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Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

CHACINA NO GUARUJÁ

Trabalhadores e vagabundos

Morador de favela é "vagabundo" e policial é "trabalhador": antirracsmo estrutural não enfrenta excessos da polícia

A notícia da chacina do último sábado, perpetrada pela Rota numa favela do município de Guarujá, está em todas as páginas da imprensa burguesa. Nelas ficamos sabendo que o policial assassinado tinha 30 e poucos anos, era casado e pai de filho pequeno, enfim, era um jovem rapaz morto no exercício de sua nobre profissão de fazer cumprir a lei. Do outro lado, a notícia é um número em ascensão – oito mortos, nove mortos, dez mortos, dezenove mortos – e a ficha criminal (importa saber se o morto tinha ou não “passagem pela polícia”).

A declaração do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, não deixa dúvidas acerca da orientação da força policial: “Nós não vamos deixar passar impune agressão a policial. Não é possível que o bandido, que o criminoso, possa agredir um policial e sair impunemente, então nós vamos investigar, nós vamos prender, nós vamos apresentar à Justiça, nós vamos levar ao banco dos réus. Foi isso exatamente que foi feito nesse fim de semana. Estou extremamente satisfeito com a ação da polícia”.

Segundo o governador, que se diz muito satisfeito com o ocorrido, é preciso investigar, prender, apresentar à Justiça e levar ao banco dos réus. Salta aos olhos, porém, a afirmação de que “foi exatamente isso o que foi feito nesse fim de semana”, em flagrante descompasso com o próprio noticiário. Com uso capcioso da palavra “confronto”, que, na sua opinião, bem descreve os fatos, Tarcísio sugere que policiais e moradores de favelas, estes genericamente tratados como “bandidos” ou “vagabundos”, como prefere a polícia, estejam num campo de batalha e tenham paridade de armas. Não é o que parece.

A imprensa burguesa elencou os mortos, tomando o cuidado de indicar os que “tinham passagem pela polícia”, o que parece ser, no imaginário da classe média convertida ao cor-de-rosismo, um sério atenuante aos crimes praticados pela corporação. Até a velha expressão “atitude suspeita”, muito usada para justificar a repressão na ditadura, aparece na reportagem do G1. Não bastasse essa pérola, o repórter, ao mencionar um ex-detento, diz que ele está “solto” há seis anos (estar “solto” não é estar livre ou ter cumprido a pena, é o estigma de ter “passagem pela polícia”). Se “tem passagem pela polícia”, é, tecnicamente, “bandido” – e, como nos lembrariam os Datenas do jornalismo, “bandido bom é bandido morto”. Assim, Datena (o próprio) e seus amigos, a esta altura, devem estar erguendo um brinde ao heroísmo da tropa.

Essa mesma imprensa, aparentemente se esqueceu de dizer qual era a cor da pele dos mortos, embora tenha publicado algumas fotos. O jovem Filipe do Nascimento, por exemplo, era um jovem de 22 anos, negro, funcionário de uma barraca de praia. Os identitários, sempre tão ciosos de cobrar ações de letramento racial da branquitude de classe média, pouco se manifestaram, o que revela o caráter pequeno-burguês desse “antirracismo estrutural”.

 Veja-se o que disse, em nota oficial, o próprio Silvio Almeida, ministro da pasta dos Direitos Humanos e da Cidadania do governo federal e papa do letramento racial no Brasil:  “Foi cometido um crime bárbaro contra um trabalhador que precisa ser apurado, mas nós não podemos usar isso como uma forma de agredir e violar os direitos humanos de outras pessoas”.

No discurso do ministro, nem uma palavra sobre racismo, estrutural ou não, nas ações policiais. O policial foi tratado como um “trabalhador”, que sofreu um “crime bárbaro”, e os moradores da favela foram caracterizados genericamente como “outras pessoas”.

Como faria qualquer branco, cis, hétero e tucano, sintetizou: “É preciso um limite para as coisas. Então, eu acho que o limite para isso é o respeito aos direitos humanos, seja para os agentes da segurança pública, seja para a população dos territórios onde a polícia atua”. Como vimos, nessa platitude, trata os dois lados como iguais. No mundo Barbie do momento, só faltou sugerir que uns e outros “fizessem as pazes”.

Seria bom Almeida explicar o que são direitos humanos e dizer o que pensa de ter a polícia torturado pessoas e entrado atirando para exterminar uma quantidade de indivíduos (60 talvez?) – quaisquer que fossem – como vingança. Em que artigo da lei está enunciado que a vida de um policial vale a vida de 20 moradores das favelas e que a morte do agente autoriza a pena de talião?

Pelo jeito, racismo é só contar piada sem graça, usar o verbo “denegrir” ou mesmo, como outrora fez o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, dizer que “tem o pé na cozinha”. A depender do CEP (ou da falta dele), nem vale a pena lembrar que são negros morrendo nas mãos da polícia, a qual, nos territórios da periferia, julga e executa. Vale um curso de letramento racial para a polícia?  

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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