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Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Liberdade de expressão

Quanto custa a liberdade de expressão?

Amanhã ou depois, qualquer pensamento, expresso em voz alta ou por escrito, poderá ser punido, ao sabor da conveniência

“Posso falar o que acho? Mas fala baixo!” Era assim que terminava um já antigo esquete do humorista Jô Soares, conhecido por suas críticas à ditadura militar de 1964 e à sanha dos censores. O bordão nos vem à memória “ressignificado”, como gostam de dizer os intelectuais. Em tempos de Internet, quando, em tese, a expressão de ideias está ao alcance de todos, o controle da opinião está cada vez mais intenso e, paradoxalmente, sob a alegação de que seria uma garantia da “democracia”.

Aparentemente, quando mais vozes ganharam o espaço público – graças à Internet –, as contradições da sociedade ficaram muito mais expostas. A esquerda pequeno-burguesa, por exemplo, espantou-se com a existência dos agora chamados “bolsonaristas”, gente que não se imaginava existir antes da eleição de seu líder. Essa esquerda descobriria que nem todo o mundo é da classe média e que a sociedade é bem mais complexa do que parece quando vista de perto.

As teorias identitárias, que conquistaram os corações e mentes de jovens universitários de classe média, seduzidos por uma pauta conservadora de institucionalização de toda e qualquer reivindicação, buscam mostrar que nossos inimigos são os nossos vizinhos e que nossas atitudes individuais são tão relevantes que delas depende merecermos ou não até um emprego. Tentam a todo custo tirar a luta de classes do centro do debate, como se aquilo que de fato estrutura a sociedade fosse algo sem importância diante de cor de pele, orientação sexual, “gênero”, adesão ao ambientalismo, elogio do veganismo, apologia da “diversidade” etc.

Como os identitários – que, a propósito, rechaçam a denominação – tudo fazem para ver suas ideias transformadas em leis, o que temos hoje é uma situação jurídica em que qualquer pessoa é um potencial criminoso por eventualmente ofender alguém, mesmo sem se dar conta disso, ou por lhe tirar a “tranquilidade” em razão de uma palavra dita.

Há quem leve alguém às barras de um tribunal por ter sido chamado de “palhaço”, coisa que lhe ofenderia a ilibada reputação. Basta “argumentar” que se sentiu ferido em sua honra ou que perdeu a tranquilidade psicológica para estar no direito de pedir uma indenização que lhe calce os bolsos e, de quebra, lhe apazigue o espírito.

Na imprensa burguesa, que abraçou a causa dos identitários, temos encontrado notícias de pessoas que sofreram condenação judicial por terem cometido injúrias raciais e/ou homofóbicas. Em geral, é noticiado que fulano de tal fez “declaração racista” ou “declaração homofóbica” e se escamoteia em que, de fato, consiste a referida declaração, informação muito relevante, já que ninguém sabe ao certo o que pode ser considerado uma declaração delituosa.

Com algum esforço, conseguimos descobrir algumas das declarações que levaram a condenações. Tomamos conhecimento, por exemplo, de que um funcionário de empresa aérea recebeu R$3 mil como indenização por ofensa homofóbica feita por superior hierárquico. Segundo uma testemunha disse em depoimento perante a Justiça, o supervisor do reclamante, ao ouvi-lo ao telefone, fez o seguinte comentário: “Esta ‘viadagem’ a esta hora!”. Custou-lhe os R$3 mil e, provavelmente, as custas processuais.

O valor da indenização, ao que tudo indica, é tão arbitrário quanto todo o resto. A loiríssima cantora Luísa Sonza, por exemplo, não divulgou quanto pagou para encerrar um processo de racismo, deflagrado pelo fato de ter pedido um copo de água para uma mulher negra, imaginando tratar-se de funcionária do evento em que apresentava seu show. Como não era funcionária, mas, sim, advogada, a mulher processou a cantora com base na teoria do “racismo estrutural”.

Segundo a revista Veja: “Isabel [a mulher negra] parou atrás de Luísa em um evento, quando ela virou, bateu no seu ombro e disse: ‘Pega um copo d’água pra mim?’. A cantora ainda teria insistido: ‘Você não trabalha aqui?’”. Na interpretação de quem redigiu a matéria, a segunda frase foi “insistência” da cantora – provavelmente um agravante do crime de pedir um copo de água para a pessoa errada, desde que seja negra. Fosse branca, a coisa teria sido um mal-entendido.

De Bolsonaro foram cobrados R$150 mil por ter dito no programa CQC, quando era deputado, “que nunca passou pela sua cabeça ter um filho gay porque seus filhos tiveram uma ‘boa educação’, com um pai presente”. Em outro momento do programa, instado a responder a perguntas “do público”, disse que “não participaria de um desfile gay porque não promoveria ‘maus costumes’ e porque acredita em Deus e na preservação da família”. Vale lembrar que o programa liderado por Marcelo Tas levantava esse tipo de questão exatamente para ouvir as respostas previstas, o que lhe garantia a audiência.

Da atriz Cássia Kis são pedidos R$250 mil por ter dito em entrevista o seguinte: “Não existe mais o homem e a mulher, mas mulher com mulher e homem com homem. Essa ideologia de gênero que já está nas escolas. Eu recebo as imagens inacreditáveis de crianças de 6, 7 anos se beijando, onde há inclusive um espaço chamado ‘beijódromo’ ou algo assim.  Que eu saiba, homem com homem não dá filho, mulher com mulher também não dá filho. Como a gente vai fazer?”. No caso, quem pede a indenização é a ONG Arco-Íris, que destinaria os recursos a ações em prol da comunidade LGBTQIA+.

Como ocorre com as ONGs em geral, o Grupo Arco-Íris tem uma série de parceiros internacionais (“O Grupo Arco-Íris contou, para execução desses diversos projetos, com o apoio e financiamento de vários parceiros da sociedade civil, poder público e iniciativa privada, nacionais e internacionais, a exemplo da UnaidsPact BrasilUSAID (EUA)Fundação Schorer (Holanda)Micro Rainbow International (Reino Unido)União EuropeiaICCO (Holanda)Fundo PositHivoDepartamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais do Ministério da Saúde do BrasilMinistério da JustiçaMinistério dos Direitos HumanosMinistério da CulturaMinistério da EducaçãoFiocruzInstituto RioAmbevUber, entre outros”), como se vê no seu site.

Aparentemente, quando a ação é movida por uma dessas entidades e envolve pessoas famosas, a indenização chega a valores muito altos. Caso contrário, como definir que um comentário sobre “viadagem” ouvido de passagem saia por módicos R$3 mil e um “homem com homem não dá filho” saia por R$250 mil? O pior de tudo é que o mais provável é que tanto o julgamento como a indenização sejam decididos subjetivamente pelo juiz.

Mais importante ainda é pensar no custo embutido na aceitação desse tipo de controle, que se justificaria com base na legitimidade de causas como a defesa dos negros e da população LGBT. Talvez seja pedagógico o processo do governador tucano Eduardo Leite contra Jean Wyllys, um gay acusando o outro de homofobia por causa de bate-boca em rede social. Caberá a um juiz decidir qual dos dois é o gay que vai pagar a indenização e qual deles é o gay que vai recebê-la. Cabe perguntar o que efetivamente ganha com isso a população LGBT.

O fato é que, amanhã ou depois, outros pensamentos, expressos em voz alta ou por escrito, poderão ser punidos, ao sabor da conveniência. “Posso falar o que acho?” Pode, mas corre o risco de pagar caro.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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