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História do Brasil

100 anos da Revolta Paulista de 1924

Na crise final da República Velha, tenentes do Exército rebelam-se contra a ditadura de Artur Bernardes, tornando São Paulo palco da mais violenta guerra urbana já vista no País

Neste dia 5, completa-se o centenário de um dos mais importantes acontecimentos do País no século XX: trata-se da Revolta Paulista, uma verdadeira guerra civil que, além de São Paulo, conflagrou o atual Mato Grosso do Sul e os estados do Sul do País. Durante 23 dias, a cidade de São Paulo experimentou a ainda hoje mais intensa campanha militar em espaço urbano já ocorrida no País, como indica o relato abaixo:

“O episódio registrou barricadas nas ruas, tanques de guerra em ação, tiroteios cruzados, atuação da força aérea e bombardeios no centro da cidade, constituindo, de fato, um cenário de guerra”, descreveu em sua tese (“Julho de 1924: a ‘Revolta Esquecida’ na cidade de São Paulo”, Rev. Hist. UEG, jan-jun 2022) Matheus Bino Teixeira, mestrando em Estudos Brasileiros pela Universidade de Lisboa, acrescentando ainda: “bairros operários como Brás, Mooca, Ipiranga e Centro foram diretamente atingidos, assim como o bairro Campos Elísios, onde era sitiado o Palácio Presidencial de São Paulo, que acabou sendo invadido e dominado pelos revoltosos, obrigando o Presidente paulista Carlos Campos a fugir da residência sob proteção de tropas federais”.

Outras descrições mostram metralhadoras posicionadas na Vila Mariana e barricadas erguidas na Avenida Paulista, entre uma série de localidades onde os combates se desenvolveram, por toda a cidade. Pelo menos 250 mil pessoas fugiram de São Paulo durante as batalhas. O mapa abaixo mostra o plano de ataque elaborado pelos insurgentes:

A razão de tanta determinação para mudar o regime era a total falência da República Velha. Dois anos antes, iniciara-se um movimento nacionalista, liderado pela baixa oficialidade do Exército, disposto a pôr fim ao regime de submissão ao imperialismo e impulsionar o desenvolvimento nacional. Embora derrotada, a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana e seu desfecho dramático (e heroico!) inspiraram uma geração de jovens oficiais a se rebelarem contra o governo Artur Bernardes, representante da ditadura dos latifundiários (sobretudo do café), os quais constituíam a principal barreira interna ao progresso da jovem nação.

Se o governo Bernardes representava os latifundiários e o imperialismo, os militares expressavam as aspirações de uma burguesia industrial ascendente, mas contraditória. Um segmento desejava tomar o poder dos cafeicultores e firmar-se como a ala dominante, mas enfrentava os setores que tinham negócios com o café, com os monopólios estrangeiros e, principalmente, temiam o proletariado nacional, que, sete anos antes, dera uma demonstração de força impressionante com a primeira greve geral do País.

O movimento revoltoso, por sua vez, era uma continuidade da insurreição de 1922 e, por sua vez, daria início a outro episódio de bravura e grandeza, marcante da história nacional, representado pela Coluna Prestes. A despeito das contradições no interior da burguesia, a política vigente até então, dominada pelo latifúndio, estava fadada a dar lugar a outro tipo de arranjo, onde os industriais deveriam ter uma fatia maior do orçamento. Era essa disputa que desencadearia uma explosão social na madrugada do dia 5 de julho, quando o movimento irrompe.

Começa a revolução

Sob o comando do general reformado Isidoro Dias Lopes, cerca de 1,5 mil militares opositores deram início à ofensiva, atacando quartéis e pontos estratégicos na cidade de São Paulo. Os rebeldes conseguiram dominar rapidamente diversas áreas importantes da cidade, porém, enfrentaram muita resistência das forças do governo. Nos primeiros dias, as batalhas se concentraram em pontos como o Quartel da Luz e o Quartel-General da Força Pública, ambos capturados pelos insurgentes após intensos combates.

No início da revolta, o governo federal tinha aproximadamente seis mil homens, além de contar com apoio de unidades da polícia e grupos civis armados. Os rebeldes, por sua vez, contavam com cerca de dois mil homens, entre militares e civis armados.

Durante as primeiras semanas de combate, a cidade de São Paulo foi cenário de intensos bombardeios e tiroteios. O uso de artilharia pesada resultou na destruição de vários edifícios, com estimativas indicando cerca de 350 edifícios completamente destruídos, incluindo residências, comércios e prédios públicos.

Pelo menos 15 aviões foram usados pelas forças de Bernardes para bombardear posições rebeldes. A precisão dos ataques aéreos era limitada, mas resultaram em danos colaterais significativos à infraestrutura da capital paulista. Os rebeldes também improvisaram um sistema de defesa antiaérea, embora com eficácia limitada. Além dos aviões, 30 tanques e veículos blindados foram usados pelo governo para avançar sobre as posições rebeldes.

O sucesso inicial dos revoltosos leva o governador Carlos de Campos a retirar-se para a estação de Guaiaúna, na Zona Leste, em 8 de julho. No dia seguinte, os combates se intensificaram na região central, com a Avenida Paulista e o Viaduto do Chá, convertidos em palco de violentas batalhas. Localizado no Arouche, no Centro da cidade, o Hotel Esplanada foi transformado em um hospital de campanha para tratar os feridos, que aumentavam diariamente. Estima-se que, ao final do conflito, cerca de cinco mil pessoas tenham sido feridas e aproximadamente 503 pessoas mortas, incluindo militares, civis e policiais.

No dia 13 de julho, a situação dos rebeldes começou a se deteriorar. As forças do governo conseguiram cercar e isolar várias posições rebeldes. A falta de suprimentos e munições começou a afetar a moral dos insurgentes.

Comandadas pelo general Eduardo Sócrates, as tropas governamentais concentraram grande parte do efetivo nacional na cidade, com cinco homens para cada um rebelde. Aproveitando-se da expressiva vantagem numérica e o enfraquecimento dos rebeldes, as tropas de Sócrates começam a reconquista de São Paulo a partir dos bairros operários nas zonas Leste e Sul. Durante os combates, a cidade também sofreu com a escassez de alimentos e medicamentos, agravando a crise humanitária. Reforçadas por unidades vindas de outros estados, as tropas governamentais iniciaram um cerco a São Paulo, obrigando os insurgentes a refugiarem-se no interior.

Vitória momentânea

O governo de Bernardes, por sua vez, procurou reforçar suas posições, utilizando a Lei de Estado de Sítio para intensificar a repressão e controlar os focos de insurreição em todo o País. Vários líderes da revolta foram presos, exilados ou se viram obrigados a viver na clandestinidade. Além disso, sindicatos, organizações civis e partidos políticos que demonstravam simpatia ou apoio aos rebeldes também foram duramente perseguidos. Data desta época, por sinal, uma criação da ditadura de Bernardes que marcará a história brasileira a partir de então: trata-se do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), a unidade de polícia política que se tornará particularmente monstruosa a partir da Ditadura Militar (1964-1985).

A Revolta de 1924 teve um impacto significativo na vida política brasileira. Ela evidenciou a fragilidade do governo e a insatisfação crescente com a política oligárquica da Primeira República. Os eventos de São Paulo serviram de inspiração para futuros movimentos revolucionários e demonstraram que a oposição ao governo podia ganhar força e adesão, mesmo diante de repressão violenta.

Após a derrota do movimento revolucionário na capital paulista, os revoltosos buscariam fuga para o interior do estado, cruzando o Rio Paraná e chegando a Três Lagoas (atual Mato Grosso do Sul). Após dois dias de combates onde prevaleceu o uso das táticas de guerrilha, as forças governamentais perderam entre 500 a 700 homens (entre mortos e feridos), enquanto as baixas rebeldes foram estimadas entre 400 e 600 na cidade, criando um impasse em que nenhuma das forças conseguia controlá-la.

Com a cidade submetida a bombardeios aéreos e temendo o cerco, os rebeldes deslocaram-se novamente, chegando ao Paraná, onde conseguiram unir-se a revoltosos saídos do Rio Grande do Sul, momento em que é formada a Coluna Prestes. Responsável por atravessar o País e percorrer impressionantes 25 mil quilômetros, travando, em média, uma batalha a cada quinzena sem jamais ter sido derrotada militarmente, a Coluna liderada pelo jovem capitão Luís Carlos Prestes conquistou um feito militar comparável apenas à Grande Marcha empreendida pelo Partido Comunista Chinês sob a liderança de Mao Tsé-Tung, ocorrida anos depois da realização histórica dos revolucionários brasileiros.

Mesmo derrotada, seis anos depois, as aspirações que mobilizaram a Revolta Paulista seriam enfim vitoriosas, com o fim definitivo da República Velha, comprovando que qualquer vitória contra um movimento progressista é meramente momentânea.

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