A Operação Dilúvio de al-Aqsa, lançada pelo Hamas no dia 7 de outubro, chegou no Iraque pouco tempo depois, no dia 17. A resistência iraquiana passou a atacar as bases norte-americanas do Iraque que ainda estão no país mesmo com o governo tendo pedido a sua retirada no ano de 2020. Após algumas semanas de ataques os EUA retaliaram bombardeando a capital Bagdá, no último sábado eles realizaram um enorme bombardeio no Iraque e na Síria. A situação no Iraque se torna cada vez mais crítica e a ocupação militar dos EUA está ameaçada de se tornar um novo Afeganistão.
Primeiro é preciso compreender como funciona a atual ocupação dos EUA no Iraque. O motivo que os norte-americanos apresentam para estarem no território de outro país sem a sua permissão é o combate ao Estado Islâmico. O EI se tornou um gigantesco problema no Iraque controlando uma enorme parcela de seu território a partir do ano de 2014, inclusive a segunda maior cidade do país, Mosul. Quem derrotou o EI no país foram as Forças de Mobilização Popular, diversos grupos guerrilheiros apoiados pelo Irã. No início de 2020 o líder das FMP, Abu Mahdi Mohandis, foi assassinado junto a Qassem Soleimani por um bombardeio norte-americano.
Aqui já aparece o primeiro ponto crítico da ocupação dos EUA no país. Apesar de formalmente combaterem o EI, os EUA estão muito mais preocupados em atacar as FMP, quem de fato derrotou o EI. O mesmo é válido para o atual momento, diversos oficiais foram assassinados pelos bombardeios norte-americanos nas últimas semanas. Mas isso é um problema maior do que aparente ser para os que desconhecem a situação. a FMP, apesar de atuarem como guerrilha, na verdade são oficialmente parte do governo do Iraque, compõe um braço semi independente das Forças Armadas, às vezes inclusive se chocam com a vontade do governo, mas ainda assim são parte dele.
O atual governo é do bloco das FMP, o primeiro ministro Mohamed Shia al-Sudani, é um nacionalista moderado, aliado do Irã e das FMP. Enquanto as organizações armadas combatem as bases norte-americanas as bombardeando com mísseis e drones, não só no Iraque mas também na Síria e até mesmo em “Israel”. O governo do país realiza ações políticas para expulsar os norte-americanos, que ignoram completamente a vontade do parlamento. O governo inclusive sofreu sanções econômicas por não reprimir as FMP. Em retaliação, o Iraque agora abandonará o dólar em vários bancos.
O Banco Central do Iraque (BCI) proibiu oito bancos locais de realizar transações em dólares no dia 4 de fevereiro: Ahsur International Bank for Investment, Investment Bank of Iraq, Union Bank of Iraq, Kurdistan International Islamic Bank for Investment and Development, Al-Huda Bank, Al-Janoob Islamic Bank for Investment and Finance, Arabia Islamic Bank e Hammurabi Commercial Bank. A guerra militar então se torna uma guerra em outros aspectos da economia também. Uma luta pela independência do Iraque.
Outro aspecto que está em jogo é a região autônoma do Curdistão. Foi lá onde o Irã bombardeou uma base do Mossad no início de janeiro. Essa região é controlada pelo imperialismo dos EUA desde o ano de 2003 e é um grande entrave para a centralização do governo iraquiano. O Curdistão não só serve de base para operações dos EUA e do Mossad como também vende de forma independente e clandestina o petróleo, afetando diretamente a arrecadação do governo central. Por isso é um foco de constantes ataques da FMP.
Os últimos bombardeios dos EUA no Iraque, que assassinaram ao menos 16 pessoas, ampliaram a crise atual. O porta-voz do governo, Bassem al-Auadi, em 3 de fevereiro afirmou: “O governo dos EUA deliberadamente falsificou os fatos ao anunciar coordenação prévia para cometer essa agressão, o que é uma afirmação falsa destinada a enganar a opinião pública internacional e a renunciar à responsabilidade legal por esse crime conforme todas as leis internacionais”. E ainda acrescentou que a mais recente agressão dos EUA em solo iraquiano “colocará a segurança no Iraque e na região à beira do abismo.” Todas as organizações do Eixo da Resistência, da Palestina ao Irã também condenaram o ataque.
No dia seguinte após o bombardeio o líder das FMP, Abu Fadak, esteve no local do bombardeio com uma delegação de parlamentares com o presidente do Parlamento, Mohsen al-Mandalaui. Ele afirmou que: “o Iraque não irá tolerar aqueles que derramam o sangue de nosso povo”. E também que o governo “implementará rapidamente a resolução Nº 18 de 2020 que exige a remoção de todas as forças estrangeiras do Iraque.” E concluiu: “não há nenhuma necessidade para que as forças internacionais se mantenha. A manutenção de sua presença contribui para a desestabilização da segurança do país e aumenta o conflito”.
Esse bombardeio do Iraque, que foi um dos maiores dos últimos tempos, teve o mesmo efeito que o anterior, aumentar a radicalização do governo. Agora uma das principais lideranças do país esteve junto das FMP discursando sobre a expulsão das tropas dos EUA. Organizações das FMP por sua vez como o al-Nujaba radicalizaram ainda mais suas ações. Quando mais os EUA tentam intervir para resolver pior fica a sua situação. E enquanto a guerra em Gaza durar as suas bases continuarão a ser atacadas. A nova guerra de libertação nacional do Iraque avança a passos largos.