Desde a última semana, muito tem se discutido sobre a crise instaurada no Equador. Após sequestros de policiais, fugas de importantes prisioneiros, que seriam chefes de cartéis do narcotráfico, incursões de grupos armados em universidades e a invasão de uma emissora de televisão, o governo de Daniel Noboa lançou mão de uma série de medidas repressivas. O presidente equatoriano afirmou que havia um “conflito armado interno” no país e pediu às Forças Armadas que ajudassem a “restabelecer a ordem” durante os 60 dias seguintes.
Entre as medidas extraordinárias tomadas por Noboa, estão: toque de recolher das 23h às 5h e restrições ao direito de reunião e à privacidade de domicílio e de correspondência. Não é mais preciso uma ordem judicial para que as autoridades equatorianas entrem nas casas das pessoas.
Embora seja difícil dimensionar o tamanho da crise, ela é real. E ela é o resultado direto da política do próprio Noboa e de seus antecessores. A crise na chamada “segurança pública” é a consequência inevitável da política neoliberal, que levou à ruína países como o Equador e que fez do narcotráfico uma força social poderosa. Força essa que se desenvolve em meio a um país sem perspectivas, onde os postos de trabalho vão sendo destruídos diariamente, a industrialização vai regredindo ano após ano e as riquezas naturais seguem sendo saqueadas pelo imperialismo norte-americano.
A crise no Equador não é única. Ela reflete o presente e o futuro de muitos países na América Latina. E é também por isso que ela oferece ao imperialismo a oportunidade para organizar a sua nova ofensiva contra os trabalhadores de toda a região.
No Equador, diante da onda de violência causada pela profunda desagregação social, o imperialismo está aproveitando as circunstâncias para estabelecer um Estado de arbítrio. Trata-se de uma medida semelhante ao que os Estados Unidos fizeram em seu próprio território com os Atos Patrióticos após os atentados de 11 de setembro.
Na Argentina, embora o problema da “segurança pública” não seja tão explorado, o cenário de histeria é o mesmo. Nesse caso, é a total falta de perspectiva econômica que permitiu que o imperialismo criasse as condições para a vitória de Javier Milei, um homem que promete entregar o que sobrou do patrimônio argentino para os EUA.
No Peru, a crise apareceu de maneira mais abertamente política. As dificuldades de Pedro Castillo de levar adiante um governo de conciliação com os setores que representam o imperialismo em seu país criaram uma crise institucional tão grande que o próprio Castillo tentou fechar o parlamento e acabou sendo golpeado.
Por fim, em El Salvador, o presidente Nayib Bukele tem sido apresentado pela imprensa burguesa como “popularíssimo” por causa de sua política de justiceiro frente à criminalidade. Sob seu governo, a população carcerária no país chegou a 2%. A cada 50 pessoas em El Salvador, 1 está presa, e em condições terríveis, desumanas, sem direito algum.
Esses casos, que são, todos eles, recentes, mostram um quadro nítido. Todos esses governos, que são apoiados pelo imperialismo, demonstram que o plano do grande capital para a América Latina é uma política de força. Em outras palavras: ditadura.
Pode-se dizer que há, no conjunto da imprensa imperialista, uma certa reticência em relação a figuras como Bukele, constantemente chamadas de “populistas”. A reticência, no entanto, é secundária: é explícito o apoio a essa política.
A única preocupação do imperialismo com figuras como Bukele e até Javier Milei, que são mais ideológicos, é com o fato de que são mais difíceis de controlar e que, também, podem fortalecer, de um ponto de vista político e propagandístico, a figura de Donald Trump, indesejada pelo Partido Democrata e por aqueles que controlam o Estado norte-americano.
É nesse sentido que merece atenção as eleições na Guatemala. Por um lado, a situação no país centro-americano revela a tendência dos regimes latino-americanos a se decomporem e caminharem rumo a um regime de características bonapartistas. Afinal, instituições do próprio Estado procuraram impedir a posse do presidente eleito.
No entanto, também chama a atenção que o presidente eleito é uma figura de confiança do imperialismo norte-americano. Em recente artigo da revista The Economist, Bernardo Arévolo é inclusive apresentado como uma “alternativa democrática” a Bukele. O que demonstra, no final das contas, que, embora a tendência seja de regimes cada vez mais autoritários, o imperialismo irá tentar, para impedir crises políticas maiores, que essas ditaduras apareçam com uma feição “democrática”.