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Marcelo Marcelino

Membro Auditoria Cidadã da Dívida Pública (ACD) nacional, sociólogo, economista e cientista político, pesquisador do Núcleo de Estudos Paranaenses – análise sociológica das famílias históricas da classe dominante do Brasil e membro do Partido da Causa Operária – Curitiba.

Carlos Brandão no BC

Presidentes do BC na ditadura: Carlos Brandão (15/03/79-17/08/79)

Mais um membro da classe dominante no controle estratégico do Banco Central no governo militar

 O presidente do BCB Carlos Brandão assumiu a cadeira logo após a saída de Paulo Lira que cumpriu seu mandato durante o tempo que o general presidente Ernesto Geisel se manteve no poder entre 1974-79. Carlos Brandão teve uma curta passagem pelo Bacen entre março e agosto de 1979 ainda no início da gestão do general presidente João Batista Figueiredo, até ser substituído por Ernane Galvêas, que também permaneceu por pouco tempo na sua segunda passagem à frente do BCB, já que logo em seguida assume a pasta de Ministro da Fazenda; permanecendo até o final da gestão do presidente João Figueiredo.

De qualquer maneira a sua passagem merece destaque pelo contexto que experimentou à frente da presidência do BCB e pela sua trajetória sociológica repleta de “capitais” a serem identificados e analisados como um objeto de pesquisa relevante para os estudos nas ciências sociais, em especial para as explicações sociológicas sobre elites e classe dominante no contexto da sociologia política, histórica e da economia política.

Origem familiar

Carlos Brandão nasceu em 1928 em Passos no Estado de Minas Gerais, é filho de Antônio Brandão Filho e Maria José da Fonseca Brandão, são no total de 8 irmãos. Ao completar 5 anos de idade mudou-se para Barretos em São Paulo com a família. Seu pai era um afortunado dono de fazendas com criação de gado, curtume e charqueada. Devido à crise de crédito durante a segunda guerra alguns setores foram afetados economicamente, inclusive o setor da pecuária, onde o pai mantinha parte importante dos negócios.

Carlos Brandão se tornou dono de fazenda como o pai, tem um filho com mestrado (master) em Economia e doutorado em filosofia (PhD), mas resolveu montar uma empresa de informática. A leitura desde cedo se tornou um hábito que passou a cultivar ao construir uma biblioteca da área de humanas na sua fazenda. Notamos de largada que os “capitais” familiares de Carlos Brandão são fundamentais como eixo norteador da trajetória de vida do ainda incipiente personagem relacionado as origens profissionais bancárias, já que inicia a sua carreira num banco privado devido a relações de parentesco e afinidades. Outro aspecto importante encontramos quando abordamos a família Brandão, já que o próprio Carlos tem em sua fazenda a árvore genealógica da família.

O capital educacional e cultural está presente no seio da família a partir dos relatos de Carlos Brandão que mantém o cultivo da leitura e de livros e o interesse pela história da família via árvore genealógica. O capital econômico familiar, as conexões políticas e de afinidades apareceram desde cedo na carreira de Carlos, já que foi através do parentesco e das relações de amizade que surgiu o primeiro emprego de Carlos; e logo num banco. Antes mesmo de seguir carreira no campo econômico e financeiro Brandão possui “capitais” que o habilitam a penetrar nos circuitos profissionais mais elitizados. Trabalhar nos negócios do seu pai por um tempo; logo após pedir demissão do banco não foi suficiente para que permanecesse em São Paulo e logo retorna ao Rio de Janeiro onde havia estudado e trabalhado.

Segundo a Coleção História Contada do Banco Central do Brasil VIII. (2019, p. 15-17):

Poderia falar um pouco sobre suas origens? Nasci em Passos, nas terras da família, em 1928 – hoje sou proprietário de uma fazenda próxima; posso dizer que voltei às origens. Aos cinco anos de idade, meus pais, Antônio Brandão Filho e Maria José da Fonseca Brandão, transferiram-se para Barretos, no estado de São Paulo, onde permaneci até os dezessete anos. Meu pai era dono de fazendas, com muito gado, charqueada, curtume; era uma pessoa de fortuna. Mas a crise de crédito que se instalou durante a guerra afetou a pecuária, que se viu envolvida por uma moratória. Os prejuízos atingiram todo o interior, e ele não ficou imune. A crise me marcou muito. Na época, tinha uns quinze anos, estava em uma fase de transição e decidi cuidar da minha vida, sem depender de ninguém. É o meu caráter. Dos filhos, sempre fui o mais independente.

Era uma família numerosa?

Somos oito irmãos, mas, desde garoto, sempre tive uma característica de independência muito forte. Por isso, após fazer uma parte dos estudos em Barretos, fui para São Paulo e, depois, para o Rio de Janeiro, meu destino, segundo imaginava. E havia um aspecto curioso: muito jovem ainda, já gostava de filosofia. Aos treze anos, comecei a ler todos os teóricos, Nietzsche inclusive.

Motivado por quê?

Não sei. Em Barretos, existia um clube com uma biblioteca, e me caiu nas mãos, circunstancialmente, As Meditações, de Marco Aurélio. A partir daí, comecei a me interessar por coisas do pensamento e não parei mais. Minha formação humanística é muito ampla: li todos os grandes filósofos, desde a Grécia antiga. Não há nada que eu não tenha lido e relido. E anotado. Só leio anotando. Fui acumulando livros e, hoje, possuo uma biblioteca filosófica extraordinária na fazenda. A filosofia é a minha paixão, e creio que isso influenciou meu filho. Ele tem o Master em Economia, mas decidiu cursar Filosofia, tornando-se PhD na matéria. No entanto, montou uma firma de informática, dedicando-se a outra área. A vida é complicada mesmo. Bom, após sair de Barretos, trabalhei e estudei durante algum tempo em São Paulo. E, como tinha um ponto de referência no Rio de Janeiro, um tio, resolvi visitá-lo – quem sabe ficaria por lá? Na época, não havia telefone. Nem a Rodovia Presidente Dutra era asfaltada. Viajei de trem e, apesar do gosto pela filosofia, a vontade de conhecer o mundo me levou a acalentar um objetivo diferente: ser oficial da Marinha. Acontece que, quando cheguei ao Rio, as inscrições na Marinha já estavam encerradas. O fato me deixou meio sem norte, mas, mesmo assim, decidi ficar e tentar arranjar um emprego.

Meu tio era casado com uma Brandão Pessoa, mas de Ubá – o tronco dos Brandão é um só: na fazenda, tenho a árvore genealógica da família. E essa senhora, Haydé Pessoa Brandão tinha um tio deputado federal, que era amigo do presidente do Banco Hipotecário Agrícola e me assegurou um cargo no setor de correspondente do banco. Assim foi. Sua família concordou com sua permanência no Rio de Janeiro? Meu pai bem que tentou me atrair de volta a São Paulo, onde tinha uma série de negócios, acenando com a possibilidade de trabalharmos juntos. Pedi demissão do banco, fui até lá, mas, depois de apenas quinze dias, decidi: “Pai, sou muito novo, e o senhor já sabe o que quer. Então, continue tocando os seus negócios que vou voltar para o Rio, para ver o que fazer”. Ele não se opôs, mas ponderou que procurasse um emprego melhor: “Estudo, somente, não basta. Qual é o melhor emprego que há?”. Respondi: “A meu ver, a melhor colocação é no Banco do Brasil”. E voltei pensando em fazer esse concurso. Mas, ainda durante um ano, auxiliei meu tio Joaquim Brandão a organizar a granja de seu sogro.

Relações com parentes políticos e amigos de banqueiros, proprietários de negócios com o pai e sogro e outras afinidades marcam o início da trajetória de Carlos Brandão, que assim como os anteriores presidentes do BCB herdam algum ou mais tipos de “capitais” que os colocam em vantagem em relação a entrada no interior de campos e subcampos envolvendo os setores econômicos e financeiros e instituições estratégicas de Estado.

Segundo as considerações de Pereira (2017; p.105):

A família constitui-se como um meio privilegiado de transmissão seja de um nome, do sobrenome, do patrimônio, da educação, da cultura ou de uma profissão. O processo de transmissão na família é fundamental para a construção de si, isto é, para a formação da identidade do indivíduo. As gerações da família transmitem conteúdos que visam assegurar a sobrevivência do grupo familiar através do tempo. Por isso a história de cada sujeito inicia-se em uma pré-história que antecede o nascimento, em que é tecida uma trama de expectativas, fantasias e desejos dos ascendentes.

Por isso enfatizamos o conceito e a abordagem teórica que procura explicar a ascensão e permanência dos indivíduos nas altas rodas ou circuitos sociais de status, prestígio e legitimidade profissional e acadêmica como decorrentes às famílias de origem da classe dominante[1] ou frações de classe da burguesia, já que no caso das elites não podemos dizer que essa posição privilegiada de destaque pode ser permanente. A permanência com grau elevado de conteúdo e densidade de capitais em cada campo e subcampo onde está inserido é uma característica da classe dominante que em muitos aspectos consegue se reproduzir historicamente através de relações matrimoniais entre famílias de destaque econômico, político e social, assim como através do compadrio e de outras incursões de afinidade e sociedades profissionais e de capitais econômicos; além das alianças políticas bem tramadas e conciliadas no espectro técnico e político.

Para Marx e Engels o controle do Estado burguês, dos meios de comunicação de massa, das instituições tecnocráticas e militares, além é claro do aparato produtivo e da reprodução e ampliação do capital financeiro. Na sequência iremos chamar a atenção para a teoria das elites que para esse trabalho é adequada enquanto os atores políticos e tecnocratas assumem postos e funções nas instituições de Estado e nas organizações privadas.

Ao mesmo tempo adotamos uma posição crítica a essa visão, já que as posições dos agentes ou atores econômicos e políticos é estabelecida de modo geral no seio da família de classe social abastada de bens ou posses e de “capitais” dos mais variados ou adquirem por intermédio de vínculos de afinidade ou de oportunidades de entrada em espaços sociais que possibilitem entrar no jogo e quiçá se estabelecerem e alcançarem posições de destaque nos diversos campos e subcampos da vida social. A classe social possibilita alcançar ou atingir os cargos e posições sociais de destaque ou privilégios, onde determinadas elites nem sempre pertencem a classe social dominante.

No que tange a Carlos Brandão constatamos na passagem a seguir que a classe social de origem possibilita a entrada dos atores em um determinado campo já carregados de “capitais” familiares que o conduzem pela via pavimentada nos diversos espaços ou campos.

Segundo a Coleção História Contada do Banco Central do Brasil VIII. (2019, p.17):

Depois dessa ótima experiência em organizar uma granja, fui trabalhar na agência carioca de um pequeno banco, cujos controladores eram proprietários da Fábrica de Cimento Itaú – localizada em uma cidade vizinha a Passos –, que deu origem ao atual Banco Itaú. Por sugestão de um contraparente, assumi o posto de investigador de cadastro – no sistema de investigação, a concessão de crédito às empresas dependia da análise do balanço. Aos 19 para 20 anos, mantinha o espírito muito aberto e logo me tornei um bom analista, adquirindo estrutura e sólido conhecimento da praça.

E deixou de lado os planos de carreira no Banco do Brasil?

Apenas temporariamente. Fiquei 2 ou 3 anos nesse Banco Itaú, mas afinal fiz concurso para o Banco do Brasil e passei. Fui designado para a agência da Praça da Bandeira, onde estava em torno de quinze dias, quando se deu a criação da Carteira de Comércio Exterior (Cacex).2 Fui um dos vinte primeiros funcionários da Cacex e trabalhei como correspondente, durante dois anos, ao lado de José Carlos Moreira Alves, atual ministro do Supremo Tribunal Federal. Alves acabara de se formar em Direito, defendia suas primeiras teses e, como eu, estava começando a vida. Ficamos amicíssimos.

Percebemos claramente as relações de afinidade e reciprocidade envolvendo vínculos com parentes como forma de adentrar aos espaços sociais e os campos e subcampos econômicos típicos da trajetória dos presidentes do Banco Central até o momento, principalmente onde a classe social já é identificada na origem da própria entrevista. Instituições financeiras de peso são criadas no momento que Carlos Brandão inicia a sua carreira e o Banco Itaú aparece como o banco que possibilitou Carlos Brandão a migrar com mais experiência profissional ao Banco do Brasil e ver nascer departamentos que seriam estratégicos para a economia brasileira como a CACEX (Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil), além da amizade, afinidade e percursos de interesse entre indivíduos no interior do Banco do Brasil como relata Carlos Brandão ao conhecer e se tornar amigo do futuro ministro do supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo a Coleção História Contada do Banco Central do Brasil VIII. (2019, p.17):

E deixou de lado os planos de carreira no Banco do Brasil? Apenas temporariamente. Fiquei 2 ou 3 anos nesse Banco Itaú, mas afinal fiz concurso para o Banco do Brasil e passei. Fui designado para a agência da Praça da Bandeira, onde estava em torno de quinze dias, quando se deu a criação da Carteira de Comércio Exterior (Cacex).2 Fui um dos vinte primeiros funcionários da Cacex e trabalhei como correspondente, durante dois anos, ao lado de José Carlos Moreira Alves, atual ministro do Supremo Tribunal Federal. Alves acabara de se formar em Direito, defendia suas primeiras teses e, como eu, estava começando a vida. Ficamos amicíssimos.

São esses capitais sociais que fortalecem a carreira e a trajetória de Carlos Brandão e que a partir do momento que ele assume posições estratégicas no Banco do Brasil a sua capacidade de conquistar e acumular mais “capitais” passa por um novo estágio. É a classe dominante tradicional ou recente no controle dos aparelhos de Estado a serviço da burguesia e do imperialismo.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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