previsibilidade, as bolsas sociais foram retomadas e valorizadas, e são anunciados investimentos industriais internacionais no país.”
Esses dados, apresentados pelo autor, são bonitos no papel. No mundo real não é assim. A inflação não está verdadeiramente controlada, a miséria aumenta a olhos nus, o desemprego continua alto. E aqui, não é nem um problema de má vontade do governo Lula, mas um boicote da burguesia que pressiona o governo para manter a política predatória do golpe. Prova disso é a campanha, liderada pela “liberal” Rede Globo, contra o governo na questão dos dividendos da Petrobrás. Qualquer decisão progressista é duramente atacada.
A esquerda vive no mundo da lua, achando que “não há motivos para se queixar”. Não é assim. O povo sempre terá motivos e direito de queixar-se e o governo sempre terá obrigação de atender o povo.
A ideia de Ab’ Sáber é paralisante. “O governo está ótimo, o problema são as fake news”.
“Já está na hora das esquerdas, e da esquerda no governo, compreenderem que o móvel de todo bolsonarismo é a sua lógica da mentira estrutural permanente, que se sustenta em seu sistema de propaganda em rede, permanente. Uma catástrofe política e ‘cultural’ que a esquerda não combateu, e não combate, há mais de dez anos.”
Se a propaganda bolsonarista é um dos problemas – e não precisamos simplesmente negar que seja – não basta apontar e lamentar, menos ainda lamentar que o povo não vê a Globo. É preciso criar mecanismo que combatam politicamente o bolsonarismo, na propaganda e, na prática. O problema central não é a mentira e a verdade, mas é a política correta, é mostrar para o povo que a esquerda está lutando efetivamente pela melhoria das condições de vida, é mobilizar o povo.