Na última quarta-feira, 20 de março, o sítio esquerdista Brasil 247 publicou uma coluna intitulada A guerra com os militares hoje é de Alexandre de Moraes, não é de Lula, assinada pelo jornalista Moisés Mendes. Como diz o título, o autor destaca que a luta política não está colocada na questão dos militares. Vejamos seu raciocínio quanto ao afastamento de Lula sobre o aniversário de 60 anos do golpe de 1964.
Memória: uma política lavajatista
“Lula está dizendo que o protagonismo hoje, diante da exposição da trama golpista armada pelos generais de Bolsonaro, é do sistema de Justiça. Não é a hora do governo.”
Em primeiro lugar, Mendes afirma abertamente que Lula e o governo federal não devem estar à frente da luta política no País. Ou seja, o governo eleito, e a maior liderança popular viva no Brasil, devem se abster da política, em nome do Judiciário burguês. Mais, ao invés do movimento popular, a esquerda deveria utilizar o Estado burguês contra seus adversários políticos, um método reacionário.
“Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário estão levando adiante o maior cerco aos militares desde a redemocratização, talvez o cerco definitivo para que finalmente façam apenas o que devem fazer, ou seja, quase nada.”
As instituições elencadas por Moisés Mendes, todas elas, foram protagonistas de primeira linha do golpe de 2016, orquestrado não contra o PT simplesmente, mas contra todo o povo brasileiro, levando a cabo a destruição econômica e industrial de uma gama de setores, como petroquímico, construção civil, engenharia nuclear, e outros. Especialmente através da operação Lava Jato, primeira linha da ofensiva judicial-imperialista, uma sabotagem foi organizada no Congresso, e todo o processo, salvaguardado pelas Forças Armadas. Afinal, o golpe, como se tornou notório, foi “com o Supremo, com tudo”.
Vítima desse mesmo processo foi o próprio Lula, preso ilegalmente para tirá-lo das eleições de 2018, também ilegalmente. Em outras palavras, a política de Moisés Mendes é uma política de confiança nos golpistas, nos lavajatistas, os mesmos que se alinharam aos generais no golpe e durante o regime golpista para mantê-lo em vigor, o que se deu plenamente até 2022.
Verdade: um culto a falsos deuses
“O protagonismo é do Judiciário, é de Alexandre de Moraes, que faz pelas tentativas de condenação e reparação o que a sociedade civil não consegue fazer, como sua parte, em ativismo cidadão. Há muito tempo não consegue.
“Lula sabe que é a hora da Justiça, não é a hora da política. Mesmo que digam que decidiu passar pano para os militares e que a busca por justiça não deve ser confundida com a luta pela preservação da memória.”
Ou seja, Alexandre de Moraes aparece como um semideus para Mendes. O “Xandão” teria mais condições e motivação para realizar um enfrentamento com os generais, setor fundamental do golpismo, do que Lula, e não apenas isso, do que Lula presidente. Ainda, Moraes estaria acima das ambições e capacidades da sociedade civil, impotente, talvez pela falta da toga, da capa ou da careca, mas isso nunca saberemos.
Esqueçamos, é claro, da posição do STF frente aos tweets de generais quando do julgamento de Lula. Esqueçamos que Alexandre de Moraes foi do PSDB de São Paulo, indicado por Michel Temer, para o STF, após o assassinato de Teori Zavascki. E esqueçamos, por fim, da “assessoria” prestada ao presidente do STF pelo general Fernando Azevedo e Silva. Moisés Mendes ajoelha-se no altar do golpe de 2016 e pede a seus deuses que salvem o Brasil das ameaças golpistas, presentes e movidas no regime político pelos mesmos atores.
“Para quem faz cálculos primários de somar e subtrair sobre ganhos e perdas: pode-se dizer que Lula não ganharia nada hoje partindo para o enfrentamento dos militares de um jeito que nunca aconteceu antes.
“Não teria quase nada a ganhar com atos e falas que confrontem os generais com o fracasso do golpe, com a ditadura e com a memória dos que resistiram e foram perseguidos durante 20 anos.”
De fato, se o governo está fragilizado, de acordo com Mendes, nada há de melhor a se fazer do que absolutamente nada. “Não há quase nada a ganhar” com a confrontação do golpismo, a denúncia do papel das Forças Armadas na destruição do Brasil, exceto, quem sabe, a mobilização das bases do governo e seu fortalecimento.
Uma das bases para tal loucura, é o que Mendes chama de “fracasso do golpe”. Como não houve tentativa de golpe em 2023, o colunista aponta que houve, para dizer que o golpe foi derrotado, criando uma fantasia de segurança do governo, claramente um governo fraco. Essa política tem por único papel desarmar a esquerda e o movimento popular, gerar uma desmobilização total, afirmando que tudo estaria resolvido. “Ora, para que rememorar o golpe e o papel dos generais? Afinal, o golpe já foi derrotado.” Isso porque houve um golpe de fato, que derrubou o governo Dilma e prendeu Lula, solto menos de cinco anos atrás, mas desse golpe Mendes não se lembra.
Justiça: o papel do movimento popular
“É a hora de oferecer suporte a Alexandre de Moraes, para que leve em frente o que vem sendo feito. É também o momento de saber o que a sociedade organizada pode fazer por Lula” (grifo nosso).
É interessante a ordem de prioridades de Moisés Mendes. Antes de apoiar Lula, é preciso apoiar o juiz do golpe, Alexandre de Moraes, e depois, quem sabe, ver se é possível fazer algo por Lula. Sigamos:
“A sociedade, os parlamentares com mandato, os políticos em função executiva, os estudantes, os militares legalistas, as entidades que se dedicam às causas da democracia e das liberdades, todos devem fazer o que for possível pela memória das vítimas da ditadura.
“Devem falar por Lula. Porque essa não é a hora de Lula ir para a guerra. É a hora de oferecer a Lula o que ele já pediu: que o ativismo do PT e das esquerdas se reorganize e volte a conversar com as pessoas onde elas vivem, para que ele possa governar.”
Uma brilhante ideia. O movimento que elegeu Lula em 2022, impondo uma derrota parcial ao regime golpista instaurado em 2016, deve atuar sem sua maior liderança pela memória das vítimas do golpe de 1964. E nada, é claro, de traçar paralelos, ou de denunciar o que permanece dos regimes golpistas, de 64 e 16, ou seja, a maior parte das instituições.
Aparentemente, denunciar aquilo que já foi denunciado centenas de vezes, e utilizar a denúncia para organizar suas bases, seria “ir para a guerra”. Talvez seja melhor, como propõe Mendes, Lula esperar que as bases se organizem sozinhas, e esperar que chegue a guerra, independente de preparo. Afinal, Lula precisa governar, diz Mendes, como o fará dadas as presentes condições, o articulista não explica.
“Não cobrem de Lula o que a sociedade não ofereceu a ele até agora. É constrangedor perceber que Bolsonaro, fora do poder, consegue fidelizar muito mais sua base social do que Lula, mesmo que Lula esteja no governo.
“E isso acontece por falha de Lula, que vem oferecendo resultados concretos até surpreendentes para a própria esquerda, em todas as áreas? Será mesmo culpa de Lula?”
Mendes apresenta a resposta para ocultá-la. Bolsonaro realizou convocações, fez um grande comício. Onde está a convocação de Lula? Onde está o comício? Onde está a live semanal cara a cara pela internet? A base social de Lula não está mobilizada porque não está sendo mobilizada. A razão para tanto é precisamente a política farsesca como a de Moisés Mendes, de crer numa mobilização sem mobilização, sem motivo ou porquê, uma incongruência absoluta. Lula está submetido a uma pressão enorme do imperialismo, por isso mesmo, apenas a mobilização pode tirá-lo dessa posição.
Os preços nos mercados sobem, a qualidade de vida permanece estagnada num péssimo patamar, e não há mobilização alguma. Lula mal consegue implementar medidas básicas de governo. A resposta, mobilizar? Não! A resposta, para Moisés Mendes, é não mobilizar, não “ir para a guerra“, e esperar pelo melhor! Será que vai dar certo?