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Teoria marxista

Para esquerdista, trabalhadores são culpados por sua opressão

Só os trabalhadores conseguem levar às últimas consequências a luta contra o obscurantismo e o atraso, defendido pela burguesia e por intelectuais pequeno-burgueses

O sociólogo português e professor da Universidade de Coimbra Boaventura de Souza Santos escreveu um artigo intitulado A sociedade do conformismo, publicado no último dia 29 no Brasil 247, onde distingue cinco tipos de indivíduos que, “por diversas razões, não estão interessados em lutar contra o status quo ou, se estiverem, não têm condições ou legitimidade para essa luta”. A saber, “o estranho, o desadaptado, o assimilado, o acédico, o obsoleto”. Os mais importantes de todos, no entanto, são homericamente ignorados por Santos: os dirigentes pequeno-burgueses das organizações de esquerda.

A política adotado pelo sociólogo ignora uma lei fundamental da sociedade, que estabelece serem as classes em disputa que travam a luta política, não indivíduos ou grupos de indivíduos. O que Boaventura de Souza Santos faz é o oposto, colocando grupos de indivíduos como protagonistas de um fenômeno que é, acima de tudo, resultado da luta de classes.

Levando-se a termo as colocações do acadêmico português, o impasse na luta entre a manutenção da exploração realizada pela burguesia e a libertação da classe trabalhadora, “estranhos”, “desadaptados”, “assimilados”, “acédicos” e “obsoletos” seriam os verdadeiros donos da história, os que uma vez inseridos na luta política, a destravariam, dando-lhe um desfecho. Elementos abstratos, desprovidos de classes e, portanto, de interesses definidos, seriam os agentes da mudança social real. É a adoção de uma concepção profundamente idealista do processo histórico.

Justamente por desprezar esse elemento classista da luta política, Santos acaba também escamoteando o papel das direções pequeno-burguesas, este, sim, fundamental para a despolitização denunciada. É muito fácil para o trabalhador e também para a juventude encaixar-se em qualquer um dos cinco grupos nomeados pelo professor.

Quando as tensões econômicas e sociais estão grandes, e o que a esquerda tem a oferecer às massas exploradas são lutas desconectadas do mundo real – como pronome neutro e o banheiro unissex -, o resultado é óbvio: nem a classe trabalhadora e tampouco a juventude se empolgarão. Quando nações oprimidas como a Venezuela se insurgem contra seus opressores imperialistas e essa insurgência, longe de ser apoiada, é atacada, como fez na última semana o PT, contribui-se com muito mais ênfase para o fenômeno analisado por Santos do que toda argumentação do acadêmico.

O mesmo pode ser dito da luta do povo palestino. Quando a esquerda abdica de chamar a população às ruas para expressar o repúdio contra os crimes de “Israel” e apoiar a luta revolucionária do Hamas, o resultado é exatamente o fenômeno identificado pelo professor. Em síntese, ao não apoiar e ainda atacar a ousadia dos oprimidos em agir contra seus opressores, o que a esquerda pequeno-burguesa produz é a apatia identificada.

A explicação para o que Santos analisa já foi reconhecida pelos trotskistas antes da primeira metade do século XX. Ao elaborar o Programa de Transição, que norteia os partidos da IV Internacional, Leon Trótski já denunciava o papel reacionário das direções pequeno-burguesas dos partidos do proletariado, apontando que “a crise histórica da humanidade reduz-se à crise da direção revolucionária:

As premissas objetivas da revolução proletária não estão somente maduras: elas começam a apodrecer […] O principal obstáculo na transformação da situação pré-revolucionária em situação revolucionária é o caráter oportunista da direção do proletariado, sua covardia pequeno-burguesa diante da grande burguesia, os laços traidores que mantém com esta, mesmo em sua agonia.

Boaventura, no entanto, como um autêntico acadêmico pequeno-burguês, foge dos elementos concretos da batalha política, buscando explicações alheias às classes sociais antagônicas para analisar um fenômeno que é, essencialmente, resultado da luta de classes. É, portanto, uma explicação idealista, tirada não do embate real entre trabalhadores e burgueses, mas dos preconceitos tipicamente pequeno-burgueses, como o de responsabilizar o povo ou os oprimidos pelos erros das direções das organizações de esquerda.

Ao fazê-lo, Santos exime os dirigentes da esquerda pelas derrotas políticas sofridas pelo campo, e consequentemente, pelas vitórias da extrema direita, seja em Portugal, seja no Brasil. Não seria (levando-se a sério as colocações do professor universitário) por responsabilidade da política desorientadora dos “sábios” esquerdistas que os trabalhadores são derrotados e os fascistas se fortalecem, mas por responsabilidade dos próprios trabalhadores. Uma concepção tão reacionária, naturalmente, não poderia sair de outra classe social, mas da própria pequena burguesia.

Ao final, como que para confirmar que sua tese é decididamente uma meditação reacionária, Santos entra em um estranho debate sobre um suposto potencial apocalíptico da inteligência artificial (IA), grande avanço tecnológico desta década e que tem suscitado toda sorte de indagações reacionárias por parte da pequena burguesia. Seguindo uma tendência típica da burguesia, que se vê ameaçada por cada progresso mínimo (e de fato é, como comprova a Internet e as redes sociais), a pequena burguesia se dedica a reproduzir os dramas burgueses diante de avanços que, aos trabalhadores, significam aumento da produtividade e alívio do fardo do trabalho, permitindo aos operários fazer mais com menos.

Pessoas verdadeiramente interessadas na superação do atraso e na melhoria das condições de vida da população jamais tratariam o progresso sob termos como “a revolução da IA cria o problema da obsolescência dos humanos”. Que o proletariado não espere, porém, preocupação sincera da pequena burguesia com o progresso, seja em seu aspecto político (isto é, o avanço para o socialismo pela derrubada revolucionária do capitalismo) ou mesmo técnico. Só os trabalhadores conseguem levar às últimas consequências a luta contra o atraso, defendido também pela pequena burguesia, como expressa Santos.

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