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Henrique Áreas de Araujo

Militante do PCO, é membro do Comitê Central do partido. É coordenador do GARI (Grupo por Uma Arte Revolucionária e Independente) e vocalista da banda Revolução Permanente. Formado em Política pela Unicamp, participou do movimento estudantil. É trabalhador demitido político dos Correios e foi diretor da Fentect (Federação Nacional dos Trabalhadores dos Correios)

O maior artista da bola

Pelé, a expressão maior do futebol arte

O Rei do futebol é o cume de uma arte genuinamente brasileira

O brasileiro acostumou-se a ouvir a expressão “futebol arte”. O futebol feito aqui era artístico, diferente daquele realizado em outros lugares. Mais ainda, foi o Brasil que exportou para o mundo o futebol arte.

Apesar da familiaridade da expressão, a maioria do povo, amantes ou não do futebol, entendem-na como uma mera metáfora. Seria apenas uma expressão para diferenciar o futebol brasileiro, jogado com beleza, do futebol europeu, jogado com força.

Contudo, futebol arte não é mera expressão, nem mera metáfora; é uma realidade. O brasileiro transformou esse esporte em arte, uma nova arte, feita com o corpo e uma bola.

O escritor e cineasta italiano Pier Paolo Pasolini afirmou que “No momento em que a bola chega aos pés de Pelé, o futebol se transforma em poesia”. Foram muitas as analogias como essa para mostrar que o futebol havia se transformado em arte. Cronistas, como Nelson Rodrigues, Mário Filho e João Saldanha, por exemplo, usavam as artes cênicas, música, pinturas, esculturas, romances para mostrar o futebol arte.

Entre todas as analogias, nos parece que a que melhor se enquadra é a dança. A dança é a arte do movimento do corpo, geralmente acompanhado por música, criando uma cadência de ritmos que formam determinada harmonia.

Mas é apenas no movimento do corpo que o futebol se assemelha à dança. Enquanto esta está se enquadra num conjunto de normas técnicas que são treinadas e ensaiadas para a execução posterior do artista/dançarino, aquele está colocado numa situação de quase completa imprevisibilidade.

Poderíamos dividir as artes em duas categorias gerais: aquelas cuja principal característica é a execução, ou seja, em que a criatividade está subordinada à técnica; e as artes da composição, em que a criatividade se sobrepõe à técnica.

O futebol como arte conjuga essas duas características. Ele não pode ser feito com treinamento, apenas num grau muito pequeno. O treino não é nada mais do que um meio do artista adquirir uma instrumentação para a aplicação de sua arte. Sua aplicação exige mais criatividade do que ensaio, o artista/jogador precisa saber o que fazer em fração de segundos e isso só a criatividade pode resolver, não há treino ou ensaio que sejam suficientes.

E nesse sentido, a arte do futebol pode ser comparada também a um músico que improvisa. Ele aprendeu a técnica, treinou, mas a execução da música dependente quase que completamente de sua criatividade ali, na hora.

O futebol é uma arte do improviso, ou seja, da criatividade.

Essa é a arte do século XX. Apesar de o futebol como esporte ter sido criado na Europa, em particular na Inglaterra, essa arte foi criada no Brasil, é uma criação genuinamente brasileira.

Pelé foi a síntese mais perfeita dessa arte. Não foi ele quem criou o futebol arte, como alguns acreditam. Antes de Pelé, muitos outros jogadores já haviam contribuído para a transformação do futebol em arte: Arthur Friedenreich, Leônidas da Silva, Zizinho, Nilton Santos, Didi e poderíamos listar muitos aqui. Isso porque a transformação do futebol em arte não é o produto de um indivíduo. O futebol arte é uma criação coletiva, social, do povo brasileiro. É um produto da luta do povo pobre, em particular dos negros e mestiços, para se impor nesse esporte.

Pelé é o produto dessa luta. Ele é o indivíduo que congrega todas as principais qualidades artísticas que haviam sido desenvolvidas anteriormente, além de ter desenvolvido essas qualidades, ele mesmo foi um inovador.

O brasileiro criou essa arte, estabeleceu-a, desenvolveu-a, afirmou-a perante o mundo e fez com que ela dominasse o resto do mundo. Embora haja uma luta, que veremos mais adiante, entre o futebol burocrático e de força do europeu e o futebol arte brasileiro, fato é que o europeu foi obrigado a incorporar, por bem ou por mal, a técnica brasileira, tentando imitá-la, embora sem muito sucesso.

Pelé é o cume do desenvolvimento dessa arte que se iniciou no início do século XX, por isso, a ideia de que poderia surgir algum jogador do mesmo nível que Pelé é errada. Pelé é insuperável não por um problema de mera opinião ou do gosto de quem aprecia o futebol. Igualar Pelé como grande jogador, ou melhor, como grande artista da bola, só seria possível se o futebol passasse por uma nova e profunda transformação, uma nova revolução como a que criou o futebol arte brasileiro do início do século.

Em seus escritos sobre arte e literatura, Leon Trótski explica o problema da elevação cultural da sociedade:

“O homem libertado buscará melhor equilíbrio no funcionamento de seus órgãos e no mais harmonioso desenvolvimento de seus tecidos. (…) O homem irá se esforçar para dirigir seus próprios sentimentos, elevar seus instintos ao plano do consciente e torná-los límpidos, para orientar sua vontade nas trevas do inconsciente. Irá atingir assim um estágio mais elevado da existência e criará um tipo biológico e social superior, um super-homem, se isso lhe agrada.

(…) A construção social e a auto-educação psicofísica vão se tornar duas faces de um só processo. E todas as artes — literatura, teatro, pintura, escultura, música e arquitetura — darão a esse processo uma forma sublime. (…)

O homem irá se tornar incomparavelmente mais forte, mais sábio e mais sutil. Seu corpo será mais harmonioso, seus movimentos mais rítmicos, sua voz mais melodiosa. As formas de sua existência adquirirão qualidades dinamicamente dramáticas. A espécie humana, na sua generalidade, atingirá o talhe de um Aristóteles, de um Goethe, de um Marx. E sobre ela se levantarão novos cumes.” (“Arte revolucionária e arte socialista”, in Literatura e revolução, Leon Trótski).

Ainda que no trecho acima o revolucionário russo se refere a uma consideração geral sobre o desenvolvimento da sociedade, podemos fazer uma analogia com o desenvolvimento específico de um movimento cultural ou social, como o futebol. Somente numa circunstância completamente nova, ou seja, o comunismo, é possível que se erga sobre os gigantes da época atual, hoje insuperáveis, novos cumes da cultura humana. No caso do futebol, apenas uma revolução e uma situação social nova poderiam dar lugar a algo maior do que a geração de Pelé.

É incrível que Pelé, sendo um homem do povo, de família muito pobre, tenha reunido, ao menos na atividade artística específica para a qual ele se dedicou, ou seja, dentro de campo com a bola nos pés, as características do que Trótski assinala como a de um “homem libertado”. Na prática do futebol, Pelé era o homem que “dirige seus sentimentos”, “eleva seus instintos ao plano do consciente”, cujos movimentos do corpo eram ritmados e harmoniosos.

Essa capacidade que Pelé desenvolveu mais do que qualquer outro, mas que os grandes artistas da bola também têm, é a prova de que o futebol se transformou em arte. Só a arte poderia transformar milhares de Pelés em homens sublimes.

O futebol de Pelé é como uma canção perfeita em que a humanidade toda parasse para ouvir em estado de sublimação. A alegria do futebol, o deleite de assistir a um drible, a alegria explosiva de um gol tudo isso é o sublime. Daqui a séculos, as gerações falarão que muito tempo atrás, a humanidade deu à luz um gênio de uma arte feita com a bola nos pés. Pelé estará na lista com Michelangelo, Leonardo Da Vinci, Mozart, Beethoven, Camões, Shakespeare, Dante, Cervantes, Tchaikovski, Tolstoi, Monet, Picasso outros gênios da arte.

Essa situação só foi possível graças à ação coletivo da população pobre brasileira que se impôs sobre a elite econômica, que proibia a participação de negros, mestiços e pobres nos jogos de futebol.

Tradicionalmente, as análises sobre os fatores sociais que acabaram resultando no futebol brasileiro esbarram na questão racial que, embora não esteja completamente errada, é insuficiente. A confusão se dá apenas no seguinte sentido: que a revolução no futebol é um produto da ação das classes pobres, predominantemente mestiças e negras, mas não apenas.

Gilberto Freyre publicou crônica no Diário de Pernambuco, em 17 de junho de 1938, um dia após a derrota da Seleção Brasileira para a Itália (que seria campeã, um dos dois títulos italianos sob Mussolini), destacando a importância da mestiçagem para o jogo brasileiro.

“O nosso estilo de jogar football me parece contrastar com o dos europeus […]. Os nossos passes, os nossos pitús, os nossos despistamentos, os nossos floreios com a bola, ou alguma coisa de dança e de capoeiragem que marca o estilo brasileiro de jogar football, […] o mulatismo flamboyant e ao mesmo tempo malandro que está hoje em tudo que é afirmação verdadeira do Brasil.

Acaba de se definir de maneira inconfundível um estilo brasileiro de football; e esse estilo é mais uma expressão do nosso mulatismo ágil em assimilar, dominar, amolecer em dança, em curvas ou em músicas técnicas européias ou norte-americanas mais angulosas para o nosso gosto: sejam alas de jogo ou de arquitetura.

Enquanto o futebol europeu é uma expressão apolínea – […] o brasileiro é uma forma de dança, em que a pessoa humana se destaca e brilha. […] O mulato brasileiro deseuropeisou o football dando-lhe curvas, arredondados e graças de dança. […] O estilo mulato, afro-brasileiro, de football é uma forma de dança dionisíaca. (Gilberto Freyre, Football mulato).

Veja que já em 1938, Freyre destacava que o brasileiro havia transformado o futebol em arte.

Foi essa luta, que no âmbito do futebol resultou numa verdadeira revolução, que produziu essa nova arte. O brasileiro recebeu o esporte europeu e o transformou em algo novo, uma arte brasileira. Um exemplo vivo do que Oswald de Andrade chamou de antropofagia.

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