A crise política e econômica na Argentina continua em processo de aprofundamento. Segundo do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), em um ano, até março de 2024, a retração do PIB (Produto Interno Bruto) totalizou 8,4%. Das 15 categorias econômicas da pesquisa, nove apresentaram recuo em março, Construção Civil caiu 29,9%. O Comércio atacadista e varejista também recuou 16,7%, na comparação anual, o que revela a gravidade do processo recessivo.
A economia argentina combina uma das mais graves recessões do país, com inflação muito alta. Em 12 meses até abril a inflação do acumula 289,4%, a mais alta entre os países no mundo. Isso, mesmo com a destruição do poder de compra de aposentados, trabalhadores em geral, e da destruição das pequenas e médias empresas, isto é, da destruição do mercado consumidor interno. A inflação argentina desacelerou um pouco nos últimos meses, ou seja, está aumentando menos, em função do brutal e em tempo recorde, do empobrecimento da maioria da população do país.
Mais da metade da população está vivendo abaixo da linha da pobreza, maior índice em 20 anos na pesquisa do Indec, o equivalente a 27 milhões de pessoas. Ou seja, como a economia é dominada pelos monopólios, mesmo com uma queda brutal das vendas no comércio, mesmo com as pessoas consumindo menos, as empresas aumentam os preços para manter suas margens de lucro. As economias normalmente se baseiam em três motores fundamentais para crescer: 1º) Investimentos: públicos e privados. Principalmente o público; 2º) Consumo: do governo, das famílias, e das empresas; 3º) Superávit comercial: exportações menos importações
A política destrutiva de Javier Milei liquidou dois desses três motores econômicos – investimentos e consumo – e depreciou o terceiro. O investimento púbico despencou para fazer superávit primário. O consumo do governo e das famílias, também recuaram por uma questão de princípios: Milei é, por definição, contra a existência do Estado. As empresas, por sua vez, estão consumindo menos porque estão produzindo bem menos, em um país onde o PIB decresce. O saldo comercial, por seu lado, tem menos influência na economia que investimentos e consumo. Além do que, em função das políticas do governo, a Argentina está piorando a qualidade de suas exportações, ou seja, exportando cada vez mais commodities, em prejuízo dos produtos industriais (política intencional de um governo subserviente).
A Argentina tem uma dívida de US$ 44 bilhões com o FMI, questão está no centro dos problemas da Argentina, porque o país tem apenas 22 bilhões de dólares em reservas, que pode ser considerado o Calcanhar de Aquiles da economia. Em maio, o Fundo Monetário Internacional (FMI) liberou US$ 800 milhões para o país. O FMI em relatório técnico divulgado em maio afirmou que Javier Milei superou as metas de aumento de reservas. Elogio do FMI significa que a orientação da política governamental é contra o país.
É natural que o FMI esteja satisfeito. Milei fez um superávit primário no primeiro trimestre a custa de demissões, não repasse de recursos para os estados e as custas da fome da população da Argentina. Além disso, o governo também congelou as obras públicas, reduziu subsídios de energia e transporte para os consumidores e permitiu que a inflação corroesse salários e aposentadorias. As razões do imperialismo e da burguesia argentina apoiarem um presidente do estilo de Milei devem ser compreendidas à luz de uma situação mundial extremamente complexa. Neste momento de crise inusitado do Império, a América Latina é uma região estratégica. Milei de certa forma é um achado para o imperialismo. Está fazendo um trabalho que políticos “comuns” não aceitariam: destruir a economia argentina e entregar as riquezas naturais do país ao imperialismo. A Argentina é fundamental para o imperialismo pelos seus recursos naturais: grande quantidade de terras raras, que têm elevada produtividade. Compõe o triângulo do lítio (junto com a Bolívia e o Chile). Além do petróleo e gás natural, possui também ferro, alumínio, urânio e zinco.
O imperialismo como um todo, vem enfrentando grandes derrotas e crises em várias partes do planeta. Está praticamente perdida, por exemplo, a guerra na Ucrânia. Por isso, o império norte-americano precisa se fortalecer na região que considera seu “pátio dos fundos”, a América Latina. Obviamente se ele conseguir impor seu programa na Argentina vai incendiar o país. Atualmente a Argentina é uma espécie de laboratório de uma política de perda de direitos e de poder aquisitivo, que nunca foi vista no subcontinente, em período algum.
No mundo, um ataque destes aos direitos e a soberania, já foi visto em situações de guerra. O governo Javier Milei já enviou mais de mil medidas ao Congresso, ou as divulgou por decreto, que destroem a economia e o combalido poder aquisitivo da população. Não precisa ter bola de cristal para saber que tal política, se não for barrada pela população, irá conduzir o país vizinho a um beco sem saída, mais cedo do que tarde.
A fórmula que está sendo aplicada na Argentina já foi testada várias vezes no país (e na região): liquidação do mercado consumidor interno, destruição da indústria, privatizações e entrega das riquezas naturais, não são novidades no país, exceto pelo extremismo das medidas, e pelo comportamento folclórico de Milei e sua trupe. Em março, por exemplo, o ministro da economia, Luís Caputo, um conhecido peão do sistema financeiro, anunciou medidas que abriram as importações de produtos da cesta básica, suspendendo por 120 dias alguns impostos sobre as compras destes, supostamente para controlar a inflação, que, apesar da devastação do poder de compra da população, anda perto dos 300%, como vimos. Estão nessa lista produtos como Alimentos, bebidas e produtos de limpeza, cuidados, higiene pessoal e medicamentos.
Abrir as importações é medida conhecida aqui na América Latina há muito tempo, inclusive na Argentina. Não há garantia de que a inflação irá cair, por um lado. Por outro lado, é certo que irão levar à falência as pequenas e médias empresas nacionais, que não conseguirão concorrer com grandes empresas multinacionais, que têm grandes escalas de produção e, portanto, custos menores. Não precisa ser economista, basta ter bom senso para saber que, abrir as importações de produtos básicos, em meio a uma recessão brutal, com perda de poder aquisitivo das famílias e queda das vendas, vai quebrar pequenas e médias empresas nacionais.
Estas medidas vêm num contexto em que a indústria da Argentina está literalmente na lona. Segundo os dados do Indec, mencionados acima, a Indústria caiu em março 19,6%, na comparação com março do ano passado. Ao invés de analisar a cadeia de produção e comercialização dos produtos básicos que estão pressionando a inflação, para ver onde está localizado o problema, e tentar resolver, optam por abrir indiscriminadamente as importações, o que vai afetar diretamente a indústria nacional.
O governo argentino também anunciou a suspensão das restrições ao mercado de câmbio, para impor, em um segundo momento, um sistema de livre concorrência. O governo quer acabar com as restrições cambiais, tentando instalar uma “concorrência cambial”, na qual o peso argentino concorreria livremente em transações com o dólar americano ou qualquer outra moeda. O objetivo, teoricamente, é baixar a inflação. Restringir as restrições cambiais é uma conhecida prescrição do FMI que é passada para os países subdesenvolvidos desde, no mínimo, a década de 1980. A economia brasileira já foi monitorada pelo FMI e esta era uma receita do fundo para o Brasil: eliminar as restrições cambiais. Se o Estado não intervir no mercado de câmbio (mercado de moedas), controlando a taxa de câmbio, através, por exemplo, de compra e venda de dólares, pode haver movimentos especulativos contra o país, por exemplo, fuga de capitais, como já ocorreu tantas vezes na América Latina.
A Argentina, mesmo, viveu isso recentemente. Em 2018, Mauricio Macri teve que recorrer ao FMI em função de uma crise cambial, com fuga de capitais e desvalorização da moeda nacional. FMI é sinônimo de péssimas lembranças para o povo argentino. A palavra vem sempre associada a catástrofes financeiras. Para o Brasil também. No primeiro governo Lula, em 2003, o Brasil devia US$ 30 bilhões para o FMI e não tinha dinheiro para pagar suas importações. Como acontece com a Argentina hoje. O Brasil também não tinha reservas internacionais, claro. Como acontece com a Argentina, que tem um trocado nas reservas. Essa situação mudou, porque o governo Lula inverteu o sinal da política. Além disso, em 2005, o governo Lula quitou todas as dívidas com o FMI. Em 2009, o Brasil emprestou dinheiro ao FMI pela primeira vez na história: US$ 10 bilhões.
Um dos riscos decorrentes das medidas cambiais do governo argentino é a valorização do peso, o que significaria uma perda enorme da competitividade da economia argentina, ou seja, haveria uma invasão de produtos estrangeiros no país, inviabilizando ainda mais a indústria nacional. O governo quer preparar o terreno, aparentemente, para dolarizar a economia, o que seria uma verdadeira loucura, já que a dolarização não existe em nenhuma economia importante do mundo. Estamos falando aqui da segunda economia da América do Sul. Propor renunciar à moeda nacional, instrumento fundamental da macroeconomia, em favor da moeda do país mais imperialista do mundo, é coisa realmente de maluco. Especialmente se considerarmos que a tendência global é exatamente na direção contrária. Os países do Brics, por exemplo, estão gradativamente construindo as condições para realizarem transações entre si, com suas próprias moedas e não mais com dólar. China e Rússia já estão fazendo isso.
No caso argentino tem um agravante. O governo da Argentina não tem dólares, está mendigando empréstimos ao FMI para aumentar suas reservas. Como vai dolarizar uma economia que não dispõe de dólares? Este é um problema central da Argentina: é uma economia bi monetária, as pessoas e empresas fazem poupança em dólares. Esta é uma realidade de muitos anos na Argentina, que recorreu ao FMI pela primeira vez em 1957.
O volume exportado pelo Brasil para a Argentina caiu 31,5% em janeiro deste ano em relação ao mesmo mês de 2023. Isso fez com que a participação da Argentina nas exportações brasileiras descesse a uma fatia de apenas 2,8% em janeiro, a menor da série histórica para esse mês do ano, segundo o Indicador de Comércio Exterior (Icomex) divulgado em fevereiro pelo governo brasileiro. Obviamente não houve nenhuma medida protecionista por parte do governo argentino, que é contra esse tipo de política. A redução violenta das importações do Brasil pela Argentina tem a ver com a brutal recessão, na qual as famílias empobreceram rapidamente e tiveram que reduzir seu consumo ao mínimo.
O Brasil tem importantes relações comerciais com a Argentina, com destaque ao comércio de peças e insumos em geral para a indústria automobilística, previsto no Mercosul. Obviamente a crise na Argentina, e as medidas de um governo que parece não entender nada de economia real, obviamente coloca em risco a relação entre os dois países. A valorização cambial na Argentina, por exemplo, com as medidas de competitividade cambial anunciadas pelo ministro Caputo da economia, vai deteriorar a relação comercial entre Brasil e Argentina.
O Brasil é o principal parceiro comercial da Argentina, superando inclusive a China, que vem em segundo lugar. Obviamente não interessa ao Brasil ter um superávit comercial gigantesco com a Argentina, porque isso é insustentável. Relação comercial positiva e duradoura implica em equilíbrio entre os parceiros. Não é interessante para o Brasil esmagar com suas exportações a economia argentina, pois isso não teria sustentabilidade e iria deteriorar a relação política. As próprias regras do Mercosul preveem um certo equilíbrio comercial entre os países membros.
O objetivo do programa de governo de Milei e Caputo não é “dar certo” do ponto de vista dos interesses nacionais. O objetivo é transformar o país em definitivo numa base para investimentos especulativos, principalmente para os grandes grupos financeiros. Claro que isso não interessa à Argentina e não interessa aos vizinhos. Como se sabe, se o programa de Milei for empurrado goela abaixo no país vizinho, o imperialismo tentará fazer o mesmo em toda a região.
Por detrás do processo argentino, há uma crise inédita do capitalismo internacional. Para abrir um novo ciclo de exploração e oportunidades de negócios precisam destruir a segunda economia mais importante da América Latina. Em face da crise mundial, optaram por dobrar a aposta do estrago neoliberal, na oportunidade que se abriu no país vizinho.
A postura fascista do governo da argentina chegou ao ponto de espalhar que as cozinhas comunitárias, fundamentais para o povo pobre não morrer de fome, não existem. São fantasmas. Existem em torno de 40 mil refeitórios ou cozinhas organizadas por movimentos populares comunitários na Argentina, chamadas lá de comedores. Estes refeitórios populares são fundamentais num país que tem 57% da população vivendo abaixo da linha de pobreza. Estes refeitórios populares dependem de financiamentos federal, municipais e estaduais, além de doações.
O governo Milei, que diz o que quer, sem se referenciar na realidade, acusa essas organizações de serem “comedores fantasmas”. Em face da denúncia da mídia independente, de que tem alimentos apodrecendo nos depósitos do governo, que por pura crueldade não são distribuídos, abriu-se mais uma crise no governo. Enquanto Milei, e sua ministra do capital humano, Sandra Petovelo, diziam que as cozinhas eram fantasmas, viralizavam imagens de cinco toneladas de alimentos apodrecendo nos depósitos do governo. A ação do governo, além de tentar matar os pobres de fome, visa caluniar e desarticular o movimento social da Argentina, ligado aos sindicatos, igreja e movimentos de bairro, que são, obviamente, obstáculos ao projeto macabro e destrutivo de Milei.