A Câmara dos Deputados aprovou na última quarta-feira (20) a reformulação do Ensino Médio, trazendo mudanças profundas na carga horária e também para os profissionais de educação. Manteve-se o total de três mil horas ao longo dos três anos do ensino médio. A distribuição destas horas, no entanto, varia. Os estudantes que optarem pelo ensino médio tradicional terão de cursar 2,4 mil horas de disciplinas obrigatórias (português, matemática, história, física, química, biologia e geografia) e reservar 600 horas para disciplinas optativas, como parte do chamado “itinerário formativo”.
Já os estudantes de cursos técnicos, manterão a carga mínima de três mil horas, porém com 2,1 mil horas para a formação básica nas disciplinas obrigatórias e 900 horas em formato de “itinerário formativo”. Para as disciplinas tradicionais, o ajuste será condicionado à carga horária do curso técnico. Por exemplo, o curso técnico de enfermagem precisa de 1.200 horas, então restam 1.800 horas para as disciplinas obrigatórias (português, matemática, geografia, etc.).
O governo tentou barrar a possibilidade de oferta do ensino à distância para as disciplinas obrigatórias, liberando as optativas para serem ministradas nesse formato, mas foi derrotado. No PL que segue para aprovação do Senado, tanto a formação básica quanto o itinerário optativo poderão ser feitos à distância.
Outra derrota diz respeito ao ensino da língua espanhola. A esquerda pretendia que o idioma fosse acrescentado ao conjunto de disciplinas obrigatórias, mas o texto final a manteve como optativa, ao contrário do inglês.
O relator do projeto e ministro da Educação do governo golpista de Michel Temer (MDB), o deputado federal Mendonça Filho (União Brasil-PE) apresentou a aprovação como uma vitória:
“Houve discussão, debate, inclusive na campanha política. Promessas, no sentido de rever a reforma do ensino médio. Algumas posições radicais, até de revogação, mas o bom senso, quando se tem a boa política, prevalece. E o debate se estabeleceu. Ao invés de revogar a virtuosa reforma do ensino médio, aprimorá-la”.
Outros direitistas também comemoram a aprovação da Câmara. Ao Estado de S. Paulo, a ex-diretora do Banco Mundial, Claudia Costin, afirmou que “1,8 mil horas de formação geral (no ensino técnico) vai ao encontro do que outros países fazem” (“Câmara aprova mudanças na reforma do ensino médio; entenda o que muda”, Paula Ferreira, 20/3/2024).
“Essa flexibilidade, com possibilidade de escolha do aluno, desde que bem organizada nos Estados, com coordenação do MEC, era muito necessária”, acrescentou a ouvida pelo órgão defensor da política imperialista para a educação, que hoje, segundo Estadão, preside o Instituto Singularidades, voltado para a formação docente.
“Havia pontos muito importantes de aperfeiçoamento, um deles era evitar essa quantidade (grande) de itinerários formativo”, aponta. “Essa coordenação nacional não aconteceu no período do (ex-presidente Jair) Bolsonaro e é muito importante que isso esteja sendo feito agora”, conclui.
Já a presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), Jade Beatriz (UJS, juventude do PCdoB), avaliou o parecer de Mendonça Filho como “completamente desconexo”, alegando que o texto aprovado desfez o projeto elaborado durante o período de consulta pública determinado pelo MEC, em 2023. A própria escolha de Mendonça Filho como relator foi alvo de críticas da militante da UJS:
“A gente defende o projeto original que foi construído no MEC por nós. O projeto de lei integral de reformulação, que revoga o novo ensino médio, foi pensado por nós (UBES) e demais entidades de educação durante vários dias. Fizemos uma nota técnica, e o projeto foi construído em cima de uma nota técnica e também a partir da consulta pública”, disse (“Deputados aprovam novo ensino médio”, Correio Braziliense, Ândrea Malcher, 21/3/2024):
“Queremos 2,4 mil horas de formação geral básica, o espanhol como 13ª matéria obrigatória, o fim dos itinerários formativos e do notório saber. Conseguimos a de 2,4 mil horas, mas as outras questões, não.”
Ainda falando ao diário da capital federal, Beatriz manifestou esperança de melhorar a proposta no Senado, apresentado como tendo um “cenário mais positivo”: “(O PL) Vai ser encaminhado agora ao Senado, e vamos tentar lutar lá para garantir as outras três coisas que, para nós, é prioridade para a garantia dessa escola que acreditamos (…) O cenário no Senado ainda é mais positivo que aqui na Câmara“, destacou, acrescentando que “os deputados não se preocupam em saber o que é carga horária, o que os alunos vão estudar nas matérias, qual é o modelo de educação“. “Eles se preocupam em derrotar o governo”, concluiu.
No governo, seu entusiasmo é compartilhado por Camilo Santana, que disse estar satisfeito com o “andamento das conversas e do acordo firmado” e que “indo para o Senado, abrem-se novas possibilidades de mudanças no texto”.
Os educadores, no entanto, foram os mais enfraquecidos. De acordo com o PL aprovado na Câmara, profissionais com “notório saber” estariam aptos a dar aulas, eliminando assim a necessidade de professores para a função. Em entrevista à Agência Brasil, o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, criticou a possibilidade de contratação de profissionais com “notório saber”, sem formação em licenciatura, para disciplinas técnicas e profissionalizantes. Segundo o dirigente, a medida tem como objetivo baratear a mão de obra dos profissionais de educação e desorganizar a categoria. “O notório saber descaracteriza a profissão do professor”, criticou Heleno (“Entenda críticas ao PL do ensino médio no Congresso Nacional”, Lucas Pordeus León, 20/3/2024).
Ao contrário do que pensa a dirigente da UBES, Jade Beatriz, e o ministro da Educação, Camilo Santana, não é no Senado, onde a posição da esquerda é infinitamente mais fraca do que na Câmara, que a reorganização do ensino médio pode ser revertida de maneira a realmente melhorar o sabidamente horrível ensino público brasileiro. É com pressão dos estudantes e educadores, nas ruas, onde as forças progressistas são maiores do que no reacionário Congresso Nacional.
Finalmente, é preciso a participação democrática dos principais interessados em melhorar o sistema de ensino, alunos e professores principalmente, desde a elaboração de um ensino médio efetivamente novo, para que a luta por sua implementação se traduza em uma evolução de fato. Do contrário, projetos como a reforma do ensino médio continuarão, como disse a dirigente da UBES, sendo uma frente de batalha para impor os interesses do imperialismo e derrotar o governo.