Quando aqueles que fizeram da frase “o amor venceu o ódio” seu lema aplaudem o surto de um candidato fascistoide que agrediu o seu adversário por ser incapaz de debater com ele, fica provado que há algo de muito errado com a política do “amor”. Fica provado que se trata, no mínimo, de uma grande hipocrisia.
Se, por acaso, Pablo Marçal (PRTB) fosse chamado de ladrão de banco por Guilherme Boulos (PSOL), e aquele reagisse arremessando uma cadeira contra este, o que diria a esquerda pequeno-burguesa? O que diriam os jornalistas da imprensa dita progressista? O que diriam os apoiadores do governo? Não há dúvidas: pediriam a prisão de Marçal. Pediriam a sua exclusão dos debates. Pediriam a suspensão de seus direitos políticos.
Todos sabem qual seria o pretexto. “Cadeirada é incompatível com o Estado democrático de direito”, diriam. “Atentar contra Boulos é atentar contra a democracia”. “É preciso proteger a democracia dos fascistas”.
Ao basear a sua política na máxima do “dois pesos, duas medidas”, a esquerda pequeno-burguesa revela todo o seu oportunismo. Revela a total ausência de princípios – isto é, que a sua política é baseada em conveniências, e não em um programa amplo. Defender uma determinada política para os amigos e uma determinada política para os inimigos faz dessa esquerda uma força tão fisiológica quanto o “centrão”.
O resultado dessa política não pode ser outro que não a desmoralização. Aqueles que foram convencidos de que era justo colocar um deputado federal na cadeia por gravar um vídeo ofendendo ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) agora não entenderão porque a cadeirada é um gesto de “amor”. Aqueles que são obrigados a aceitar todo tipo de aliança espúria para impedir que um fascista como Jair Bolsonaro (PL) cresça não entenderão porque um fascista como Datena deve ser incentivado a agredir os seus adversários.
Essa desmoralização se dá porque a esquerda pequeno-burguesa elegeu como sua principal plataforma a defesa da “democracia”. A defesa de algo abstrato, difuso, demagógico, que leva a confusões como essa.
Fato é que, agora, todo mundo se diz defensor da “democracia”. Datena justificou sua cadeirada pelo fato de que Marçal supostamente não respeita “o princípio democrático”. Os defensores de Marçal, por sua vez, atacam Datena justamente por ele não respeitar o que há de mais básico em termos de princípios democráticos: o direito de um candidato falar o que quiser.
“Democracia” tanto serve para justificar os interesses de Datena, quanto os de Marçal. Tanto serve para o Partido Democrata justificar a tentativa de derrubar o governo da Venezuela, quanto serve para o candidato republicano Donald Trump reclamar da perseguição que sofre de seus adversários.
O papel da esquerda não é diluir o seu programa em torno de algo que qualquer picareta possa se dizer defensor. O papel da esquerda é impulsionar a luta de classes. É explicar aos trabalhadores quem são seus aliados e quem são os seus inimigos de classe. Em dizer quais sãos os interesses dos trabalhadores e dos oprimidos e dizer que é impossível que a luta por eles avance por meio de uma aliança com os seus sabotadores.
Não é à toa que a esquerda pequeno-burguesa hoje está imersa nessa confusão. A defesa da “democracia” vem sendo estimulada em todo o mundo pelo imperialismo, justamente com o objetivo de afastar a esquerda da luta de classes. A defesa da “democracia”, nos termos abstratos em que aparece, serve somente para defender os interesses do grande capital, que sempre se apresenta como “civilizado”, em eterna luta contra a “barbárie”.
É uma farsa. A defesa da “democracia” hoje é apenas uma senha do imperialismo para atacar os regimes que ele elegeu como autoritários: Venezuela, China, Rússia, Irã, Coreia do Norte, Cuba, Nicarágua etc. É uma política que serve apenas para o alinhamento da esquerda aos poderosos em um momento no qual o mundo se prepara para um grande enfrentamento entre os opressores e os oprimidos.