Desde o seu início, o sionismo teve como objetivo criar um Estado puramente Judeu. A partir do momento em que o movimento decidiu que a Palestina seria o local onde seria concretizado esse projeto de natureza supremacista, e, principalemente, a partir do momento em que o imperialismo deu aos sionistas seu total apoio, a história do povo palestino vem sendo uma de grandes martírios, mas também de constante resistência.
Assim, deve ser lembrado Ghassan Kanafani, um dos co-fundadores da Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP), um das principais organizações armadas que, no exato momento, combate o sionismo para libertar os palestinos da ditadura de “Israel”, que dura há quase um século.
Um revolucionário palestino, coincidentemente Ghassan Faiiz Kanafani nasceu em 9 de abril, durante a Revolução Palestina de 1936. O local de seu nascimento foi a cidade de Acre. O nacionalismo palestino que lhe serviria de influência para os anos vindouros de luta veio de berço: seu pai, Muhammad Faiiz Abd al Razzag era um advogado atuante no amplo movimento nacionalista que se opunha à ocupação britânica.
Assim como se deu com milhares de palestinos nascidos naqueles anos, Kanafani e sua família tiveram de fugir da Palestina quando terror sionista em 1948, durante a Nakba. Muitos não tiveram essa sorte, e foram assassinados. Eles, por sua vez, conseguiram chegar Damasco, capital da Síria, onde se estabeleceram de forma permante.
Como informado acima, Kanafani foi um dos co-fundadores da FPLP. Contudo, ele fora também um grande escritor palestino, de forma ser fundamental expor a parte de sua trajetória que o levou a chegar a esse patamar, antes mesmo da fundação da organização da resistência.
Tendo em vista que ele e sua família foram expulsos da Palestina em 1948, quando ele tinha 12 anos, naturalmente ele já havia completado o ensino primário, de forma que esta fase inicial de sua educação se deu em uma escola missionária católica francesa na cidade de Jafa, algo que lhe permitiu, desde cedo, um significativo desenvolvimento intelectual.
Na Síria, uma vez finalizada a escola secundária, conseguiu ingressar na Universidade de Damasco, onde estudou Literatura.
Aos 26 anos, em 1952, torna-se professor de arte, ensinando crianças em um campo de refugiados sob a gestão da UNRWA, a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina. Nessas aulas, segundo historiadores, escrevia histórias curtas para as crianças, nas quais eram explicadas por que elas estavam naquela situação.
Foi nesse mesmo ano que ele conheceu ninguém menos que George Hasbash, junto de quem ele fundaria, em 1967, a FPLP. O que ocorreu foi que, em 1952, Kanafi continuou avançando em sua carreira acadêmica na Universidade de Damasco. Ingressou no Departamento de Filologia, isto é, o estudo da linguagem em fontes históricas escritas. Foi Habash quem orientou sua tese Raça e religião na literatura sionista, esta que serviria como fundamento para seu livro Literatura Sionista, de 1967.
Apesar do ativismo político anterior de Kanafani, a exemplo das histórias que escrevera para as crianças refugiadas, foi Habash quem realmente lhe levou ao mundo da luta política. A primeira grande organização a que se juntou foi o Movimento Nacionalista Árabe (MNA), no qual iria atuar durante os anos seguintes, até a fundação da FPLP. Em razão dessa atuação política seria expulso da Universidade de Damasco.
Sem perspectivas para sua carreira acadêmica na Síria, mudou-se para o Cuaite, onde, para se manter, trabalhou como professor até 1960. Contudo, após isto, em razão de sua militância política, migrou para o jornalismo, tornando-se editor de jornal vinculado ao MNA, A Opinião (Al Ra’i). Contudo, não permaneceria muito tempo trabalhando para o jornal jordaniano, mudando-se para Beirute, capital do Líbano, no mesmo ano, a pedido de George Habash. Lá trabalhou para o jornal Liberdade (al-Hurriyya). Dois anos depois, seguiria trabalhando para jornais políticos do movimento nacionalista árabe, que, à época, centrava-se principalmente em torno de Gamal Abdel Nasser, então presidente do Egito, e representante do nacionalismo burguês naquele país. Foi editor tanto da revista Palestina (Filistīn) e o Libertador (al-Muharrir).
Paralelamente à sua militância, mas não desvinculada dela, dando vazão à sua formação intelectual em literatura e linguística, foi no ano de 1963 eu Kanafani publicou seu primeiro romance, que viria a ser o mais aclamado deles, Homem ao Sol (rijal fi-sh-shams), traduzido para inúmeros idiomas, inclusive o português. Antes, no mesmo ano, já havia publicado A Terra das Laranjas Tristes (ard al-burtuqal al-hazin) e, em 1961, Uma morte na Cama No.12 (mawt fi sarir raqam 12).
Após a publicação de Homens ao Sol, o último jornal do nacionalismo nasserista para o qual Kanafani trabalhava, também como editor, seria A iluminação (Al Anwar). Isto se deu em 1967, justamente no ano de fundação da Frente Popular para a Libertação da Palestina.
FPLP surgiu do MNA, como organização declaradamente marxista-leninista (embora essa natureza da organização possa ser contestada). Georges Habash tornou-se seu líder, em razão de seu papel de proa na fundação e em organizar o novo grupo. Ghassan Kanafani, por sua vez, ficou responsável pela imprensa, posição fundamental, sendo o editor do jornal Al Hadaf (O Objetivo/O Alvo), posição assumida em 1969, após deixar a função exercida no Al Anwar.
Surgida na conjuntura política logo posterior à Guerra dos Seis Dias, no mês de junho de 1967, a PFLP tinha o objetivo de ser uma organização armada desde o início. E acabou sendo uma das principais, nesse sentido, de forma que, já no começo de 1968 contava com algo entre mil e três mil guerrilheiros.
No que diz respeito aos seus métodos de ação, ficou bastante conhecida por ataques a aeroportos e sequestros de voos.
Um destes foi o ataque da resistência palestina ao Aeroporto de Lod (atualmente chamado de Ben Gurion). Datado de 30 de maio de 1972, o ataque resultou em 26 mortos, e 80 feridos, e foi realizado pelo Exército Vermelho Japonesa, organização maoísta fundada por Fusako Shigenobu. O grupo teria sido guiado pela PFLP, tendo como alvo israelenses que estavam no aeroporto aquele dia, como Aharon Katzir, irmão do então candidato à presidência de “Israel” Ephraim Katzir.
Kanafani foi assassinado em 8 de julho de 1972, pelo Mossad, com “Israel” atribuindo-lhe a responsabilidade pelo ocorrido, apesar de seu papel na PFLP ser em sua imprensa, e não em sua ala militar. Da mesma forma como ocorre com os atuais assassinatos contra lideranças do Hamas, do Hesbolá e militares iranianos, “Israel”, em sua impotência de impedir o avanço da resistência palestina, teve de recorrer ao assassinato de indivíduos, usando seus espiões da Mossad. Um assassinato e traiçoeiro, diga-se de passagem, pois Kanafani foi morto por meio de uma explosão, quando ligava seu carro. Sua sobrinha de dezessete anos, Lamees Najim, for morta junto dele. O Mossad assumiu a autoria.
Fisicamente, Kanafani morrera. Contudo, seu legado permaneceu. Como escritor, em vida publicou 14 livros, os mais importantes Homens ao Sol (Rijal fi-a-shams) (1962), Tudo o que resta para você (Ma Tabaqqah Lakum) (1966), Umm Sa’ad (1969), Retorno a Haifa (1970). Isto sem levar em conta, é claro, seu anos de militância política na imprensa do movimento nacionalista palestino, seja pelo MNA, seja pela FPLP.