Segundo o Metrópoles, o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) pretende implementar o Termo Circunstanciado Policial Militar (TC/PM), um tipo de registro que é feito em ocorrências consideradas de “menor potencial ofensivo”.
Nesse sentido, trata-se de uma medida que faz com que os agentes da Polícia Militar possam exercer atividades de investigação que, atualmente, são feitas pela Polícia Civil do estado. Eles poderão, por exemplo, requisitar exames, fazer oitiva de testemunhas e, um dos aspectos mais graves da medida, apreender provas.
De acordo com o jornal burguês, o governo argumenta que essa medida serviria para “desafogar as delegacias”. O documento ao qual o Metrópoles teve acesso, assinado pelo atual subcomandante da PM, coronal José Augusto Coutinho, número 2 da corporação e ex-comandante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e da tropa de elite, ainda prevê um “rápido treinamento de soldados, cabos e outros agentes para lidar com assuntos da legislação criminal”.
O jornal ainda informa que a corporação já estaria se preparando para, até o fim deste ano, implementar o TC/PM. Dentre os delitos que são registrados em TCs, estão lesão corporal, posse de droga, invasão de propriedade ou desobediência.
“A investigação dos crimes estará nas mãos dos militares, voltamos a 1964”, afirmou um advogado consultado pelo Diário Causa Operária (DCO). Especificamente no caso da desobediência, ele explica que “a Polícia Militar poderá prender e investigar ao mesmo tempo”, podendo ser, ao mesmo tempo, “vítima e investigadora”. “Só falta ser o juiz”, afirmou a fonte a este Diário.
Atualmente, o procedimento é o seguinte: a Polícia Militar registra determinada ocorrência; em seguida, a Polícia Civil investiga o caso e apresenta, ao Ministério Público, seus achados; este, por sua vez, pode oferecer a denúncia do crime que será julgado (se é crime ou não) pelo juiz. Entretanto, com o novo sistema adotado pelo governo Tarcísio, a Polícia Civil, no caso de contravenção penal ou de crimes com pena máxima de até dois anos de detenção, estaria fora da equação.
A Polícia Civil, por sua vez, mostrou descontentamento com a decisão do governo estadual. A delegada Jacqueline Valadares, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia de São Paulo (Sindpesp), afirmou que a implementação do TC/PM pode representar “riscos para a população”.
“A partir do momento que Secretaria da Segurança Pública distribui para a PM funções que são da Polícia Civil, como realizar o Termo Circunstanciado, isso acirra uma disputa entre as corporações”, diz Jacqueline. “Cada uma tem sua função. Se a PM está registrando essas ocorrências, quem vai fazer o patrulhamento da rua? Quem vai atender as ligações do 190?”, completa.
Ela ainda explica porque é perigoso delegar a soldados, cabos e outros policiais militares a responsabilidade de definir o que seria um crime de menor potencial ofensivo:
“Uma pessoa ferida, por exemplo, pode ter sido vítima de uma lesão corporal [passível de Termo Circunstanciado] ou de uma tentativa de homicídio [Boletim de Ocorrência]. O delegado é a autoridade que está preparada, a partir da sua formação jurídica, para definir o tipo penal. Se essa ocorrência deixar de ser apresentada na delegacia, há um prejuízo para toda a sociedade”, afirma Jacqueline.
Decerto que o interesse de Valadares está na garantia de que seu emprego será mantido e de que a Polícia Civil não será completamente substituída pela Polícia Militar. Entretanto, caso recente ajuda a entender porque a medida do governador representa um grande ataque aos direitos da população.
Conforme foi noticiado por este Diário, na manhã de quarta-feira (17), a Polícia Militar de São Paulo atingiu o rosto de um menino de sete anos durante uma operação em Paraisópolis, zona sul da capital paulista. A corporação afirmou que o machucado teria sido resultado de um tiroteio entre seus agentes e “suspeitos”, que fugiram do local da ocorrência.
“Todas as circunstâncias dos fatos estão sendo apuradas para investigar a origem do ferimento da criança”, disse, naquele momento, a SSP.
O problema – para a PM – é que, pouco tempo depois que a criança foi encaminhada ao hospital, moradores da região flagraram, por meio de uma gravação, agentes da polícia recolhendo provas no local onde o menino foi atingido. O vídeo, o qual pode ser visto abaixo, mostra cerca de 10 soldados conversando entre si, apontando para lados diferentes e recolhendo itens do chão. Uma comprovação de que, no mínimo, os agentes queriam esconder alguma coisa que ocorreu naquele episódio.
Caso TC/PM já tivesse sido implementado, esses policiais, que estavam, ao que aparenta pela gravação, tentando apagar seus rastros, estariam simplesmente investigando a cena do crime. A coleta de qualquer estojo, qualquer resquício de munição ou algo do tipo seria, portanto, legítimo. Em outras palavras: o policial poderia, dentro da lei, alterar o local da ocorrência conforme os seus próprios interesses.
No mesmo dia, o Diário Causa Operária tentou entrar em contato com a Secretaria, mas não obteve resposta. Horas depois do fechamento da edição, entretanto, a SSP encaminhou à nossa redação gravação da coletiva de imprensa concedida na noite de quarta-feira sobre o caso.
No áudio, a PM afirma que as imagens registradas pelas câmeras corporais dos agentes envolvidos na ocorrência deixam claro que o que machucou a criança não partiu de armas utilizadas pela polícia.
“De acordo com a análise dessas imagens das câmeras dos policiais nós podemos assegurar, já nesse primeiro momento, que essa criança não foi ferida por disparo de arma de fogo proveniente de arma de policial militar”, afirmou coronel Macedo, Chefe da Comunicação Social da PMSP.
O problema é que essas imagens não podem ser disponibilizadas para o público neste momento, pois são objeto de análise de um inquérito policial que investiga a ocorrência. Resta, portanto, a confiança na palavra do coronel.
Então, ele elenca algumas brilhantes hipóteses feitas pela PM sobre o que poderia ter causado o misterioso ferimento na criança: “não sabemos ainda o que de fato feriu a criança. Pode ter sido um disparo dos criminosos, pode ter sido um pedaço de reboco, um estilhaço ou até mesmo um ferimento provocado por uma pancada, uma queda”, disse.
Ou seja, a história passa de “criança é baleada no rosto por agentes da polícia militar” para “durante tiroteio, criança cai, bate a cabeça e vai para o hospital”. E qual seria a – mais brilhante ainda – explicação para esta queda?
“Parece que a mãe se joga em cima do filho, da criança e, nesse momento, pode ter se machucado também, pode ter batido a cabeça no chão”, afirma Macedo. Caso solucionado: a mãe é a culpada pelo machucado do filho, prepare as algemas! Trata-se, claramente, de uma versão com uma probabilidade baixa de ter acontecido.
Sobre o problema da obstrução do local da ocorrência, registrada por moradores, o coronel Macedo afirma que, mais uma vez, as tão secretas imagens gravadas pelas câmeras corporais dos agentes comprova que eles estariam apenas sinalizando à perícia onde estariam as provas contundentes ao caso. Quer dizer, os solidários policiais estariam ajudando seus parceiros na Polícia Civil, e não cometendo um crime ao esconder provas importantes para determinar seu envolvimento no ferimento do menino.
Além disso, na coletiva, um homem identificado como comandante Pimentel informou que “a criança está sendo acompanhada por equipes da polícia militar que estão prestando todo o apoio a essa família”. “Em questão de solidariedade, os policiais estão lá para auxiliá-los no que eles precisarem. Então, neste momento, tem uma equipe nossa no hospital para apoiar a família no que eles precisarem”, afirmou.
Mais uma vez, para a infelicidade da corporação, entretanto, uma jornalista que participava da coletiva afirmou que existe “um relato da mãe estar incomodada com a presença dos policiais no hospital”, além do relato de que “ela não pôde ser ouvida pela ouvidoria da Polícia Militar sem a presença de outros agentes”. A isso, o coronel Macedo afirmou: “não tenho conhecimento dessa reclamação”, deixando claro com a maior preocupação do mundo que a PM apuraria essas reclamações e tomaria as medidas cabíveis.
Em resumo, o episódio mostra qual seria o efeito da medida de Tarcísio caso seja colocada em prática. Os verdadeiros criminosos que são os agentes do aparato de repressão do Estado estariam livres para cometer um crime contra a população, alterar o local do crime para os favorecer e, depois, fornecer uma explicação que seria tida como oficial, pois eles seriam os investigadores do caso!
Nesse sentido, o Termo Circunstanciado Policial Militar é, na prática, uma carta-branca para que a polícia militar de Tarcísio de Freitas, conhecida por sua truculência, faça o que quiser.