Por meio de seu portal na internet, o grupo Resistência/PSOL decidiu convocar os atos de 8 de janeiro, que seriam para “comemorar” a reação das instituições do Estado à invasão das sedes dos Três Poderes. Segundo o artigo Um ano da tentativa de golpe: prender Bolsonaro e avançar nas mudanças sociais!, a invasão teria sido uma “tentativa de golpe”.
O Esquerda Online argumenta que “não se tratou de uma manifestação espontânea nem de uma simples ‘baderna’ que saiu do controle”. De fato, a manifestação não foi nada espontânea: foi planejada, financiada e organizada por agentes políticos – entre eles, elementos da cúpula das Forças Armadas. Mas o fato de uma manifestação ser planejada está longe de definir um golpe de Estado. Fosse assim, todos os atos convocados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) seriam manifestações “golpistas”.
O artigo segue então argumentando que “foram meses de preparação, financiamento, coordenação, agitação e logística para se chegar a um ato de extrema violência que visava derrubar o presidente recém-eleito, acabar com as liberdades democráticas no país e instaurar uma nova ditadura empresarial-militar, com o bolsonarismo a frente como força política e apoiada nos setores mais reacionários da sociedade”.
Sejamos justos: não foi um ato de “extrema violência”. Foi uma manifestação com a invasão de prédios públicos, algo absolutamente comum no movimento popular. Não houve mortes, não houve agressões graves. Houve, no máximo, aquilo que é tipificado pela Lei brasileira como “vandalismo”, o dano ao patrimônio público. É ridículo falar em “extrema violência” quando ninguém nas manifestações estava armado.
Também não é possível afirmar que o objetivo era “depor o presidente recém-eleito”. Muitos manifestantes poderiam até desejar a derrubada do presidente Lula, mas desejar e até expressar esse desejo é um direito de qualquer um. Não é crime “querer” um golpe de Estado, nem tampouco uma pessoa que queira um golpe de Estado participar de uma manifestação implica que aquela manifestação seja um golpe de Estado.
Durante a pandemia de coronavírus, a Globo News atacou o Partido Revolucionário Operário (POR) por erguer, em São Paulo, uma faixa onde pedia a “ditadura do proletariado”. Se o raciocínio do Esquerda Online estivesse correto, então aquela manifestação era necessariamente golpista e o que o POR estava fazendo deveria ser duramente reprimido, pois estaria expressando seu interesse em derrubar o regime político.
A discussão se houve ou não uma “tentativa de golpe” não é mero detalhe. É por considerar que houve uma tentativa de golpe que o Resistência/PSOL acaba chegando a conclusões absurdas. Diz o grupo:
“Felizmente, graças a uma combinação de fatores, conseguiu-se evitar o pior. O golpe não contava com apoio externo e, dentro do país, a burguesia e os militares estavam muito divididos. Os setores financeiro, industrial, o legislativo e a grande imprensa preferiram apostar em uma transição pacífica de poder para depois arrancar de Lula concessões via chantagem, ameaças e boicote”.
Ou seja, não houve golpe porque a burguesia impediu o golpe! Se fosse assim, porque não houve nenhuma crise nos quartéis, antes ou depois do dia 8 de janeiro? Se os militares estavam “divididos”, por que o setor “democrático” não denunciou e prendeu o setor “golpista”? Simples: porque nunca houve um plano para que ocorresse um golpe de Estado no dia 8 de janeiro de 2023. Houve, no máximo, um plano de um setor das Forças Armadas para desmoralizar o governo. Um plano que acabou contando com a cobertura de toda a cúpula militar.
O Resistência/PSOL segue, então, afirmando que “a derrota do golpe foi, simetricamente, uma grande vitória do povo trabalhador e dos oprimidos”. Isto é, uma operação muito bem sucedida de desmoralização do governo, quando transformada em “tentativa de golpe”, rapidamente se transforma em “grande vitória”. Mais tudo fica ainda pior:
“As ações repressivas contra os golpistas, lideradas principalmente por Alexandre de Moraes, cumpriram um papel muito importante, pois deram um primeiro aviso aos pescadores de águas turvas. Mas elas são ainda insuficientes. Até agora, o grande mentor do golpe, Jair Bolsonaro, segue livre, articulando a extrema-direita no país e internacionalmente, agitando seus fanáticos e preparando as eleições municipais deste ano, onde pretendem conquistar entre 1000 e 1500 prefeituras”.
Aqui, o Esquerda Online demonstra que caiu como um patinho na ladainha de que houve uma “tentativa de golpe” porque exalta justamente a postura da burguesia diante do problema. Dizer que houve uma “tentativa de golpe” não cumpre outro objetivo a não ser mostrar que o Estado brasileiro seria suficientemente forte para impedir o avanço do bolsonarismo. “Olhem só que beleza é o STF”, diz a burguesia, “pois sem ele, viveríamos hoje sob um golpe de Estado”.
Não é fato. Alexandre de Moraes apenas “barrou o golpe” porque não havia golpe algum para barrar. Pelo contrário: quando sua ação poderia ser decisiva, como no segundo turno das eleições presidenciais, o ministro do Supremo Tribunal Federal ficou paralisado. Suas ações repressivas em nada estão cumprindo para punir os militares que planejaram a invasão das sedes dos Três Poderes; pelo contrário, está servindo apenas para tornar o regime brasileiro ainda mais autoritário.