Nos últimos dias, vários artigos na imprensa burguesa procuram apresentar as supostas grandes descobertas feitas pela Polícia Federal (PF) no que diz respeito a um suposto plano para um golpe de Estado. A Operação Tempus Veritatis, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), também já foi responsável pela prisão do coronel do Exército Bernardo Romão Corrêa Neto e do presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar da Costa Neto, pela apreensão do passaporte do ex-presidente Jair Bolsonaro e por mandados de busca e apreensão contra ex-ministros do governo Bolsonaro.
Embora as investigações ocorram sob sigilo, várias informações têm sido divulgadas, o que vem sendo criticado por especialistas em direito penal. Afinal, é o juiz quem controla o que é sabido ou não pelo público, um problema principalmente em um caso de interesse público, uma vez que se trata de um ex-presidente da República. Esse procedimento é típico de processos jurídicos em que há um interesse político por trás. Isto é, em que se usa de informações parciais para que uma determinada pessoa seja pré-julgada pela opinião pública.
Em artigo publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, o advogado Nicolau da Rocha Cavalcanti afirma que:
“Essa divulgação seletiva é muito útil para gerar determinadas impressões na sociedade, mas é muito prejudicial para um processo judicial adequado, apto a pacificar os conflitos sociais. É como se a própria Justiça estimulasse juízos parciais pela população, com condenações imediatistas, que eliminam, na prática, a presunção de inocência. Nas palavras de Vittorio Manes, professor da Università di Bologna, o acusado torna-se um ‘culpado aguardando julgamento’.”
Não à toa, o mesmo jurista compara os métodos de Alexandre de Moraes, juiz responsável pelas investigações, com os de Sergio Moro, juiz da Operação Lava Jato, que, comprovadamente, utilizou seu poder para atingir um desafeto político, o hoje presidente Lula.
Todas as informações divulgadas vêm sendo utilizadas pela imprensa capitalista com o objetivo de “montar um quadro”: o de que o ex-presidente Jair Bolsonaro teria cometido um grave crime e que, portanto, deveria ser preso, junto com uma série de aliados.
Essa tentativa da imprensa de incriminar Bolsonaro dispondo tão somente daquilo que foi liberado por Alexandre de Moraes pode ser visto no artigo Pistas da PF mostram que apuração sobre golpismo precisa ir fundo em segredos militares, de Malu Gaspar, publicado por O Globo.
Segundo Gaspar, “algumas perguntas começam a ser respondidas com as revelações da operação sobre o ex-presidente, seus ministros militares e outros 13 oficiais envolvidos no planejamento do golpe. O pouco que veio à tona, porém, foi suficiente para demonstrar quão profundo é o baú de segredos dos militares”.
A articulista segue, então, afirmando que “fica patente no enredo traçado pela PF que uma das razões por que a ‘virada de mesa’ não prosperou foi a resistência de dois comandantes em aderir a ela — o general Freire Gomes, que Walter Braga Netto chama de ‘cagão’ nas mensagens captadas pela PF, e o brigadeiro Carlos Baptista Júnior, a quem os golpistas se referem como ‘traidor da pátria’”.
Malu Gaspar, então, conclui dizendo que “enquanto não se souber ao certo o que ocorreu nos bastidores da relação de Bolsonaro com as Forças Armadas, nunca poderemos medir quão legalistas foram nossos militares e quanto dependemos do Supremo para conter o golpismo. Os golpistas podem até ser condenados e presos, mas um capítulo importante da História permanecerá nas sombras”.
O artigo é esclarecedor em como as informações vazadas estão sendo utilizadas para um julgamento político. Gaspar já afirma, de imediato, que houve uma tentativa de golpe de Estado, como se fosse algo incontroverso. Sendo que, até agora, nenhuma prova substancial da tal tentativa foi apresentada. Em seguida, ela também dá como certo que o ex-presidente teria participado da tentativa.
A conclusão de Malu Gaspar também tem um sentido político muito claro. Ao indicar que o Brasil por pouco não foi vítima de um golpe, a articulista está, no final das contas, promovendo aqueles que teriam “evitado” o golpe. Isto é, o Supremo Tribunal Federal.
Mas afinal, por que há tanto interesse da imprensa capitalista em afirmar que houve um golpe, que Bolsonaro seria responsável por ele e que o STF teria salvo 215 milhões de brasileiros? Por que haveria tal interesse, ainda mais levando em consideração que o mesmo jornal O Globo apoiou o golpe militar de 1964, se projetou durante a ditadura das Forças Armadas e foi peça central no golpe de 2016?
Ora, porque a discussão nada tem a ver com salvar a “democracia”. O interesse de O Globo, assim como o do STF e o da PF, é enfraquecer o bolsonarismo a qualquer custo, tenha Bolsonaro cometido crime ou não, tenha tentado dar um golpe de Estado ou não. A preocupação não é com o crime, mas sim com o criminoso. E é justamente por isso que o processo como um todo não tem qualquer preocupação legal. O objetivo não é garantir um processo justo, mas sim garantir a condenação de Bolsonaro.
É exatamente o mesmo que aconteceu com Lula durante o processo do golpe de 2016. Na época, vale lembrar, Lula não era presidente, nem ocupava um cargo relevante. A presidenta da República era Dilma Rousseff.
Mas por que a Lava Jato se concentrou em prender Lula, e não a presidenta que seria derrubada? Por causa da força política do atual presidente. Lula é uma liderança de massas, que é capaz de desequilibrar o regime político. É uma pessoa, portanto, indesejada para o regime, pois é capaz de oferecer grande resistência aos interesses dos grandes capitalistas.
Bolsonaro é um político muito diferente de Lula. É de direita, tem uma ideologia de tipo fascista e não é uma liderança do movimento operário. No entanto, é o político brasileiro com maior base social após o atual presidente. É, portanto, também um elemento indesejado, pois também é capaz de oferecer resistência às necessidades do grande capital.
Se hoje a perseguição a Lula está adormecida, isso se dá apenas por uma série de questões conjunturais. Lula, ainda que tenha como programa o oposto do que defendem os jornais do imperialismo, tem sua política represada por toda a amarra institucional erguida após o golpe de 2016. Bolsonaro, por sua vez, ainda que não tenha interesses anti-imperialistas como Lula, tem, neste momento, muita força no regime. E essa força só tende ao crescimento.
Em entrevista recente, Valdemar Costa Neto afirmou que pretende conquistar mil prefeituras. Se conseguir esse feito, o PL, partido de Bolsonaro, será o partido com mais prefeituras no Brasil. O PL é também o partido com mais deputados federais. O bolsonarismo é uma força que veio para ficar no regime político e cresce justamente na medida em que os representantes tradicionais do grande capital entram em falência. O crescimento do bolsonarismo é diretamente proporcional à desgraça do PSDB, do União Brasil e mesmo de partidos burgueses mais esquerdistas, como o PDT e o PSB.
É dessa preocupação que vem a ofensiva policial e jurídica contra o bolsonarismo. É uma tentativa não de liquidar Bolsonaro, pois a própria burguesia sabe que é impossível e sabe que ele é um aliado necessário contra o PT, mas uma tentativa de aumentar o controle da direita “civilizada” sobre ele. Concretamente, uma tentativa de jogar a opinião pública contra Bolsonaro na esperança de que isso diminua a votação dos bolsonaristas nas eleições municipais.
As eleições municipais sempre foram uma etapa importante das eleições presidenciais. Caso a direita tradicional, que controla o STF, a Polícia Federal e a grande imprensa, consiga crescer nas eleições deste ano, represando o crescimento do bolsonarismo, poderá sonhar com um candidato presidencial da “terceira via” em 2026. Caso contrário, Bolsonaro pode inviabilizar por completo os planos do imperialismo e forçar uma reedição das eleições de 2022, que foram polarizadas entre ele e Lula.