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José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

Coluna

Os colossais desafios do Brasil no cenário econômico

"A política colocada em marcha na Argentina, país que estão literalmente 'depenando' em tempo recorde, é caso mais extremo, neste momento, da agressividade imperialista"

O Brasil não viveu nem a primeira, nem a segunda revoluções industriais. O país irá se desenvolver industrialmente apenas com a grande crise capitalista de 1929, que coincide com a revolução de 1930, liderada por um dos políticos mais importantes da história do Brasil. Getúlio Vargas estruturou o Estado brasileiro, criou os principais ministérios, direitos sociais mínimos, a CLT, a estrutura sindical etc. Além disso, fundou empresas estratégicas, começando pela Vale do Rio Doce, em 1º de junho de 1942. Na Carta Testamento, deixada por Getúlio por ocasião do seu suicídio em 1954 (que derrotou o golpe de Estado em curso), estão mencionadas a Petrobrás (criada no ano anterior, com forte apoio do movimento de massas) e a Eletrobrás, que vinha tentando concretizar e que foi criada em 1962. Além de outras iniciativas, como a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, a Fábrica Nacional de Motores e a Fábrica Nacional de vagões. Tinha criado também, um ano antes da Petrobrás, o BNDES (inicialmente, BNDE).

Getúlio assentou as bases para o desenvolvimento industrial do Brasil, aproveitando uma conjuntura internacional que requereu políticas de substituição de importações. Quando Juscelino Kubitschek, assume em 1956, em meio a um intenso debate entre liberalismo versus desenvolvimentismo, já estavam pavimentadas as bases para o desenvolvimento industrial. Isso possibilitou a realização do Plano de Metas de JK, sob o slogan “50 anos de progresso em 5 anos de realizações”. 

A visão de construção do Estado, de Getúlio Vargas, a partir de um conjunto de ações concretas, possibilitou que entre 1930, até o início da “década perdida” em 1980, nenhum país do mundo tivesse crescido tanto quanto o Brasil. O país, que até a revolução de 1930, era uma espécie de “grande fazenda”, chegou em 1980 com cerca de 30% do PIB nacional sendo produzido pela indústria. Foi um salto de desenvolvimento, alavancado pela indústria e por políticas públicas em direção à construção do Estado nacional. 

O advento do neoliberalismo no mundo, e os frutos do Consenso de Washington em 1989, levou à devastação das economias do chamado Sul Global. Uma das lições mais fortes desse período, foi a de que os países que enfrentaram mais positivamente o processo, possuem algumas características em comum: mantiveram um Estado indutor do desenvolvimento; operaram uma relação mais criativa com o setor privado; preservaram suas empresas públicas em setores fundamentais da economia; não se sujeitaram à dinâmica da financeirização imposta pelo capital financeiro; mantiveram uma preocupação com o desenvolvimento, isto é, trataram de distribuir pelo menos em parte os frutos do crescimento entre a população. 

Há cerca de uma década os países em geral voltaram a ter políticas industriais, obviamente com muitas peculiaridades. Os países ricos, privilegiando mecanismos como subvenções a setores da indústria, financiamento público subsidiado e apoio estatal em geral. Nos países subdesenvolvidos, os mecanismos mais comuns de incentivo à indústria têm sido a aplicação de tarifas de importação, empréstimos públicos e políticas de incentivos fiscais. 

O debate sobre ter ou não política industrial praticamente já não mais existe, há uma compreensão geral entre os países que esse tipo de política é uma questão de sobrevivência dos países. A discussão mais comum hoje é sobre qual política industrial deve ser encaminhada. Ou seja, como realizar uma política dessa natureza em meio a 4ª Revolução Industrial, como evitar os erros cometidos nas políticas anteriores e assim por diante. O economista Aloísio Mercadante, presidente do BNDES, ponta de lança desse debate no interior do governo federal, aponta dois grandes desafios para a indústria neste momento: 1º) ingressar na era digital. Este é um requisito fundamental, pois a inteligência artificial (IA), já está dominando muitos setores e esse processo deve se acelerar, provocando uma verdadeira revolução na economia e sociedade; 2º) aquecimento global. O mundo vai ter que dedicar cada vez mais pesquisa e investimento para enfrentar esse problema, cada vez mais confirmado pelas pesquisas. 

O Brasil se depara com esses dois grandes desafios, em meio a um processo significativo de desindustrialização, que vem da década de 1980, além de outros problemas estruturais fundamentais. Porém, dispõe de algumas vantagens para enfrentar o desafio, a começar do fato de que é o maior exportador de alimentos do mundo. Não é o maior produtor, mas é, de longe, o maior exportador de alimentos do mundo, o que situa o país em forte posição econômica e geopolítica. Uma outra grande vantagem geopolítica do Brasil é a que, em meio a um mundo em conflagração, com vários focos de guerra, o país faz parte de um grupo muito seleto, sem inimigos e com boas relações com todos os países do planeta. 

A retomada da indústria é crucial para o desenvolvimento. Do golpe de 2016 até 2021, a economia cresceu meros 0,23% ao ano, o que levou a uma queda do PIB per capita no período. O crescimento em 2020 e 2021, somado, foi de apenas 0,7%. Em 2022 e 2023 a economia cresceu em média 3%, importante, porém insuficiente para as necessidades do país, no qual os salários são muito baixos e uma parcela da população passa fome. A retomada do crescimento em bases sólidas é um pressuposto, por exemplo, da geração de empregos formais, tarefa que também se faz importante no país. Retomada do desenvolvimento implica em recuperar imediatamente o mercado consumidor interno, elevando o consumo de massa e perseverando, com força, na política de aumentos reais do salário-mínimo (o salário-mínimo teve ganho real de 4,57% com o último reajuste, em janeiro de 2024). 

É essencial também desencadear um amplo programa de recuperação da indústria e inovação no país, que envolva empresas estatais, financiamento, compras estatais, investimentos em tecnologia, qualificação da mão de obra, infraestrutura. A melhoria do perfil de distribuição de renda deve vir acompanhada de esforços para elevação da competitividade da economia. O que pressupõe políticas de defesa da indústria nacional. Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram que o percentual de importados foi 25,9% do total em 2022, a maior participação nas últimas duas décadas. Evidente, que as políticas para enfrentar esse problema são amplas, pois ele está relacionado com a questão tributária, com o alto custo do capital, com as altas taxas de juros e com a perda de competitividade em função das deficiências na infraestrutura.  

Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), o calçado chinês entrou no mercado brasileiro em 2023, com preço 12% inferior (em US$), ao preço praticado antes da pandemia. Segundo a Associação, os calçados chineses chegam ao mercado brasileiro a um custo de cerca de US$4. É certo que medidas isoladas e eventuais, não darão conta de enfrentar uma agressividade comercial dessa magnitude. 

A implementação de uma política industrial efetiva, e tantas outras essenciais que estão relacionadas, não depende apenas de competência e decisão técnica. Ademais, o encaminhamento de tais políticas implica na retomada do papel que foi retirado do Estado brasileiro, nas últimas décadas, de indutor do desenvolvimento. A situação conjuntural atual é muito frágil, o governo Lula conseguiu poucos avanços em termos de política econômica. O que ainda torna a situação, por enquanto, relativamente acomodada, é que a inflação está no momento sob controle, encerrou 2023 em menos de 5%, a taxa de desemprego ficou próxima de 7%, e o crescimento chegou a cerca de 3%. Ademais, o câmbio se manteve estável e o Brasil terminou o ano com o maior superávit comercial das últimas décadas, o que foi fundamental para o equilíbrio no balanço de pagamentos. 

As ações econômicas que o governo conseguiu desenvolver, com destaque para o estabelecimento do Novo Marco Fiscal, interessa também à burguesia, ou seja, o governo Lula conseguiu encaminhar algumas pautas importantes, sem entrar em trajetória de colisão com os setores dominantes do empresariado. Isso revela, por um lado, a própria natureza da coalização ampla, mas também um governo extremamente pressionado, que não conseguiu encaminhar medidas que realmente fariam a diferença para a maioria da população. Exemplo: não foram desenvolvidas ações políticas para a reestatização da Eletrobrás, cuja privatização foi um verdadeiro crime de lesa-pátria. Uma Eletrobrás pública seria fundamental para a oferta de energia a preços compatíveis e para a retomada da indústria no país. 

O Brasil tem outra questão fundamental, a qual o governo atual nem tentou enfrentar, que é o “saco sem fundos” do pagamento dos juros da dívida pública, um dos maiores processos de extorsão de dinheiro público existente no mundo. Em 2023 as despesas com juros totalizaram R$ 718 bilhões, ou 6,6% do PIB. Apesar do gasto exorbitante com juros, a dívida do setor público consolidado registrou alta de 2,7 pontos percentuais do PIB no ano passado, alcançando 74,3% do PIB, o equivalente a R$ 8,07 trilhões. Como consequência destes gastos, o resultado nominal do setor público consolidado, que inclui o resultado primário e os juros nominais pagos, foi deficitário em R$ 249 bilhões, 2,29% do PIB. Apesar dos pagamentos destes valores estratosféricos, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) – que inclui Governo Federal, INSS e governos estaduais e municipais – atingiu 74,7% do PIB (R$7,9 trilhões).  

A previsão de crescimento para a América Latina, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), é de apenas 1,9% para 2024, um crescimento inferior ao de 2023, de 2,4%. Para a América do Sul, segundo a Cepal, o crescimento será ainda mais baixo que a média da Região: 1,4%. América Central e México devem crescer 2,7% (contra 3,5% em 2023) e Caribe (sem Guiana), 2,6% (contra 3,4% em 2023). Nos países subdesenvolvidos, o desafio de desenvolver o país, pressuposto fundamental para garantir qualidade de vida para suas populações, depende de decisões políticas cruciais e da chamada correlação de forças. O problema atual do Brasil, assim como dos países atrasados em geral, não é uma mera dificuldade no ciclo de crescimento, de baixa na atividade econômica. Na realidade, esses países enfrentam uma verdadeira guerra econômica, extremamente feroz, com origem nos países imperialistas.  É uma guerra econômica, uma política deliberada de liquidação da economia de alguns países, visando, inclusive, reduzir parte das forças produtivas e o “excesso” de mercadorias ao nível internacional. 

O Brasil tem uma população muito pobre, com quase 10 milhões de desempregados, e quase 4 milhões de desalentados, que nem mesmo entram nas estatísticas de desemprego, porque desistiram de procurar emprego. Esses brasileiros conseguem consumir apenas o mínimo para sobreviver, gerando o gargalo do subconsumo na sociedade. Como o Brasil, entre os países atrasados, é um dos mais industrializados ainda, apesar de todo o processo de recuo da indústria nos últimos anos, ele é atacado com muita ferocidade. O sonho dos países imperialistas é converter o Brasil, em definitivo, em um exportador de matérias-primas e em uma base sobre a qual as companhias estrangeiras possam explorar seus negócios, aproveitando a abundância de recursos naturais, como petróleo e água, e uma população super explorada, acostumada a baixos salários, na qual uma parcela significativa depende de auxílio público para não morrer de fome. 

O processo de crise mundial da economia, vem acompanhado de grande concentração da riqueza, como mostrou um relatório da Oxfam, divulgado em janeiro de 2024. Segundo o documento, as fortunas dos cinco homens mais ricos do mundo aumentaram 114% desde 2020, ao mesmo tempo em que quase cinco bilhões de pessoas se tornaram mais pobres no mesmo período. A concentração inédita da renda e da riqueza, é uma dimensão do agravamento da crise política e econômica dos países imperialistas. Outra dimensão da crise é o aumento da agressividade contra as economias subdesenvolvidas e seus recursos fundamentais, como petróleo, metais, terras raras, água etc. 

A política colocada em marcha na Argentina, país que estão literalmente “depenando” em tempo recorde, é caso mais extremo, neste momento, da agressividade imperialista. Mas a crise econômica e política impacta toda a América Latina. Seria muita ingenuidade supor que política semelhante à que está sendo operada na Argentina não possa ser desenvolvida no Brasil, assim que a oportunidade política e econômica se apresentarem. É nesse marco geral de conjuntura, bastante adverso, que se apresenta o desafio da retomada da indústria no País.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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