Em mais uma tentativa dos cúmplices do assassinato de crianças na Faixa de Gaza de invalidar os argumentos daqueles que se opõem aos crimes de “Israel”, o portal The Australia/Israel & Jewish Affairs Council (AIJAC) publicou o artigo O anti-sionismo é uma ideologia abominável, independentemente do antissemitismo. No texto, Oved Lobel procura se contrapor a alguns dos argumentos que são constantemente levantados por aqueles que defendem o fim da entidade sionista estabelecida em 1948, acusando os antissemitas – isto é, os opositores da ideologia formadora do Estado de “Israel” – de defenderem algo “abominável”.
Seu primeiro e principal argumento é o de que o “sionismo” não existiria mais enquanto uma ideologia em si. Segundo o autor, após a criação do Estado de “Israel”, o sionismo passou a significar “que o Estado judeu deve continuar a existir – como qualquer outro país internacionalmente reconhecido“.
Não é verdade. “Israel” não é um país como o Brasil, que foi resultado de todo um processo histórico, com lutas de caráter nacional e libertador. Não é a expressão da luta de um povo pelo direito de governar a si próprio. “Israel” é uma invasão, uma ocupação militar. E, como tal, só pode ser estabelecida por meio de um movimento político contínuo. O sionismo não é a mera defesa de um “país”, é um movimento de defesa da ocupação de uma terra que pertence a outro povo. Um movimento, portanto, que defende expropriações de terras, saques, discriminações sociais, perseguições etc. Não há Estado de “Israel” sem o sionismo, na medida em que o sionismo é a base para toda a atividade ilegal na Palestina ocupada.
O autor passa, então, a criticar a ideia de que a luta contra o sionismo seja um “movimento de libertação nacional”, semelhante ao “ativismo anti-apartheid na África do Sul e aos movimentos de independência anticolonial em outros lugares”. Segundo ele, essa seria “uma analogia severamente falha” porque “esses movimentos nunca pediram a destruição das metrópoles às quais estavam conectados”.
Ora, a luta contra o sionismo é uma luta de libertação, assim como a luta contra o apartheid, justamente porque tanto os palestinos são, como os sul-africanos foram, submetidos a um regime que os trata como cidadãos de quinta categoria. Regimes que, por seu turno, são e eram impulsionados por potências estrangeiras.
O problema da “destruição das metrópoles”, neste caso, diz respeito às características da ocupação em cada país. Na África do Sul, a revolta contra o regime do apartheid nunca foi contra um conjunto de leis, mas contra toda uma estrutura social baseada na opressão de um setor majoritário da população. O movimento contra o apartheid evoluiu – e esta seria a sua tendência, não fossem as capitulações de Nelson Mandela – para uma situação revolucionária, em que os trabalhadores estavam se armando para depor os brancos colaboracionistas com os colonizadores europeus.
Com “Israel”, é a mesma coisa. “Israel” é o enclave onde se entrincheiram os fantoches do imperialismo norte-americano e do imperialismo europeu. A maneira de desmantelar por completo o regime de apartheid na Palestina é acabando, portanto, com o Estado de “Israel”.
O autor, então, argumenta que “o único paralelo contemporâneo com o antissionismo é a atitude imperial russa em relação à Ucrânia e a consequente tentativa genocida de destruí-la. No entanto, o antissionismo, ao contrário do imperialismo russo, é uma ideologia global e popular e, portanto, é um fenômeno único nos assuntos mundiais“.
De fato, o apoio à resistência palestina é muito maior que o apoio à operação militar russa na Ucrânia. E era de se esperar: a resistência palestina é obra de um povo esmagado, enquanto a ação russa é obra de um Estado bem constituído e bem armado; a resistência palestina é resultado de uma luta de quase um século, a operação militar russa é resultado de uma série de eventos iniciados em 2014. No entanto, não é fato que a operação militar russa seja impopular: tanto é assim que, cada vez mais, os trabalhadores europeus têm demonstrado a sua revolta contra o apoio de seus governantes à Ucrânia.
O curioso de toda essa formulação é que, para o autor, a Rússia tentar desmantelar as bases militares instaladas pelo imperialismo em um país vizinho seria algo horrendo. Dito de outra forma, faria bem Vladimir Putin se deixasse o povo ucraniano e o povo russo refém de bandos de extrema direita, de destacamentos treinados pelo imperialismo norte-americano e de laboratórios biológicos. Tudo isso, obviamente, para resguardar os interesses dos Estados Unidos na região. É ridículo, assim como a ideia de que a operação militar seria uma demonstração da existência de um suposto “imperialismo russo”.
A falta de consideração do autor pelos ucranianos e pelos russos serve para explicar o seu desprezo pela vida dos palestinos. Para ele, a vida dos palestinos, dos russos e dos ucranianos não têm valor algum. O que tem valor são os interesses dos grandes monopólios internacionais, dos banqueiros, da indústria armamentista e das grandes petroleiras, que são os responsáveis por submeter essas populações a regimes verdadeiramente criminosos como o de “Israel” e o de Kiev.
O cinismo do autor é tão grande que ele reduz a crítica dos palestinos à entidade sionista ao fato de que os israelenses são cidadãos com passaporte duplo. Segundo ele, “20% ou menos da população de Israel tem mais de um passaporte; a maioria dos israelenses nasceu lá e nunca viveu em outro lugar […] Finalmente, a identidade nacional judaica é real, e os judeus estão profundamente ligados a Israel, então os israelenses lutarão resolutamente e, porque não têm para onde ir, desesperadamente em sua defesa“.
Se é que os dados sobre os passaportes estão corretos, a informação de que a maioria dos israelenses são de lá é simplesmente impossível do ponto de vista histórico. Em 1948, a população de “Israel” era de 806 mil pessoas. Hoje, ultrapassa os nove milhões. Conclusão: em 75 anos, a população aumentou em mais de 10 vezes. É impossível que isso aconteça espontaneamente. Outro dado importante é que, dos 11,5 milhões de judeus no mundo em 1948, 6% deles estavam em “Israel”. Hoje, esta proporção aumentou para 45% da população judaica mundial (de 14,51 milhões).
Mas isso não resume o problema. Os palestinos não são considerados cidadãos de quinta categoria só porque não vieram de outros países. Há uma infinidade de leis em “Israel” que estabelecem um verdadeiro apartheid social. Entre elas, a inexistência do casamento civil – obrigando o palestino a se submeter aos ritos das igrejas israelenses – e a proibição das homenagens ao dia da Nakba, a catástrofe palestina.
Por fim, o autor ainda tenta refutar a tese de que, para os antissionistas “ocidentais”, seria necessário “dissolver Israel em um único estado ‘democrático’ da Palestina, com direitos iguais para judeus e árabes“. Segundo ele, “não há perspectiva de tal Palestina ‘democrática’: apenas a brutal ditadura teocrática da organização terrorista Hamas ou a autocracia trupe da OLP“, sendo que “menos de 10% dos palestinos apoiam” a ideia de uma Palestina “democrática”. Aqui, não há nada a não ser calúnias: a maior organização de massas de toda a Palestina, que é o Hamas, defende, em seu programa, não um “Estado teocrático”, mas um Estado democrático em que todos os povos possam viver harmonicamente.