Eleições venezuelanas

Lula deve, sim, se alinhar automaticamente contra o imperialismo

A defesa da posição “neutra” de Lula diante da crise venezuelana ignora o fato de que numa luta dessa dimensão, a neutralidade é o apoio ao mais forte

As eleições na Venezuela têm sido palco de mais uma etapa da ofensiva imperialista contra os povos latino americanos. A extrema direita venezuelana, financiada e orientada pelo imperialismo, acusa as eleições de terem sido fraudadas por Nicolás Maduro. O governo Lula, numa tentativa de aparecer com uma postura equilibrada, também não reconhece a eleição de Maduro, apesar de não declarar que a oposição foi vitoriosa. Para defender a posição de Lula, o sociólogo Marcelo Zero, do PT, publicou no dia 24 uma coluna no Brasil 247 intitulada “O Brasil não pode cair nas artimanhas dos alinhamentos”. O argumento central do colunista é o de que a posição do governo brasileiro seria independente, nem com o imperialismo, nem com Maduro.

Para chegar a essa conclusão equivocada, Zero abstrai o ponto central do acontecimento na Venezuela: o imperialismo tenta derrubar Maduro por ser um governo que defende os interesses de seu país, Maduro, por outro lado, luta para impedir que a Venezuela seja dominada pelos interesses imperialistas. No marco desse conflito, quando Lula se posiciona como “nem imperialismo, nem Maduro”, ele fortalece a posição do imperialismo, que é uma força poderosíssima e está no ataque. Não só isso, Lula é um dos pouquíssimos governos de esquerda da região. Portanto, essa postura diante do golpe na Venezuela enfraquece a esquerda latino americana como um todo.

O colunista do 247, para justificar seu argumento, insiste que as eleições venezuelanas não foram transparentes. Aqui há dois problemas fundamentais.

Primeiro, não é papel do governo brasileiro averiguar a transparência da eleição dos outros países, o que, de fato, Lula não costuma fazer. Essa cobrança em relação à Venezuela foge ao padrão da diplomacia brasileira e, especialmente, de Lula, que, em geral, defende a soberania das instituições das outras nações. Normalmente, quem faz exigências a instituições estrangeiras sobre processos políticos internos é o imperialismo.

Em segundo lugar, a postura não é coerente com os acontecimentos internacionais recentes. O Peru tem uma ditadura nascida de um golpe de Estado inconfundível, com a prisão de Pedro Castillo, o presidente eleito democraticamente em 2021, e repressão em massa contra quem lutou contra o golpe. A golpista, Dina Boluarte, é reconhecida pelo governo brasileiro. No Equador a situação é muito semelhante, vivendo sob estado de sítio permanentemente, mas a diplomacia brasileira também não pede transparência do processo golpista e Marcelo Zero não chama essa postura de “alinhamento automático”. Na Ucrânia nem eleições têm, ainda que o mandato de Zelensky tenha expirado há meses.

A questão fundamental que está colocada nesse momento é a luta da Venezuela contra o imperialismo e a tentativa do imperialismo de anular um dos principais e mais importantes governos nacionalistas da América Latina. O colunista do 247 reconhece, em parte, essa luta, mas não tira daí a conclusão lógica: defender o regime venezuelano contra a tentativa golpista. Marcelo Zero lista, corretamente, uma série de prejuízos que as sanções do imperialismo causam ao povo venezuelano. Porém, reconhecer esse ataque exige, necessariamente, apoiar e defender a Venezuela. Zero segue o modelo do documento conjunto de Brasil e Colômbia publicado no dia 24, em que os governos criticam as sanções na tentativa de soar independentes, mas defendem a posição fundamental do imperialismo que é o não reconhecimento da eleição de Maduro.

É necessário entender que o problema do imperialismo com Maduro é que ele encabeça um regime que não permite que o capital estrangeiro roube livremente as riquezas venezuelanas, como o fazem na maior parte do mundo. O golpe de Estado de 2016 no Brasil deixou bem claro o que o imperialismo quer dos regimes latino americanos. Zero não entende que a suposta “independência” de Lula é, na verdade, capitular diante desse ataque.

O autor também argumenta que é importante que “os canais de diálogo continuem abertos, até mesmo pelo interesse da oposição venezuelana, que reconhece o Brasil como um facilitador e mediador muito relevante.” Fora a insistência no mesmo erro de avaliação, como se a posição brasileira realmente fosse independente da do imperialismo, aqui vale referenciar o documento escrito por Mark Feierstein, um consultor do Partido Democrata dos EUA, chamado “Como parar um golpe de Estado”. Escrito semanas antes das eleições, o texto está mais para um manual que foi lido pela oposição de extrema direita venezuelana sobre como dar um golpe de Estado. Mas o mais interessante para a presente discussão é que o documento fala especificamente sobre o papel do governo brasileiro. “O Brasil, dado seu peso diplomático global e regional e a imagem de Lula como um ícone de esquerda e amizade de longa data com Chávez, poderia ser particularmente eficaz nesses esforços internacionais”. “Esforços internacionais” pode ser traduzido para “golpe do imperialismo” nesse caso.

O governo Lula tem cumprido justamente o papel proposto pelo democrata norte americano. Ainda que seja na tentativa de se manter como um líder político neutro, capaz de dialogar com todo mundo, como o próprio Lula gosta de se apresentar, fato é que está fazendo o jogo do imperialismo, e Marcelo Zero, em sua coluna, não chega a discutir esse fato.

O colunista ainda critica Maduro por não aceitar pacificamente a posição adotada pelo governo brasileiro. Maduro de fato esteve do lado de Lula sempre que este foi acossado pelo imperialismo, então nada mais justo do que esperar reciprocidade. Não por uma questão de honra, mas pela defesa dos interesses da região. Maduro não apoiou Lula e o PT contra o golpe por amizade, mas por avaliar corretamente que o ataque do imperialismo a um governo nacionalista é um ataque a todos os povos oprimidos.

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