Absurdo! Governo renova contrato com distribuidoras de energia sem ônus para as mesmas e sem fazer nova licitação após 30 anos de evidente e total deficiência do serviço prestado e aumentos exorbitantes das tarifas.
O Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou em 22/06/2023 a abertura de consulta pública por 30 dias para discutir propostas de diretrizes para a renovação de concessões de 20 distribuidoras de energia elétrica, privatizadas em meados da década de 1990, cujos contratos de concessão terminam entre 2025 e 2031. As distribuidoras respondem por 62% do mercado nacional e atendem 55,6 milhões de consumidores, com receita bruta de R$ 168 bilhões. Essa consulta pública foi convenientemente ocultada dos consumidores e se encerrou no dia 24 de julho do ano passado.
O governo Lula tinha a obrigação de ter divulgado amplamente esta consulta pública e mesmo mobilizado a população para isso. Mas não fez nada. Agora se sabe por quê. O governo Lula tinha várias opções para fazer a redefinição das concessões. Não tinha nenhuma obrigação de renovar as concessões, pois as atuais distribuidoras privadas provaram ser a privatização um grande erro e um absurdo completo para um governo que diz ser de esquerda e sensível aos problemas enfrentados pelos trabalhadores no dia a dia. Assistimos nos últimos meses a demonstração dos problemas criados pela privatização. Bastaram algumas chuvas mais fortes para que o fornecimento em São Paulo, fosse interrompido por vários dias em novembro de 2023. A própria Enel, empresa responsável pelo péssimo serviço de fornecimento de energia para alguns municípios do estado de São Paulo, informou que 2,1 milhões de clientes ficaram sem energia por cinco ou mais dias, dependendo da região. Três dias após o temporal, 500 mil imóveis da Região Metropolitana ainda estavam sem energia. Porque houve tanta pressa do MME decidir pela renovação das concessões? Por lei o MME, que representa a União como poder concedente,
tem um prazo de 18 meses para responder a essas empresas se vai manter ou não a concessão. O governo teria as seguintes opções:
1) Não renovar as concessões e reestatizar a concessão, sem conceder qualquer indenização às atuais empresas. É o que o governo deveria fazer, pois no mundo inteiro os governos estão reestatizando as distribuidoras de energia elétrica porque elas não deram certo, aumentando as tarifas e precarizando a oferta dos serviços. Poderia também manter uma participação majoritária e a gestão do serviço, com alguma participação do capital privado.
2) Manter a privatização, mas fazer nova licitação com cláusulas expressas de possível cassação da concessão a qualquer momento se as empresas não garantissem um serviço adequado.
3) Renovar a concessão com a mesma empresa, mas por período menor, e cláusulas expressas de fornecimento de serviço adequado com possibilidade de multas e até a cassação da concessão. Nessa opção ele poderia exigir uma renovação onerosa, prevista na lei, que exige um pagamento de bônus pelas concessionárias.
4) E pior: o governo Lula, na pessoa do ex-delegado de polícia Alexandre da Silveira, que atua como “Ministro” das Minas e Energia, optou pela renovação do contrato de concessão sem debater nada disso com os consumidores, para o que tinha o prazo de 18 meses fixado em lei, e sem exigir nenhum contrapartida. As empresas estatais de energia dos Estados foram privatizadas no Governo Fernando Henrique Cardoso, e o prazo de 30 anos foi estabelecido para impedir que as privatizações fossem revertidas nos governos seguintes, principalmente nos governos Lula 1 e Lula 2. Esses contratos estão finalmente chegando ao fim a partir de 2025.Não há qualquer obrigação do governo atual de renovar os contratos de concessão por mais 30 anos. Por lei, as atuais controladoras dessas empresas têm 36 meses para manifestar interesse em assinar novos contratos. É lógico que todas elas querem continuar a explorar um serviço de tal importância para a população e para as outras empresas, fornecido de forma totalmente precária, sem
mão de obra especializada para isso, a grande parte demitida na privatização, e com total desrespeito aos consumidores.
O MME ameaçou exigir contrapartidas sociais para renovar os contratos das empresas, mas condicionou isso à comprovação, pelas próprias distribuidoras, de que não existe “excedente econômico” na prestação do serviço. O excedente econômico é um conceito segundo o qual a concessionária tem ganhos econômicos maiores do que previstos na exploração da concessão. Ou seja, a empresa não só é considerada economicamente equilibrada como tem receita acima da considerada adequada. Assim, o próprio governo propôs uma metodologia para medir a eventual existência de “excedente econômico” que, se verificado, será convertido para a apresentação das contrapartidas sociais. É também evidente que as empresas não vão assumir que tiveram “lucros extraordinários” que são uma característica dos grandes monopólios que, neste caso, foi criado pelo próprio governo. O fato de que não há chance de a energia ser oferecida sob regime de livre concorrência se dá pela própria característica do setor de distribuição de energia elétrica, o que torna totalmente inaceitável que ele trabalhe através de empresas
privadas.
A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), que reúne todas as empresas privadas do setor, logicamente que não admite há excedente econômico com a alegação que ele seria absorvido nas revisões tarifárias periódicas, o que é uma mentira pura e simplesmente. A tarifa da EDP – Espirito Santo foi reajustada em agosto de 2022 em 9,54%. Já a tarifa da ENEL – Distribuição Rio foi reajustada em março de 2022 em 17,39%. E em março de 2022 também foi feito a revisão tarifária periódica da Light -Rio em 15,41% Todos este índices estão muito acima da inflação no período. A revisão tarifária periódica, é realizada de quatro em quatro anos, e é diferente do reajuste anual. Quando há revisão tarifária periódica, não há reajuste anual de tarifas. E muito significativo que a distribuidora mineira, que é a estatal CEMIG, reajustou em apenas 5,22% as suas tarifas em 21 de Junho de 2022.
A cronologia do vencimento de contrato de concessões
O governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), de 1995 a 2002 se vendeu totalmente ao imperialismo, os tucanos queriam ficar por várias décadas no governo. A Vale do Rio Doce foi vendida pelo valor total equivalente a um trimestre de lucros da estatal e o mesmo ocorreu com as outras empresas. O compromisso com a implementação da agenda neoliberal no Brasil, se baseou na política do imperialismo para a América Latina, chamada apropriadamente de Consenso de Washington. Entre 1991 e 2002, foram privatizadas 165 empresas estatais, todas a preço de banana da época, que eram muito mais baratas que hoje. A privataria no setor de distribuição de energia elétrica foi uma maravilha para os governantes de então, que venderam as empresas com muito estardalhaço. A chamada reforma do setor elétrico rendeu logo em seguida uma série de apagões e o governo impôs um racionamento duríssimo, fazendo os consumidores pagar caro pela irresponsabilidade de FHC e seus asseclas. .O processo fez a chamada a desverticalização, isto é, a separação das atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização. Não tiveram, no entanto, coragem de privatizar a Eletrobras o que fez com que se conseguisse recuperar o setor já durante o Governo Lula, que manteve o projeto neoliberal com algumas mudanças .
A privatização abrangeu todo o setor, que hoje é dominado por multinacionais poderosíssimas, tanto na geração como na transmissão e distribuição. O País perdeu sua soberania sobre um setor fundamental da economia, que hoje funciona sob a lógica da operação privada do sistema. Com a privatização da Eletrobrás no Governo Bolsonaro acabou definitivamente qualquer controle estatal sobre o setor. O Ministério das Minas e Energia, na atual gestão, está totalmente dominado pelas empresas do setor, com uma honrosa exceção da Petrobras, que se recupera com dificuldade da tentativa de esquartejamento levada a cabo por Bolsonaro.
A primeira privatização no setor elétrico ocorreu em 1995, com a transferência do controle da Escelsa, atualmente Energia de Portugal (EDP) -Espírito Santo. Isso virou a grande piada da época: tínhamos voltado ao período colonial, devolvendo parte do Brasil para Portugal! Foi essa opção por uma reforma “rápida e profunda “ do setor elétrico, copiando as experiências liberais de outros países, que provocou uma grande bagunça na coordenação e
planejamento do setor.
A grande desculpa para as privatizações era o enorme valor da dívida pública do Brasil, que estava em 1994 em R$ 153,2 bilhões em 1994. Pois bem, por uma série de passes de mágica, o governo FHC aumentou a dívida para gigantescos R$ 850 bilhões em 2002. Os setores mais atingidos pela privatização foram o de telecomunicações, o de distribuição de energia elétrica, o financeiro, de transportes, rodoviário e o da mineração. Várias empresas multinacionais aumentaram de forma barata o seu patrimônio, que foi construído por décadas pelos brasileiros, que ficaram muitas vezes mais pobres. Por isso mesmo é que a primeira concessionária a vencer sua concessão é a EDP
Espírito Santo, cujo contrato termina em junho de 2025. Essa empresa é originalmente uma estatal portuguesa, mas foi privatizada e seu capital pertence, além do de origem portuguesa vários grupos estrangeiros. As empresas não portuguesas que participam do capital da EDP são:
China Three Gorges Corporation – empresa estatal chinesa 20,86% do capital, Oppidum Capital, S.L.:, espanhola, 6,82% do capital, BlackRock, Inc , fundo norte-americano 6,82% do capital, Senfora , fundo IPIC de Abu Dhabi 4,06% do capital, Sonatrach estatal da Argélia, 2,38% do capital, Qatar Investment Authority: 2,27% do capital, Norges Bank, capital Banco Central da Noruega 2,23% do capital.
O cronograma de término da concessão das empresas privadas de distribuição de energia no Brasil é:
A Coelba (BA), CPFL Distribuição (SP), RGE Sul (RS), Energisa Mato Grosso do Sul (MS), Energisa, Energisa Sergipe (SE) e Cosern (RN) vencem a concessão em diferentes meses de 2027 A Enel Ceará (CE), Enel São Paulo (SP), Equatorial Pará (PA), Elektro Redes (SP e MS), CPFL Piratininga (SP), EDP São Paulo (SP), vencem a concessão em diferentes meses de 2028. A Energisa Borborema (PB), Celpe (PE) e Equatorial Maranhão (MA) vencem a concessão em diferentes meses de 2030 A Energisa Paraíba (PB): vence a concessão em março de 2031.
Estas empresas , com exceção da Energisa, são controladas em maior ou menor grau por empresas estrangeiras de vários países. A Coelba é uma empresa do grupo Neoenergia, subsidiária do grupo espanhol Iberdrola. A CPFL e a RGE Sul fazem parte do Grupo CPFL, que é controlado pela State Grid Corporation of China. A Enel é uma multinacional italiana que controla o setor elétrico italiano. A Enel foi estatal até 1992, quando foi privatizada. As empresas Cosern, Elektro Redes e Celpe são empresas do grupo Neoenergia, subsidiária do grupo espanhol Iberdrola. A Energisa é uma holding brasileira, controlada pela Gipar S.A. A Equatorial é de propriedade dos fundos financeiros Squadra (8,9%), Opportunity (6,6%) (brasileiros) e Black Rock (5,1%) (norte-americano) e 71,7% de investidores diversos.
Mais Escândalos
O primeiro escândalo é que o MME chegou a propor a apresentação, pelas distribuidoras, de “contrapartidas sociais”, que resultariam em maior eficiência energética e em ações que beneficiem consumidores de baixa renda. O próprio MME parece ter aberto mão dessas contrapartidas para que os recursos existentes fossem revertidos reduzir o preço das tarifas cobradas pelas concessionárias. O segundo escândalo é que, se não houver renovação da concessão, a União terá que ressarcir as concessionárias por investimentos em ativos que ainda não estejam totalmente amortizados. O que é um absurdo porque esses investimentos foram feitos com base nos enormes lucros que estas concessionárias tiveram ao longo de 30 anos, com recursos cobrados do consumidor. O terceiro escândalo é o maior de todos. O próprio MME afirma que a prorrogação da concessão é uma opção do poder concedente, a ser apreciada sob a ótica do interesse público, não constituindo um direito para os atuais concessionários. No entanto o MME não só renovou sem discussão nenhuma com a comunidade como estará promovendo uma RENOVAÇÃO ANTECIPADA das concessões da EDP Espírito Santo, Light e Enel, que venceriam somente entre 2025 e 2026. A única coisa que as concessionárias terão de fazer é aceitar as condições finais em 30 dias após a Aneel publicar a versão final dos contratos e as contrapartidas de investimentos.
O quarto e último escândalo é que o MME propõe que as distribuidoras participem da chamada “transição enérgica”, passando a fornecer energia baseada em fontes renováveis por meio de painéis solares. Muito bem, quer dizer que as empresas vão desembolsar recursos próprios para fazer estes investimentos. Nada disso. O MME propõe a criação de incentivos para a realização de investimentos em modernização de rede com os gastos sendo incluídos nas revisões tarifárias periódicas que as distribuidoras realizam obrigatoriamente cada quatro ou cinco anos. Isso quer dizer que esses investimentos vão ser cobertos com o aumento do preço das tarifas!
É preciso que os trabalhadores, que estão enfrentando frequentes interrupções no fornecimento de energia elétrica e aumentos absurdos das tarifas, reajam e impeçam que estes crimes do MME continuem a ser realizados contra todos, de forma silenciosa e cúmplice com as grandes multinacionais que exploram o serviço.
A ameaça de privatização da CEMIG em Minas Gerais
O governo de Minas Gerais vem fazendo pesadas ameaças de privatização da empresa de distribuição elétrica de Minas Gerais. A empresa é muito eficiente no seus serviços, é lucrativa e não há razão concreta econômica para privatizá-la, apenas a ideologia do governador. A ideia seria acabar com o atual controle do Estado de 50,97%, das ações ordinárias da empresa, acabando com as ações preferenciais e transformando todas as ações em ordinárias , reduzindo a participação do Estado a apenas 17,04% do total. No entanto, apesar de continuar a ser o acionista principal, o estado deixaria de controlar a empresa. O controle seria distribuído entre os acionistas, que escolheriam o Conselho Administrativo, responsável pelas decisões estratégica da empresa. A proposta tem sido rechaçada pelo conjunto da população do Estado, que não querem ter frequentes cortes de energia elétrica e altos preços de tarifas como os consumidores das empresas privatizadas de outros Estados. Mas não é só isso: a empresa sempre foi um fator impulsionador do desenvolvimento industrial do Estado e tem um papel estratégico na economia de Minas Gerais.
Atualmente, a Constituição do Estado de Minas Gerais exige um referendo para aprovar a privatização de empresas públicas como a CEMIG. O Governador Zema apresentou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no. 24/23-08-2023, que visa desobrigar o estado de realizar um referendo popular sobre as desestatizações. Para ele , a participação popular “é um perigo”, como declarou ano passado à imprensa local. Para que ela seja aprovada, são necessários votos favoráveis de três quintos dos deputados. É uma grande batalha do povo mineiro impedir que mais um roubo seja cometido contra o patrimônio publico do Estado, como aconteceu em grande parte do país.