Diante do desafio de combater o bolsonarismo e a extrema direita em geral, a esquerda pequeno-burguesa mergulhou de cabeça numa política estreita, ineficaz e fatalmente suicida: apoiar e incentivar a perseguição policial e judicial contra Bolsonaro. Sim, o problema residiria especificamente em Bolsonaro. A fonte de todo o mal estaria concentrada nele e, uma vez que ele estivesse fora de combate (preso, por exemplo), o reino da paz e da democracia encontrariam a via de sua restauração.
Colunistas do portal Brasil 247, Paulo Moreira Leite e Arnóbio Rocha, expressam, cada um à sua maneira, essa visão.
Rocha, em artigo intitulado A proximidade da prisão de Bolsonaro, afirma que os recentes depoimentos de ex-comandantes das Forças Armadas à Polícia Federal encerram o que ele qualifica de “(falsa) polêmica se o GOLPE era apenas cogitação, ou se foi consumado [sic]”. “Foi golpe, fracassado, mas foi GOLPE [sic]”, conclui. Ele, então, solta o comando que resume toda a sua política: “é preciso reforçar o apoio ao Ministro Alexandre de Moraes. Não se pode vacilar por um minuto ou tergiversar […]”.
Rocha convoca todos a apoiarem as iniciativas do ministro tucano, indicado pelo golpista Michel Temer ao STF, Alexandre de Moraes. Embora seja advogado, e inclusive integrante do sindicato dos advogados de São Paulo, Rocha não tem maiores preocupações com as normas do devido processo legal. Para ele, a prisão de Bolsonaro “se aproxima com rapidez e sem maiores questionamentos.” Os mandos e desmandos de Moraes no processo que julga os participantes do 8 de janeiro – ausência de especificação da conduta criminosa, a utilização da arbitrária figura jurídica dos “crimes de multidão”, a ausência de provas, os prejuízos ao direito de defesa dos acusados, e assim por diante – não são objeto de nenhuma consideração crítica.
Sabemos o porquê, evidentemente: Rocha apoia tudo isso. Nessa concepção, o combate ao bolsonarismo, que se resume ao combate a Bolsonaro, é de responsabilidade quase exclusiva de um dos pais do bolsonarismo: o golpista Alexandre de Moraes. Quanta ilusão!
Paulo Moreira Leite, em coluna cujo título é Bolsonaro desmoralizou comandantes militares, também deposita suas esperanças nos processos judiciais conduzidos pelo STF. Ele pontua que “é preciso investigar e processar generais apanhados em flagrante delito”. Mais interessante, no entanto, é sua avaliação a respeito do papel que Bolsonaro cumpriria sobre as instituições militares.
Moreira Leite destaca o “papel intrinsecamente nocivo de Jair Bolsonaro junto ao conjunto das instituições do país, inclusive as Forças Armadas”; afirma que o ex-capitão é “capaz de pressionar as Forças Armadas para se engajar numa empreitada golpista” e que “Bolsonaro tem imensa responsabilidade na preservação e até expansão de um comportamento golpista no interior das Forças Armadas, e deixará uma herança especialmente nociva para o Brasil e os brasileiros”.
No entendimento de Moreira Leite, seria Bolsonaro o “elemento nocivo”. As instituições militares figurariam como uma espécie de corpo imaculado corrompido pela influência do ex-capitão. Conforme mencionamos, segundo essa visão, Bolsonaro seria a fonte do mal que, uma vez eliminada, restauraria a “pureza” da instituição. Nada mais falso!
O colunista simplesmente deixa de lado a real relação entre Bolsonaro e as instituições militares. A relação real consiste, na verdade, no inverso do que professa Moreira Leite. Bolsonaro não é a fonte do mal, mas a expressão, o representante, o dirigente de um movimento político que lhe fornece sustentação. Uma das bases desse movimento consiste justamente nas Forças Armadas, instituição que não passou por nenhuma reforma desde o fim da ditadura militar de 1964 e que, portanto, não deixou de abrigar um amplo setor de elementos da extrema direita. Bolsonaro é o principal representante político de um movimento de extrema direita que tem como uma de suas bases fundamentais o aparato de repressão do Estado burguês.
Moreira Leite esquece que Bolsonaro não é um raio em céu azul. Ele mesmo é um militar, um ex-membro das Forças Armadas. Suas características políticas não são excepcionais, mas correspondem às características de todo um setor (majoritário, inclusive) encastelado dentro das instituições militares. Bolsonaro não “enxertou” tendências golpistas numa instituição que até então estava imune a elas. Pelo contrário, o líder da extrema direita é tão somente a expressão, um produto derivado dessas mesmas tendências que existem efetivamente dentro das instituições militares.
Trótski, em 1933, falando do nazismo alemão, escreveu:
“Cabeças inocentes pensam que o gabinete da realeza se hospeda no próprio rei, no seu manto de veludo e em sua coroa, nos seus ossos e nas suas veias. Na verdade, o gabinete da realeza é uma inter-relação entre pessoas. O rei é rei apenas porque os interesses e prejuízos de milhões de pessoas são refratados através de sua pessoa. Quando a enchente do desenvolvimento varre estas inter-relações, então o rei aparece apenas como homem deslavado.”
Arnóbio Rocha e Paulo Moreira Leite querem derrotar um movimento político de extrema direita eliminando a sua liderança por meio de uma medida burocrática, administrativa – uma sentença judicial. Desconhecem as lições do marxismo, tal como Trótski as formulou: o líder é sempre uma relação entre pessoas, a expressão de um movimento social e político. Sem varrer essas relações e esse movimento, não é possível derrotar o líder.
A política defendida pelos colunistas do Brasil 247 já provou sua ineficácia. Os exemplos históricos são incontáveis, e os exemplos atuais são gritantes. Basta olhar para os EUA e ver a situação de Donald Trump. Mas para além da ineficácia, essa política também é absolutamente perigosa para a própria esquerda. O apoio às medidas ditatoriais e arbitrárias de Alexandre de Moraes prepara o terreno para ataques ainda maiores, não só contra Bolsonaro, mas contra a esquerda. É o desenlace lógico da coisa. Ao final, não conseguirão derrotar Bolsonaro e ainda pavimentarão o caminho para ataques contra os trabalhadores e suas organizações.
