No artigo Cinco anos depois, o inquérito sem fim não pode falhar, publicado pelo Brasil 247, o jornalista Moisés Mendes apresenta suas expectativas de que o famigerado Inquérito 4.781, instaurado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), produza importantes resultados para o combate ao bolsonarismo. O texto, no final das contas, serve apenas para revelar a incompreensão do jornalista tanto do que efetivamente é o inquérito, como do que é o bolsonarismo.
Na primeira parte do artigo, Moisés Mendes se dedica a citar quem estaria incluído no inquérito:
‘Todos estão no inquérito. O blogueiro Allan dos Santos é foragido da Justiça e mora nos Estados Unidos. Outros blogueiros, Winston Lima e Rafael Moreno, também perderam exposição e devem conviver entre os tios que os acompanham no zap.”
Ao dizer “todos”, o jornalista dá a entender que todos os que compõem o núcleo do duro do bolsonarismo estariam no inquérito. O que ele ignora, no entanto, é que não apenas figuras fundamentais do bolsonarismo não estão no inquérito, como também que seu espectro vai muito além que o da extrema direita. No Inquérito das “Fake News”, por exemplo, foi incluído o Partido da Causa Operária (PCO), que nada tem a ver com o bolsonarismo. Em certo sentido, pode-se dizer que o PCO foi o que sofreu a mais dura punição entre aqueles incluídos no inquérito, uma vez que todos os seus perfis nas redes sociais foram suspensos por oito meses, sem qualquer restituição posterior.
Também não é fato que “todos” estão no inquérito. Quantos generais, por exemplo, foram incluídos nesta investigação?
Se o inquérito tem como fim extinguir o bolsonarismo, ele é um natimorto. Não será capaz de fazê-lo, uma vez que não se propõe a de fato investigar todos aqueles ligados ao bolsonarismo. Se fizesse isso, o STF estaria entrando em choque com forças centrais do regime político, o que não é de seu interesse, uma vez que o próprio STF é parte fundamental do regime.
Uma vez esclarecido que o inquérito não visa efetivamente combater o bolsonarismo, lancemos a pergunta: qual o seu objetivo? Para responder isso, basta analisar o que diz o próprio autor:
“O ministro Dias Toffoli disse, depois de deixar a presidência do STF, que a abertura do inquérito foi a sua decisão mais difícil no comando da Corte.
Difícil e controversa, pelo embate com juristas que contestam até hoje o fato de que a iniciativa de abertura das investigações foi do Supremo, e não do Ministério Público, e com a relatoria entregue a um ministro da casa.”
Embora tente dourar a pílula, Moisés Mendes não consegue esconder: o Inquérito 4.781 é um inquérito ilegal. Ao STF, caberia o papel de julgar conforme a lei, e não de investigar. Se um órgão do Judiciário se encarrega de investigar, ele já está sendo, por definição, parcial. Cabe ao Judiciário julgar o mérito de um caso, quando provocado. Cabe ao Judiciário tomar suas decisões após ponderar sobre aquilo que foi apresentado pela acusação e pela defesa. Quando o STF assume papel de polícia, promotor e juiz, está, na prática, anulando o direito de defesa.
O Inquérito 4.781 já se tornou tanto um vale-tudo que o relator do inquérito é, também, em alguns casos, a vítima. É o caso de Alexandre de Moraes, que incluiu seus desafetos no inquérito. O objetivo da investigação é, portanto, não combater o bolsonarismo, mas, sob a fachada do “antifascismo”, dar ainda mais poderes para o tribunal de exceção que se tornou o STF.
Cabe, por fim, chamar a atenção para mais um detalhe do que foi dito por Moisés Mendes. Segundo ele, “há muita gente impune dentro do inquérito que abarca tudo o que se convencionou chamar de fake news, atos antidemocráticos, gabinete do ódio e milícias digitais”. Ou seja, o próprio Moisés Mendes admite que “fake news, atos antidemocráticos, gabinete do ódio e milícias digitais” são convenções. Não são coisas concretas, pelas quais se poderia condenar alguém. São coisas inventadas.
E quem as inventou? Foi o Parlamento, que é o único que teria a prerrogativa de criar leis? Não, foi o todo-poderoso STF, apoiado por uma cansativa campanha da imprensa capitalista.