No artigo A falsa confusão entre Forças Armadas legalistas e militares golpistas, publicado no Brasil 247, o articulista Moisés Mendes procura defender a tese de que, embora houvesse militares “golpistas”, que estariam alinhados a um plano de golpe de Estado articulado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, as Forças Armadas, enquanto instituição, não poderiam ser consideradas “golpistas”.
Para embasar sua tese, o jornalista começa citando dois… golpistas! Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Nada mais conveniente, afinal, para essas figuras, que estiveram diretamente envolvidas com o golpe de Estado de 2016 e com a prisão do hoje presidente Lula, que negar que uma instituição possa ser considerada golpista!
Segundo Moisés Mendes, portanto:
“O ministro Luís Roberto Barroso repetiu o que seu colega Alexandre de Moraes já havia dito. Que as Forças Armadas não tiveram envolvimento direto na tentativa de golpe de 8 de janeiro.”
A única discussão que pode ser feita em relação aos acontecimentos de 8 de janeiro é se foi ou não uma tentativa de golpe de Estado. Uma manifestação de alguns poucos milhares de pessoas simples, desarmadas, que invadiram prédios públicos não é, obviamente, uma tentativa de golpe. Em nenhum momento houve uma tentativa real de depor o presidente da República ou de fechar alguma das instituições do Estado.
O objetivo da invasão das sedes dos Três Poderes foi o de desmoralizar o governo Lula, o de expor a sua fraqueza. Mostrar que é um governo com tão pouca autoridade perante o Estado que pode ser facilmente enganado. Neste sentido, a operação foi um sucesso e abriu o caminho para que o ano de 2023 fosse marcado por uma série de enfrentamentos da direita com o governo. O primeiro ano do governo Lula, afinal, foi marcado pela política do “toma lá, não dá cá”: por mais que Lula cedesse às chantagens do Congresso Nacional, pouco conseguiu avançar em sua política. O Banco Central, por sua vez, que guarda uma independência total do governo e do sufrágio popular, passou o ano inteiro sabotando as iniciativas do governo.
Dizer que não foi uma tentativa de golpe de Estado não significa, no entanto, isentar os militares. Quem mais teria organizado a operação de sabotagem ao governo? Quem abrigou os manifestantes nas portas de seus quartéis? Quem articulou as forças do aparato de repressão para que não agissem? A participação dos militares na invasão das sedes dos Três Poderes é tão evidente que até mesmo a esposa do general Eduardo Villas-Bôas, um dos mais importantes burocratas das Forças Armadas Brasileiras, foi vista na manifestação de 8 de janeiro.
Se a participação das Forças Armadas é tão óbvia, como os ministros do STF e Moisés Mendes querem, então, escondê-la? Ora, porque, segundo o jornalista, “dizer que as Forças Armadas não estiveram envolvidas no golpe não é, nem por leitura enviesada, o mesmo que afirmar que não existiram militares golpistas. Existiram muitos golpistas das Forças Armadas, pelo menos 22 de alta patente, segundo a CPI do Golpe. Se continuarem impunes, continuarão existindo, prontos para voltar a golpear”.
Será mesmo? Segundo tal ideia, haveria, dentro das Forças Armadas, uma divisão entre os militares “golpistas”, que teriam uma afinidade com Jair Bolsonaro, e os militares “legalistas”. Quem seria, portanto, da ala “legalista”? Seria, por exemplo, o comandante do Exército brasileiro, o general Freire Gomes, que não embarcou na “tentativa de golpe” de 8 janeiro. Caso tivesse embarcado, os manifestantes não estariam sozinhos em Brasília, mas ao lado de militares com armas na mão. E o que podemos dizer sobre esse grande “democrata”?
Segundo o depoimento de Mauro Cid, ao saber de um possível “plano do golpe”, ele não reportou a ninguém que o então presidente Jair Bolsonaro pretendia destituir os poderes constituídos, nem prendeu ninguém. Seria, portanto, um cúmplice.
A existência de uma ala golpista dentro das Forças Armadas não é o mesmo que você ter um grupo de funcionários em uma empresa pública que deseje um golpe de Estado. Se tem alguém que é capaz de executar um golpe de Estado, é justamente um setor das Forças Armadas.
Se existe tal ala golpista e uma ala não golpista, o esperado seria que a ala não golpista suprimisse a ala golpista. Que denunciasse as suas conspirações, que prendesse os seus membros, que alertasse o governo sobre os perigos que corre. Quem viu um único militar da alta cúpula das Forças Armadas fazê-lo? Pelo contrário: aqueles que não se envolveram diretamente com as manobras bolsonaristas, se calaram diante delas. E, hoje, pressionam para que não haja punição alguma para os envolvidos. As Forças Armadas, afinal, são uma grande burocracia, onde reina o corporativismo. O militar “golpista” é, antes de tudo, um militar, e não será entregue por seus colegas à toa.
A mesma coisa acontece com o Supremo Tribunal Federal. Ainda que em determinados momentos a burguesia escale algum ministro para ser a imagem pública de sua manobra, todos os ministros acabam sendo cúmplices de suas conspirações contra o povo. Neste sentido, no julgamento do Mensalão, que estabeleceu as bases para o atual regime golpista, a “cara” do processo golpista era Joaquim Barbosa, mas todos os ministros, na medida em que nada fizeram de efetivo para impedir o golpe, eram cúmplices.