Na última quarta-feira, dia 29 de maio, os sul-africanos foram às urnas para eleger os parlamentares da nova legislatura. Pelo sistema eleitoral vigente na África do Sul, os eleitores não elegem pela o presidente diretamente, mas sim os membros do parlamento, que escolherão o presidente.
Com a quase totalidade dos votos apurados, o partido do Congresso Nacional Africano (CNA), que governa a África do Sul, saiu bastante derrotado das eleições, pois, embora tenha conquistado 40% dos votos, perdeu a maioria parlamentar absoluta que mantinha desde 1994, após o fim do regime racista de minoria branca que, por décadas, aterrorizou a maioria da população negra sul-africana. Os números revelam que este foi o pior resultado do partido do ex-presidente Nelson Mandela, fundador e principal liderança do CNA.
Essa foi, sem dúvida, a eleição mais acirrada desde o fim do apartheid, em 1994. Com os números saídos das urnas, o CNA se vê obrigado, nestas circunstâncias, a formar uma coalizão para governar o país, algo inédito nos últimos 30 anos, considerando que, neste período, o partido sempre obteve maioria parlamentar nas eleições.
E não parece que será uma tarefa muito fácil para o CNA chegar a um acordo para compor uma maioria no parlamento com os demais partidos que obtiveram cadeiras no congresso. As opções para uma eventual composição que garanta uma maioria parlamentar no congresso são o Aliança Democrática (DA), que deve ficar em segundo lugar na apuração dos votos, com 22%; o partido uMkhonto we Sizwe (MK), com 15%; ou os Combatentes pela Liberdade Econômica (EFF), com 9%.
Tudo indica, até agora, a julgar pelas primeiras declarações pós resultado eleitoral, que as negociações para a formação do novo governo de coalizão serão delicadas e muito provavelmente marcadas por disputas mais duras e ressentimentos entre o CNA e o partido MK, liderado pelo ex-presidente Jacob Zuma, pois este já declarou que não formará coalizão com o CNA enquanto o atual presidente, Cyril Ramaphosa, continuar como líder do governo. Ramaphosa substituiu Zuma como presidente e líder do CNA após uma dura luta interna pelo poder em 2018.
Não parece muito viável também para o CNA atrair a Aliança Democrática (DA) para a formação de uma coalizão governamental, na medida em que se trata de um partido profundamete pró-imperialista, com uma plataforma que em quase tudo faz lembrar o programa dos opressores racistas. Gwede Mantashe, atual presidente do CNA, disse que é improvável uma aliança com os herdeiros do apartheid, embora o partido tenha ficado em segundo lugar, com 22% dos votos. Há uma enorme resistência nas fileiras do CNA contra qualquer acordo que venha desaguar em uma coligação com os representantes do capitalismo racista e explorador sul-africano. Vale destacar ainda que tanto a EFF como o MK (Zuma) defendem a apreensão de terras pertencentes a brancos e a nacionalização das minas do país, o que confronta diretamente com os grandes proprietários agrupados ou apoiadores da Aliança Democrática.
O calcanhar de Aquiles do CNA
Há trinta anos, ocorreram as primeiras eleições “livres” na África do Sul, com a participação dos partidos da oposição negra. Mandela havia sido libertado em fevereiro de 1990 depois que o imperialismo, os ingleses e os racistas sul-africanos, perceberam que sua permanência na prisão era por demais custosa e arriscada, podendo a situação na África do Sul evoluir rapidamente para uma rebelião generalizada das massas negras pauperizadas e semi-escravizadas. Uma vez em liberdade, a liderança do CNA candidatou-se às eleições para o cargo de presidente, não sem antes chegar a um acordo com os que comandavam o regime racista, onde, até então, a maioria negra estava excluída dos direitos mais elementares da cidadania, inclusive do direito ao voto.
Vitorioso nas eleições de 1994 – como era de se esperar -, Mandela e o CNA realizaram um governo de conciliação com a minoria branca, mantendo, em seus aspectos essenciais, todas as excludentes estruturas de poder e dominação que vigiam à época do regime de segregação racial contra a maioria negra, que o CNA dizia representar.
Obviamente que as coisas não permaneceram como eram antes com os racistas. Sob o governo do CNA, os negros foram integrados formalmente à sociedade, passando ao acesso e usufruto de direitos (frequentar lugares públicos antes reservados somente aos brancos; ir às praias; utilizar o transporte público junto com os brancos; matricular-se nas escolas públicas antes frequentadas somente pela minoria branca, etc) que por décadas lhes foram negados pelos segregacionistas.
Todavia, no que diz respeito ao acesso e desfrute da enorme e principal riqueza do país (terras férteis e minas), praticamente não houve avanços significativos, permanecendo a maioria negra alijada do progresso material gerado pela exploração desses recursos. O que se pode dizer é que a maioria negra sul-africana ainda vive sob “apartheid econômico”, 30 anos após a decretação do fim da segregação racial.
Isso se vê nas condições de vida dos negros, que, mesmo trinta anos depois do fim do apartheid, continuam tendo que enfrentar um conjunto de dificuldades que são motivados pela manutenção dos alicerces da dominação branca, do imperialismo inglês, da opressão capitalista, do regime de exploração contra a maioria negra do país.
Desta forma, o descontentamento da maioria negra em relação às suas expectativas com o governo de Cyril Ramaphosa aliado às condições de vida cada dia mais difíceis da maioria negra, tenha se expressado nessas eleições, com a perda da maioria parlamentar pelo CNA, até então imbatível nas eleições desde 1994, quando ascendeu à chefia do governo sul-africano.
A situação torna-se ainda mais delicada na medida em que o segundo partido mais votado nas recentes eleições foi a Aliança Democrática (22% dos votos), partido dos capitalistas proprietários das melhores terras e do parque mineral do país.