Em entrevista à Revista Opera, publicada no último dia 7, o youtuber Jones Manoel afirmou ter sido simpatizante do trotskismo nos primórdios de sua trajetória. Segundo ele, “Trótski sempre foi vendido, na literatura com a qual tive contato, como o exato oposto do Stálin: então havia autoritarismo no stalinismo – Trótski era o defensor da democracia proletária plena; tinha repressão à liberdade artística e criativa – Trótski era o defensor pleno da liberdade criativa no socialismo; e por aí vai”. Contudo, o próprio Jones Manoel admite que:
“O que fez eu me afastar do trotskismo foi, (…) quando Trótski era comandante do Exército Vermelho e houve greve de ferroviários na Ucrânia, ele mandou prender. Porque do ponto de vista militar era necessário que aquelas linhas de ferro estivessem funcionando para as manobras do Exército Vermelho. Percebe?”
Para o youtuber, as decisões tomadas por Leon Trótski no calor de uma guerra civil, que contou com forças hostis de mais de 20 nações, e a severa repressão promovida por José Stálin, anos após a consolidação da Revolução de Outubro, justificada tão somente pelos interesses da burocracia dirigente, seriam a mesma coisa. Manoel, então, segue seu raciocínio, afirmando que “o que me afastou do trotskismo é que acho que ele tem uma tendência muito pequeno-burguesa de idealizar as condições de transição socialista, de imaginar um mundo perfeito, e também de pensar as coisas como se fossem fáceis”.
A crítica de Jones Manuel basicamente coloca Trótski como um mero acadêmico, alguém que não vivia no mundo real, da luta política prática, reduzindo-o a um diletante – como ele diz, “um pequeno burguês”. Ora, mas Trótski não estava trancado em um gabinete elaborando ideias mirabolantes sobre o socialismo, ele foi uma das pessoas mais decisivas para o sucesso da Revolução Russa. Organizou o golpe que derrubou o carcomido regime burguês, tendo sido também o responsável por organizar o Exército Vermelho, por ele fundado. Após o fim da Guerra Civil, vendo os descaminhos adotados pela direção burocrática da República operária, cria a Quarta Internacional para lutar pela permanência do processo revolucionário até o seu fim.
Para o ex-PCB, contudo, todos esses feitos são aspectos “menores” da obra de Trótski diante do fato de que, em tempos de normalidade, o revolucionário defendia as liberdades civilizatórias e em tempos de guerra, a satisfação das necessidades da guerra. Pior do que isso e revelando suas tendências diletantes, seu questionamento se dá em relação a teses, o que fica evidente ao dizer:
“Fui forçado a pensar várias questões que eu realmente não tinha pensado. É muito gostosa, muito tranquila, a ideia de que no socialismo tudo vai ser negociado e conversado. Mas como é que fica, por exemplo, a justa reivindicação de trabalhadores ferroviários que estão recebendo um salário muito baixo, com dificuldade de acesso a suprimentos, e que decidem parar uma ferrovia, frente as necessidades postas por uma guerra civil que precisa daquela ferrovia funcionando?”
Marx e Engels acabaram de ser revogados. Não é a luta de classes que move a história, mas a luta de teses. Ou, talvez, a luta moral: “reprimir ou não reprimir, eis a questão”? Quem tem o programa marxista solidificado – “densidade teórica”, como o youtuber diz” – jamais perderia tempo com questionamentos tão inúteis como “qual a tese certa?” ou “operários grevistas ou ferrovias?” Diante de uma contenda que apresenta a forma de Stálin contra Trótski, um marxista perguntaria “qual o fundo social dessa disputa?” “Quais classes estão em luta?”
Questionamentos realmente relevantes levariam um observador atento a perceber a ascensão da burocracia após a vitória de Stálin – que se solidificara na URSS até o colapso do país -, indicando que este representava uma pequena burguesia. Trótski, por outro lado representava a classe operária e a sua necessidade de levar adiante uma revolução permanente contra a burocracia e contra o imperialismo.
Após a consolidação da revolução, a pequena burguesia entrincheirada na burocracia soviética torna-se ferozmente contrarrevolucionária. Este fenômeno é reconhecido por Manoel, que destaca:
“O governo soviético, com Stálin à frente, decidiu não socorrer a revolução grega, e deixou, na prática, que a Inglaterra esmagasse a revolução grega. O Stálin está certo ou errado? De um ponto de vista do internacionalismo proletário puro, deixou uma revolução ser esmagada – claro que está errado. Mas do ponto de vista da responsabilidade com o seu povo faria sentido”.
Tivesse a luta de classes como guia, o youtuber não se prestaria a justificar o esmagamento de uma revolução pela defesa da nação. Evidencia-se, mais uma vez, que não é o marxismo o que orienta Manoel.
Curiosamente, o crime cometido pelo stalinismo contra o proletariado internacional nitidamente não o choca tanto quanto a repressão a trabalhadores contrarrevolucionários no meio de uma guerra civil. Revela-se, finalmente, que seu espanto com os grevistas presos não é nada além de uma calúnia contra aquele que personificou a luta do proletariado contra as tendências contrarrevolucionárias e morreu as enfrentando.