Quase a totalidade de esquerda nacional não compreende o que aconteceu no 8 de janeiro de 2023. A tese mais comum é que foi uma tentativa de golpe fascista fracassada. Essa caracterização errada do acontecimento leva os grupos de esquerda a tirarem conclusões erradas sobre qual política deve ser seguida atualmente. Até aqueles que se opõe à política de frente ampla proposta pelo PT, como os editores do portal que diz ser “trotskista”, o WSWS, não conseguem definir uma política independente da burguesia na questão. Isso ficou claro no artigo “Um ano da insurreição fascista de 8 de janeiro no Brasil” publicado no último dia 13.
O artigo de autoria de Thais Castanheira começa com o erro já em seu subtítulo: “na segunda-feira, completou-se um ano da tentativa de golpe fascista em Brasília liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro apoiado nos militares”. Aqui é exposto sem meias-palavras, o 8 de janeiro teria sido uma tentativa de golpe fascista. Um golpe muito peculiar, sem manifestantes armados, sem milícias fascistas e sem mobilização de tropas. É o golpe de Estado pacífico que só existe na cabeça da esquerda pequeno-burguesa.
O texto denuncia sua análise totalmente errada da conjuntura política nacional logo no segundo parágrafo: “o primeiro aniversário do assalto à capital brasileira, que marca a ruína do regime civil inaugurado em 1985-87 após duas décadas de ditadura militar, foi marcado pelo governo do PT com um evento batizado de ‘Democracia Inabalada’.” O ato bolsonarista do 8 de janeiro teria sido a ruína do regime que surgiu com o fim da ditadura militar. Nesse sentido, ele foi mais importante que o golpe de 2016, que a prisão de Lula e, portanto, o golpe de 2018 e que o próprio governo Bolsonaro. Esse é um aspecto interessante da esquerda pequeno-burguesa de fora da esfera do PT: consideram o golpe fictício do 8 de janeiro um acontecimento mais importante que o golpe verdadeiro e tudo o que aconteceu da Lava-Jato à eleição de Bolsonaro.
O texto segue demonstrando a incompreensão de como funciona um golpe de Estado. Ele cita que os comandantes militares discutiram a possibilidade de um golpe. Esse fato por si só mostra que não era um golpe de Estado, mas sim uma mera manifestação. Fosse um golpe, a decisão teria sido tomada pelos militares anteriormente ao ato, que seria apenas o pretexto do golpe. E após citar esse ocorrido comenta: “esses fatos são criminosamente negados por figuras no próprio governo Lula. Seu ministro da Defesa declarou na semana passada que ainda ‘precisamos achar os culpados [pelo 8 de janeiro] para tirar essa nuvem de desconfiança sobre as Forças Armadas’ e afirmou que foram os militares que salvaram o Brasil de um golpe.”
Aqui está o ponto crucial: o WSWS não entende as contradições dentro do governo Lula, não entende que Múcio é justamente uma figura central de um possível golpe. O golpe é dado por figuras de dentro do governo, não de fora. Hoje em dia falar que Pinochet era uma figura do governo Allende é absurdo. No entanto, pela análise do WSWS ele seria colocado no mesmo bloco que o presidente chileno derrubado por um golpe militar liderado pelo próprio Pinochet! Essa incompreensão até poderia existir na cabeça de Allende, afinal ele mesmo indicou Pinochet para comandante das Forças Armadas. Mas a incompreensão não pode existir na cabeça da esquerda que se propõe a liderar a luta revolucionária dos trabalhadores. É preciso ficar muito clara a diferença entre Lula e os seus ministros direitistas de tendências golpistas.
O WSWS, que tem um braço dos EUA, então demonstra que não compreende também a política norte-americana: “acima de tudo, o ataque fascista de 8 de janeiro no Brasil foi um desdobramento das mesmas tendências manifestadas na tentativa de golpe de 6 de janeiro de 2021 de Donald Trump em Washington. Além de ter servido abertamente como guia político a Bolsonaro e seus aliados no Brasil, a tentativa de golpe fascista no coração do imperialismo mundial representou um evento crucial no processo de dissolução dos regimes democráticos burgueses globalmente”.
Se no Brasil a tese do golpe é errada, usá-la para a situação dos EUA é completamente absurdo. Nos Estados Unidos quem está sendo golpeado é o próprio Donald Trump. A burguesia norte-americana faz de tudo para evitar o seu retorno à presidência. Ele não tem apoio do aparato do Estado, sua candidatura é de fora desse sistema. É completamente diferente do PT, que inclusive foi vítima de dois golpes de Estado, um em 2016 e um em 2018. E aqui se demonstra o problema principal: a esquerda que não entende como funciona um golpe de Estado só irá confundir os trabalhadores quando chegar a hora da luta real contra o golpe.
É justamente esse o papel que o WSWS está cumprindo. Eles confundem os trabalhadores sobre a luta contra o golpe ao mesmo tempo em que atacam Lula pelos motivos errados, o que retira sua base de apoio e assim se facilita o golpe. Se a organização autoproclamada trotskista de fato quer combater o golpismo dos militares do Brasil, precisa seguir o que Trótski e os demais bolcheviques ensinaram. A luta contra o fascismo passa por uma frente única da esquerda, onde o partido revolucionário não abdica de sua política própria. Atacar o governo de esquerda quando a extrema direita também o está atacando só pode ter apenas um resultado: tornar-se um auxiliar do golpe de Estado. Quem viveu no Brasil nos últimos oito anos deveria compreender isso muito bem.
Para concluir, a demonstração cabal de que o WSWS opera apenas como um elemento de confusão é sua conclusão: “no Brasil e internacionalmente, as condições objetivas estão amadurecendo para a construção da direção revolucionária consciente, os partidos afiliados ao Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), necessários para liderar a derrubada definitiva do capitalismo e a tomada do poder pela classe trabalhadora mundial.” Com que política? Por que meios na situação concreta atual? Não indicam nenhuma política prática, após tecerem longas críticas ao governo do PT. Essa é a formula tradicional do golpismo de esquerda.
A política correta não é atacar o governo da frente ampla, é atacar a direita da frente ampla. Fora os militares golpistas! Fora os ministros do STF que deram o golpe contra Dilma e que prenderam Lula. Fora as ONGs imperialistas que estão por detrás de diversos setores golpistas. Sem uma política prática contra o golpe de Estado não se impedirá nenhum golpe de Estado.