José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

Coluna

Acontecimentos na Petrobrás resumem desafios históricos do Brasil

"Se o país dispusesse de uma política econômica soberana, com a existência de um projeto nacional de desenvolvimento, haveria aqui muitas empresas de primeira linha"

A Petrobras obteve um lucro líquido de R$ 23,7 bilhões no 1º trimestre de 2024, com um Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ajustado de R$ 60 bilhões. No mesmo período a dívida financeira reduziu em US$ 1,1 bilhão, tendo atingido US$ 27,7 bilhões, menor nível da dívida desde 2010. Apenas no primeiro trimestre a companhia pagou R$ 68,2 bilhões de impostos, o que revela a sua importância para a economia brasileira. O lucro líquido totalizou R$ 23,7 bilhões. O volume de investimentos no primeiro trimestre, de US$ 3 bilhões (mais de R$15 bilhões), foi distribuído nos segmentos de: Exploração e Produção; Refino, Transporte e Comercialização; e Gás e Energias de Baixo Carbono. Em Exploração e Produção foram investidos US$ 2,5 bilhões, 83% do total, direcionados para o desenvolvimento dos grandes projetos que sustentarão o nível de produção dos próximos anos. 

A produção média de óleo, LGN (Líquido de Gás Natural) e gás natural da Petrobras no primeiro trimestre chegou a 2.776 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boed), um aumento de 3,7% em comparação ao mesmo período do ano anterior. Em refinaria, a Petrobras atingiu um Fator de Utilização Total (FUT) de 92%, com rendimento de 67% de Diesel, QAV (querosene de avião) e Gasolina, o que representa uma elevada utilização do parque, o que indica a eficiência operacional. 

Foi aprovada a distribuição de R$ 13,45 bilhões em dividendos aos acionistas, relativos ao primeiro trimestre. Em relação ao primeiro trimestre de 2023, ano em que a empresa alterou a regra de distribuição dos ganhos a acionistas, a queda do valor distribuído foi de 45%. O Conselho de Administração da petroleira definiu, no ano passado, uma nova política de distribuição de dividendos, estabelecendo um dividendo trimestral de 45% de seu fluxo de caixa livre (ou seja, a diferença entre fluxo de caixa e os investimentos), que podem ser destinados ao pagamento de dividendos. Com a nova política a distribuição passou de 60% para 45% do fluxo de caixa livre da empresa. A destinação dos 55% restantes fica a critério do Conselho de Administração, que pode reservar todo o montante, inclusive, para o plano de investimentos da companhia. Na gestão Bolsonaro a Petrobras tinha realizado as maiores distribuições de dividendos do mundo entre as petrolíferas. 

Em 2023 a Petrobras registrou um lucro líquido de R$ 124,6 bilhões, Ebitda de R$ 262,2 bilhões e fluxo de caixa operacional de R$ 215,7 bilhões, sendo que os três indicadores foram os segundos mais elevados na história da companhia. A Petrobrás, de fato, é uma espécie de “nação amiga”, pelos empregos que gera, os tributos que produz, os empregos diretos e indiretos, e por ser a base de produção de energia para o desenvolvimento econômico nacional. Como se sabe, não há desenvolvimento sem energia abundante disponível. 

A decisão do governo federal, em 2023, de reduzir o pagamento de dividendos aos acionistas foi fundamental. Em 2022, no governo Bolsonaro, a companhia chegou a distribuir R$194,6 bilhões a título de dividendos, superando a soma de todos os valores distribuídos pelas demais empresas listadas na Bolsa de Valores brasileira, que acumulam R$193,4 bilhões em proventos, em um total de 321 companhias. Como a política era de não investir e, ao mesmo tempo, facilitar o butim por parte dos acionistas privados, a direção da companhia pagou o que podia em termos de dividendos. 

A cadeia de petróleo no Brasil é uma rica ilustração da inserção mundial do Brasil e de sua condição de país subdesenvolvido. O país dispõe de imensas reservas, muitos bilhões de barris de petróleo, é o 10º produtor do mundo, o maior da América Latina, acima da Venezuela e do México. O petróleo é “ouro negro”, pois não tem substituto a curto prazo como matéria-prima e fonte de energia. Mas a parte do leão da renda petroleira fica com as multinacionais privadas, os bancos, que financiam o negócio e querem a maior margem de juros possível.  

Se apropriam também da renda petroleira as empresas estatais estrangeiras, que visam preservar a segurança energética de seus países. Preferem inclusive transportar o óleo bruto para refinar em seus países, agregando valor e gerando emprego qualificado na riquíssima e longa cadeia de geração de valor do petróleo. E a renda petrolífera é apropriada também pelos especuladores da bolsa, seja no Brasil, seja em Nova Iorque. Com esse nível de transferência de recursos nacionais para interesses estrangeiros, o país fica com uma fração da renda petroleira para se desenvolver e distribuir riqueza para o seu povo. 

A luta pela industrialização e pelo desenvolvimento não é uma questão de aplicar a melhor política econômica, no aspecto meramente técnico. O Brasil tem importante presença internacional, mas muito aquém do que poderia ter. Por exemplo, o país exportou US$ 339 bilhões no ano passado, a China exportou uns US$ 3,3 trilhões, 10 vezes mais. A indústria brasileira ainda é a mais diversificada da América Latina, apesar de todas as ações para destruí-la, principalmente nas últimas décadas. 

O governo atual vem tentando recuperar a indústria, através da NIB (Nova Indústria Brasil), que prevê investimentos de R$300 bilhões em três anos. Apesar da NIB ser uma iniciativa fundamental, o montante de investimentos previstos nesta política já revela os limites políticos e econômicos sob os quais o governo trabalha: somente os gastos com a dívida pública em 12 meses (até janeiro último) foram de R$745,9. Ou seja, enquanto com a política industrial, que é estratégica para o país, se gasta em média R$100 bilhões por ano, com alguns milhares de especulares, se torra uma verdadeira “fábula”, através de juros, uma dívida completamente ilegítima e que já foi paga muitas vezes. 

A reação da grande mídia, em relação às decisões recentes do governo no que se refere à Petrobrás, mostram como o Brasil tem uma independência política apenas relativa. O governo brasileiro não tem autonomia para praticar a política econômica que melhor convêm ao país. Uma simples redução dos pagamentos de dividendos na Petrobrás, que bateu recordes durante o governo anterior, causou uma verdadeira celeuma entre o grande empresariado (inclusive estrangeiro) e seus porta-vozes na imprensa comercial. 

Os problemas da Petrobrás, e de tudo que diz respeito ao desenvolvimento nacional, dependem de luta e de mobilização. O progresso nacional não depende de definições estritamente técnicas. Como os EUA estão perdendo influência ao nível global, em função da crise econômica e da ascensão do chamado Sul Global, tentam a todo custo garantir o seu “quintal”, na América Latina. Com atenção especial ao único país na região que tem condições de rivalizar com o Império – o Brasil – pela combinação de seus raros atributos em território, PIB e tamanho da população.        

Se o país dispusesse de uma política econômica soberana, com a existência de um projeto nacional de desenvolvimento, haveria aqui muitas empresas de primeira linha, com capacidade de disputar mercados mundiais (na lista das 500 maiores do mundo o Brasil entra com 6 ou 7 empresas, sendo que umas três destas são bancos). O problema central para o país se desenvolver é romper com as amarras neocoloniais. A conjuntura internacional atravessa um momento histórico bastante peculiar, no qual um número grande de países subdesenvolvidos vem se rebelando contra a ordem unipolar, que desmorona a olhos vistos. Do ponto de vista do império, que atravessa uma crise política e econômica inédita, a saída do Brasil do seu âmbito de influência, seria uma verdadeira catástrofe, a qual fará de tudo para evitar.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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