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Paulo Marçaioli

Formado em direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da USP e dono do blog Esperando Paulo

Coluna

A Literatura de Joaquim Manuel de Macedo

O romance mais conhecido do escritor carioca Joaquim Manuel de Macedo (1820/1882) é certamente “A Moreninha”

O romance mais conhecido do escritor carioca Joaquim Manuel de Macedo (1820/1882) é certamente “A Moreninha”, publicado em forma de folhetins e lido predominantemente pelo público feminino em meados do século XIX.

A importância da obra não reside tanto nos seus êxitos literários, mas no seu pioneirismo.

Foi escrita em 1844, quando o Brasil era governado por D. Pedro II (2º Reinado 1840/1889) e não existe muito dissenso entre os especialistas ao entenderem que se tratou do primeiro escrito que podemos chamar de “romance” até então realizado no país.

Não deveria ter sido fácil escrever o romance sem que houvesse até então qualquer tradição literária anterior, que pudesse dar sustentação a uma linguagem ficcional, com tema, enredos, estilos literários, etc.

Até então, as poucas referências literárias existentes eram as histórias de Texeira e Souza (1812/1861) e as novelas francesas publicadas no Brasil a partir de 1817. A influência dos folhetins franceses na literatura Brasileira é notória. Posteriormente, boa parte da produção de Machado de Assis, nitidamente nas suas produções românticas (Ressurreição de 1872, A Mão e a Luva de 1874, Helena de 1876 e Iaiá Garcia de 1878) também seriam tributárias desta literatura associada ao jornalismo, cujos capítulos dos romances eram publicados periodicamente na impressa, e, como dito, na maioria das vezes lidos pelo público feminino.

Em todo o caso, quem teve apenas contato com a obra de Macedo através da leitura do seu romance mais famoso, talvez se deixe enganar pensando se tratar de um escritor meramente convencional, cujo interesse literário se limita ao seu pioneirismo.

Há outros livros que suscitam o interesse do leitor que queira entrar em contato com o pensamento social e político do Brasil do Século XIX. Essas obras menos conhecidas refletem a trajetória de vida do nosso escritor, que transitou pela política, jornalismo e pelo estudo da História do Brasil.

Formado em medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro em dezembro de 1844, não chegou a atuar como médico, abraçando desde cedo a carreira literária. Como jornalista, colaborou em diversos periódicos fluminenses, escrevendo romances, poemas e peças de teatro. Foi deputado provincial nas legislaturas de 1864/1868 e 1871/1888. Renunciou a uma pasta de gabinete de 1864 e candidatou-se a Senador do Império.

Manteve relações com o Imperador Dom Pedro II, chegando a ser preceptor e professor dos filhos do chefe de governo.

Como historiador, exerceu o magistério no Colégio Pedro II, além de sócio fundador do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB). Tal instituto teve como protetor o próprio Imperador e foi constituído para a coleta e publicação de documentos relevantes da História do Brasil e para o incentivo do ensino dessa disciplina.

Na condição de político do Império, Macedo posicionou-se contra a escravidão no romance “Vítimas Algozes”, publicado em 1869, pouco depois do primeiro mandato como deputado provincial.

O abolicionismo do escritor não se deu propriamente por considerações humanitárias ou por um senso de justiça. Tais premissas aparecem de forma subsidiária no livro. O principal aspecto do problema da escravidão que leva o escritor a se posicionar pela abolição deu-se pelos efeitos maléficos da instituição no seio da sociedade e da família.

Ou seja, tratava-se de uma defesa do regime social vigente, incluindo a família patriarcal, em face dos efeitos desagregadores do regime escravista.

Em “Vítimas Algozes”, vê-se a influência negativa das escravas domésticas que articulam contatos e namoros entre a sinhá e pretendentes, muitas vezes através do suborno e não raro ensejando a desonra da mulher branca. Aborda-se também a criminalidade subjacente ao regime escravagista: o escravo que se vinga do seu senhor através do assassinato, da destruição das fazendas e do envenenamento. A abolição aqui não é um instrumento de mudança da estrutura social, mas, pelo contrário, um meio de preservá-la.

Na condição de historiador, nosso escritor publicou um romance histórico chamado “As Mulheres de Mantilha” (1870) que consiste numa fonte documental fundamental para se conhecer a história do Rio de Janeiro (então chamada São Sebastião do Rio de Janeiro) exatamente no momento em que a cidade foi elevada à condição de Vice-reinado da colônia, passando a ser o centro administrativo do país, em substituição à cidade de Salvador.

A transferência deu-se em dezembro 1763, no bojo das reformas de Marques de Pombal, primeiro-ministro do rei Dom José.

A alteração da sede administrativa acompanhou a alteração do eixo econômico da colônia: inicialmente a cana-de-açúcar e posteriormente o ciclo da mineração, que deslocou o centro econômico do país para o sudeste. A transferência acompanhou outras reformas de Pombal que impactaram a produção e o controle da atividade mineradora do Brasil, como a expulsão dos jesuítas e uma nova forma de controle de cobrança de impostos.

O romance se passa entre 1763/1767 durante o reinado do conde da Cunha, que foi o primeiro Vice rei mandado para a nova capital da cidade.

“Os quatro anos que correram de 1763/1767 não foram por certo dos mais suaves e agradáveis para os habitantes da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, embora muitos ufanos e orgulhosos devessem eles estar em consequência da definitiva mudança da capital do Brasil que passara da primogênita de Cabral para a bela filha de Mem de Sá, assumindo com caráter de permanência o chefe da grande colônia portuguesa da América a graduação e hierarquia de vice-rei.

Mas o primeiro vice-rei que D. José ou por ele o marquês de Pombal despachou para o Rio de Janeiro, e que governou o Brasil desde 16 de outubro de 1763 até 21 de novembro de 1767, foi D. Antônio da Cunha, conde do mesmo título, homem talvez animado de boas intenções, porém tão facilmente irritável como violento e déspota”.

Àquele momento, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro ainda se constituía como um povoamento simples, a despeito daquele território já ter sido ocupado pelo menos desde os primeiros anos do século XVI.

Os primeiros esforços de reconhecimento e povoamento daquela região, no início dos 1500, foram inicialmente dificultados pela resistência dos bugres tamoios, aliados aos traficantes franceses.

Aos poucos, a cidade foi se constituindo como o principal núcleo urbano da região, sendo estruturada a atividade econômicas em torno de atividades de coleta, pesca e produção de mandioca, cana e gado. Já ao momento da transferência da sede da colônia, o Brasil passava pela internação do seu povoamento após o descobrimento das jazidas de Minas Gerais, período histórico no qual se passa o romance.

A história basicamente retrata a vida da cidade de São Sebastião sob o primeiro vice-reinado do conde da Cunha, período em que a exploração das minas ensejou um recrudescimento de práticas autoritárias e extorsivas da metrópole sobre a colônia.

A corrupção e violência do regime são levadas adiante principalmente por Alexandre Cardoso, que era uma espécie de primeiro-ministro do Vice Rei. Enquanto o primeiro vendia cargos no governo a troco de dinheiro, ameaçava os moradores com o recrutamento militar obrigatória e se entregava ao vício do jogo de apostas, o segundo fazia vistas grossas aos abusos do seu assessor, ensejando um clima de descontentamento político. Em se tratando de um regime tirânico, as vítimas não tinham direito à queixa: porque a queixa era insulto e crime punidos imediatamente e com descomedimento brutal. Os moradores serviam então de pasquins e lundus (música popular) em que debochavam anonimamente do poder constituído.

O enredo segue um estilo folhetinesco característico do autor.

Alexandre Cardoso, externando sua concupiscência sexual, deseja Inês, filha de um honrado comerciante português chamado Jerônimo Lírio. O vilão articula diversos meios (lícitos e ilícitos) de tomá-la em casamento, encontrando óbvia resistência do pai, dado o notório comportamento desregrado do assessor do Vice Rei.

Com a recusa, o vilão engaja alguns colegas do regimento militar para que simulem um ataque de bandoleiros à família de Lírio: no seu plano, imediatamente após o ataque dos militares transvestidos de criminosos, surgiria e salvaria Inês, aparecendo como herói. Assim, franquearia a casa de Jerônimo e se credenciaria como legítimo marido de Inês. Contudo, nesse ataque surge a figura do jovem Isidoro, que combate sozinho os criminosos e salva a pretendente de Alexandre Cardoso. Inês apaixona-se por Isidoro, enquanto Cardoso é denunciado ao Rei que o castiga, remetendo-o à Europa, onde morre na miséria

A triangulação amorosa, a derrota e desmoralização do vilão e o casamento de Inês com o homem que ama são elementos típicos do romantismo, com o seu sentimentalismo e suas idealizações do herói, do amor e da mulher. Mesmo sendo um romance convencional (e até certo ponto previsível), sua importância, assim como nas demais obras, reside menos nos méritos literários e mais na forma como retratam o pensamento da época e a história do país.

Bibliografia

  • “As Mulheres de Mantilha” – Joaquim Manuel de Macedo – Ed. Iba Mendes
  • “Vítimas Algozes” – Joaquim Manuel de Macedo – Ed. Iba Mendes.
  • “História do Brasil: geral e regional” – Ernani Silva Bruno. Ed. Cultrix

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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