O semanário norte-americano The Nation publicou, no dia 17 de abril, artigo assinado por Hillel Schenker. O autor, segundo a publicação, é co-editor do Palestina-Israel Journal, uma publicação criada na esteira dos Acordos de Oslo (1993) e tributária dos seus propósitos. Schenker reside em Telavive e é, como veremos, um sionista de esquerda.
Em tradução livre, o artigo intitula-se Onde está a crítica esquerdista ao Hamas? (Where is the leftist critique of Hamas?, no original). O autor defende que o conjunto da esquerda em geral tem uma posição vacilante em relação ao Hamas. Ele diz: “qual é a opinião da maioria das organizações e ativistas do movimento de solidariedade palestina sobre o Hamas? Também não está claro – e raramente é falado.” A pergunta sobre a hesitação das organizações de esquerda é apenas uma cabeça de ponte para o autor atacar a principal organização de luta dos palestinos.
A teoria dos “dois demônios”
Como bom esquerdista, o raciocínio do autor é enganoso. É uma no cravo e outra na ferradura. Ele afirma que a ocupação israelense dos territórios palestinos é “maligna e deve acabar”. Mas ― continua ― “para que isso aconteça, além da necessidade de um governo israelense diferente e de uma forte pressão por parte da administração Biden e da comunidade internacional, precisamos também de um parceiro palestino realista.” E crava: “O Hamas não é esse parceiro.”
Falsificação
Para tentar deslegitimar a ação do Hamas, o jornalista tenta levar o debate para quando da fundação do Partido. Vejamos:
“Para aqueles que não estão familiarizados com ele, a carta original do Hamas quando o movimento foi fundado em 1988 era claramente antissemita, fundamentalista e totalmente oposta ao compromisso com o Estado de Israel. A terra da Palestina é um Waqf islâmico consagrado para as futuras gerações muçulmanas até o Dia do Julgamento. Ela, ou qualquer parte dela, não deve ser desperdiçada: ela, ou qualquer parte dela, não deve ser entregue. Ele também afirmou: ‘O Profeta, Allah o abençoe e concede-lhe a salvação, disse: ‘O Dia do Juízo não acontecerá até que os muçulmanos lutem contra os judeus, quando o judeu vai se esconder atrás de pedras e árvores. As pedras e as árvores dirão O muçulmanos, ó Abdulla, há um judeu atrás de mim, venha e o mate. Portanto, era claramente contra o direito do Estado de Israel existir ao lado de um Estado palestino, e também era claramente antissemita. A carta reconheceu a Organização de Libertação da Palestina como uma organização irmã na luta (o Hamas não é membro), mas rejeitou o caráter secular da OLP e o apoio a um Estado democrático secular, uma vez que afirmou que ‘não podemos desistir da identidade islâmica da Palestina’”.
Ocorre que o programa do Hamas foi atualizado em 2017, e destaca “o conflito é com o projeto sionista, não com os judeus por causa de sua religião”.
A falsa ideia que pregam é que com o fim do Estado sionista os judeus seriam exterminados, e não se trata disso. O Hamas “fornece um guarda-chuva para os seguidores de outras crenças e religiões que podem praticar suas crenças com segurança”. Para conhecer o Programa do Hamas, leia nossa matéria publicada em novembro passado. É importante a leitura porque desfaz inúmeras falsificações lançadas contra esse partido.
A ‘crítica’ contra o Hamas tenta contrapor a ‘democracia’ ao ‘fundamentalismo’. No entanto, o Estado sionista é fascista, colonialista, e vem cometendo toda sorte de crimes contra o povo palestino há décadas.
Dois estados?
Embora Schenker seja obrigado a admitir que o Hamas atualizou seu programa em 2017, faz isso apenas para criticar. Diz que o grupo “expressou apoio a ‘um Estado palestino totalmente soberano e independente, com Jerusalém como sua capital nos moldes de 4 de junho de 1967, com o retorno dos refugiados e os deslocados às suas casas de onde foram expulsos, para ser uma fórmula de consenso nacional’. No entanto, não expressou disposição para reconhecer a existência do Estado de Israel”.
Ora, a solução de “dois Estado” se mostrou uma completa fraude agora em abril, quando os Estados Unidos vetaram uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que permitiria a adesão plena da Palestina à Organização.
Toda a falácia de que os palestinos não querem uma solução para o conflito ficou a nu. É o imperialismo que não quer um Estado palestino. Essa proposta vinha servindo há anos como uma cortina de fumaça, além de empurrar para o palestinos o ônus de não se chegar a um acordo.
Os sionistas querem expulsar a população palestina e pegar para si todas as terras. Isso já estava claro nas intenções dos sionistas de colonizarem a palestina, e ficou evidente na limpeza étnica e o extermínio praticado pelos sionistas.
Em vez de denunciar o caráter colonial do sionismo, Schenker diz que “israelenses e palestinos compartilham a responsabilidade por oportunidades perdidas”.
7 de outubro
Hillel Schenker critica o ataque do Hamas em outubro de 2024. Primeiro, diz que a intenção do Hamas seria impedir uma tentativa de ‘normalização’ entre ‘Israel’ e a Arábia Saudita. Como se não bastasse, sugere que o Hamas não liga para a população palestina, pois utilizaria os túneis para se protegerem em vez de tentar salvar a população.
Enquanto os sionistas despejam um poderio destrutivo sobre Gaza superior à bomba atômica em Hiroshima, matando dezenas de milhares de crianças e mulheres, questiona a utilização dos túneis pela resistência armada.
Falta de apoio?
O jornalista reconhece que “mais de 70% dos palestinos acreditam que o ataque do Hamas em 7 de outubro estava correto”. Para ele, no entanto, “isso não significa que 70% acreditem na ideologia islâmica do Hamas. Esse apoio existe porque o ataque colocou a questão palestina de volta na agenda depois que ele foi ignorado por tanto tempo pelos israelenses e pela comunidade internacional, e deu um golpe na arrogância israelense”.
Segundo o jornalista, os palestinos, que são esmagados há pelo menos sete décadas, não estão promovendo uma verdadeira revolução, se levantando em armas contra o invasor, mas teriam feito um cálculo frio repleto de conveniências.
Somos obrigados a ler desculpas do tipo “é claro que tanto o Hamas em 7 de outubro quanto Israel desde o início de sua resposta militar maciça cometeram crimes de guerra”. ‘Israel’ não está respondendo, mas sim aprofundando o genocídio contra os palestinos.
Condenar quem luta contra uma força colonial é apoiar o imperialismo. Schenker sugere que o Hamas se junte ao Fatah – não aos militantes de base que lutam ao lado do Hamas, mas à direção burocrática que comanda a Autoridade Palestina, capachos dos sionistas – para forjar uma tal ‘unidade’, que nada mais é do que uma proposta disfarçada de desarmamento dos palestinos.
Temos que rejeitar essas ideias perniciosas daqueles que se dizem de esquerda e que apenas fingem ser contra o Estado sionista. Quem apoia os palestinos tem que apoiar quem se levantou em armas contra os colonizadores, ou estará ao lado dos opressores.