Reescrever a história de um direitista implica em retorcer fatos e, em grande medida, refazer a vida do cidadão para que ele não seja odiado para o resto da eternidade. É o caso de Sebastián Piñera e as matérias que foram publicadas após sua morte.
Que a imprensa burguesa faça esse papel, já é tradicional. Todo grande inimigo do povo, ao falecer, ganha páginas e mais páginas de elogios na imprensa capitalista. Mas que a esquerda se preste a embelezar a carreira de um direitista, isso já é escandaloso.
É o que está colocado no texto de Maria Carmo, Mestra em Estudos Latino-Americanos, publicado no Brasil 247, onde afirma que Piñera teria sido um democrata, que Piñera teria criticado Jair Bolsonaro, enfim, que o cidadão que incendiou o Chile teria sido uma pessoa civilizada. Guardadas as proporções, é o mesmo que fizeram com Bruno Covas, quando de sua morte. De homem sinistro do PSDB que atuou contra os direitos do povo à grande democrata.
A matéria afirma que “ele [Piñera] costumava lembrar que, como o ex-presidente Ricardo Lagos, aliado de Bachelet, votou pelo ‘não’ no plebiscito que definiu a não continuidade de Pinochet em 1988. A atitude, porém, não significava que Piñera fosse admirador do ex-presidente socialista Salvador Allende. Mas era ‘ferrenho defensor da democracia’ e definido como ‘direita democrática’, distante das ideias de Bolsonaro e de seu amigo chileno, o ex-candidato presidencial José Antonio Kast, da extrema-direita”.
Mas o fato é que a reação popular contra todas as medidas do governo Piñera foi gigantesca, muito maior que qualquer movimento contra as medidas de Jair Bolsonaro. Piñera incendiou o país com sua política neoliberal, deixando o país ser corroído pela fome. Nesse sentido, é um discípulo direto de Pinochet, um dos ditadores mais sangrentos da América do Sul.
Laboratório do neoliberalismo e da ditadura de Pinochet, o Chile amargou dois mandatos do empresário, milionário e político representante da direita e extrema direita, Sebastián Piñera, que por sua vez jamais escondeu suas intenções de seguir adiante com a doutrina reacionária. Não existe absolutamente nada positivo a dizer sobre este homem.
A matéria prossegue na tentativa fracassada de aliviar a barra de mais um presidente sanguinário chileno: “antecessor do atual presidente Gabriel Boric, Piñera foi quem convocou o plebiscito para a realização de uma nova constituição que substituiria a atual, que data de 1980 e é uma herança pinochetista, apesar das várias reformas pelas quais já passou”.
A realidade é que a revolta do povo chileno contra Piñera era gigantesca, e a matéria reconhece esse problema, mas de outra forma. Diz que isso, a revolta, se deu à desigualdade social do país, o que é verdade. Mas a matéria não diz que essa desigualdade social era a principal política de Piñera. “A convocação do plebiscito ocorreu quando o Chile vivia o chamado ‘estallido’ (revolta social) diante das desigualdades no país andino. Após uma série de votações, aquela Carta Magna continua em vigor. Os chilenos rejeitaram, através do voto popular, tanto a proposta da esquerda como a da extrema-direita, que conseguia ser ainda mais conservadora que a de Pinochet”.
Colocado nestes termos, o plebiscito parece um ato de bondade democrática de Piñera, quando, na realidade, foi uma tentativa de impedir sua queda, que era uma exigência das ruas chilenas. Piñera deveria ter sido derrubado pelas forças populares, o que só não ocorreu porque ele, Piñera, era, de fato, um herdeiro da ditadura pinochetista, e reprimiu duramente centenas de manifestações.
O cidadão que faleceu no último dia 07 foi responsável pela morte de dezenas de manifestantes, muitos deles atropelados pelos carros blindados da repressão. Piñera é o responsável pela a mutilação ocular de centenas de pessoas, atingidas pelas balas dos policiais, e outras milhares de prisões arbitrárias cometidas contra o povo trabalhador chileno.
Não é de bom tom criticar o defunto após sua morte. Mas, diante das tentativas de enobrecer a vida de um homem que atacou e tirou a vida de trabalhadores; que aprofundou a miséria no Chile, que atropelou todos os direitos democráticos do povo, vale um bom provérbio popular: “vai tarde”.